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5.2 Dez Casos em Análise sob óticas distintas

5.2.1 Ótica das Vítimas e dos Processos Jurídicos

5.2.1.7 Sétimo: o caso de Odaleia

Odaleia nasceu em Quirinópolis, interior de Goiás, em 1975. Casada e mãe de um filho, a funcionária trabalhou na empresa VI de 30/11/1998 a 12/03/2008 (data da demissão). Iniciou suas atividades como atendente, posteriormente, atuou como coordenadora administrativa até 1999, assumindo, em seguida, a partir de janeiro de 2000, a função de gerente de plantão e, por fim, atuou como gerente de operações, a partir de outubro de 2006.

Como atendente, Odaleia observava que os gerentes eram humilhados pelo consultor externo da franquia, mas, de maneira otimista, pensou que tal problemática não iria ocorrer quando assumisse a gerência. Entretanto, a situação foi inversa. O consultor da franquia passou a deter mais poder, a partir de janeiro de 2003, data em que a proprietária da franquia assumiu a direção e administração das unidades em Uberlândia (AUTOS). Com isso, as ofensas explícitas (táticas) contra os gerentes eram expressas com palavras de baixo calão proferidas aos gritos que chegam a surpreender, tendo em vista o porte da empresa e sua atuação multinacional. Como exemplo dessas palavras, citam-se:““[...] “seus bostas”, “seus merdas”, “seus pamonhas”, “o uniforme de vocês não serve nem para limpar bunda” [...] “os funcionários de Uberlândia tinham sido contratados pela APAE, porque eram todos

deficientes mentais”, “que era para calar a boca”, “que a Autora não era ninguém”” (AUTOS).

Além de esses enunciados serem utilizados com frequência, o agressor, funcionário de longa data da empresa (mais de oito anos, de acordo com a citação da vítima), ameaçava demitir Odaleia, dizendo que ela jamais conseguiria enfrentá-lo, porque ninguém seria capaz de “derrubá-lo” (ODALEIA). O superior hierárquico, denominado neste estudo de Orebe, também humilhava a vítima, ordenando que ela fizesse atividades abaixo de sua alçada com intenção de provocá-la e enquadrá-la em “seu lugar”.

Uma das testemunhas da reclamante atesta em seu depoimento que, de fato, Orebe se dirigia à Odaleia com palavras de baixo calão, dizendo que ela era incompetente e inútil, chegando até mesmo a trancá-la dentro de uma sala (câmara fria) como castigo (AUTOS). A entrevistada afirma que Orebe a trancou naquela sala com o intuito de, verbalmente, humilhá- la ainda mais, e para que ninguém pudesse ouvir (tática). Nessa ocasião, a vítima relatou que sua única reação foi chorar.

Odaleia explica que, a partir do ano de 2003, “a coisa apertou mesmo” (ODALEIA). Isso porque o consultor visitava, constantemente, a loja, ou melhor, mensalmente, visto que antes as visitas eram semestrais. Também ligava todos os dias para a gerente, que passou a sentir temor em função das ligações ao final de cada dia.

As atitudes do agressor, direcionadas à gerência média, parecem expressar uma ideia errônea de estratégia de gestão. Obede atacava com ênfase, não todos os funcionários em geral, mas tinha como foco o gerente, pensando, potencialmente, que a pressão destinada aos gerentes, por sua vez, seria direcionada por esses aos seus subordinados. No entanto, isso tornava o ambiente tenso e hostil e, por mais que a gerente tentasse passar para os subordinados uma impressão de que nada acontecia, buscando transparecer um ambiente agradável, tal tentativa descolava-se da realidade.

A situação apresentada leva ao entendimento de que o agressor, a cada humilhação, sentia-se mais poderoso, respaldando sua “superioridade” no cargo exercido. A esse respeito, Einarsen (1999) e Salin (2003a) explicam que o desbalanceamento de poder formal, oriundo da hierarquização mais estruturada, muitas vezes, acaba por desencadear abusos, principalmente, na direção descendente.

Com intuito de frear as frequentes humilhações advindas do superior hierárquico, Odaleia buscou contatar o setor de RH na matriz (reação), a fim de relatar sua rotina de terror no ambiente de trabalho. Todavia, nenhuma atitude por parte da organização foi realizada, tendo apenas sido comentado com Odaleia que, de fato, outras reclamações sobre Orebe

tinham sido direcionadas à gerência geral da empresa. Assim, mesmo agindo de maneira assertiva, buscando reafirmar seus direitos, o setor de RH omitiu-se, desviando-se de suas atribuições, banalizando e negando a violência (HELOANI, 2004; LORENTZ; LIMA; MAESTRO FILHO, 2011).

Desse modo, não basta apenas ouvir a vítima, mas sim promover uma política corporativa específica contra o assédio moral, no intuito de haver ações providenciais (PIÑUEL y ZABALA; CANTERO, 2002; DANIEL, 2009), caso contrário, o infortúnio é ainda mais problemático e pode se assemelhar aos diagnósticos equivocados, devido ao descrédito quanto à história da pessoa (LEWIS, 2006).

A entrevistada ilustrou duas situações em que Orebe a desautorizou e humilhou na frente de todos. A primeira, quando um grupo de gerentes em treinamento de outras cidades visitava a loja; e a segunda, que representou para a vítima a “gota da água” em relação à insatisfação no trabalho, ocorreu quando o gerente a chamou de “pamonha” na frente de seus subordinados.

A visão extremamente míope de Orebe em relação à maneira de lidar com os subordinados e gerenciar expressa o hábito por escolher como caminho a violência e, até mesmo, reduzir-se a esse, para desempenhar tal tarefa. Esse caminho ancora-se no conceito de intolerância institucionalizada, em que duas projeções ideológicas são formadas: a da violência justa, empregada pela instituição dominante, e a da injusta, caracterizada por qualquer oposição à primeira (MEREU, 2000).

Diante disso, cabe à área de Gestão de Pessoas se posicionar sobre suas responsabilidades, já que tem como incumbência ser agente de sensibilização de mudanças, a fim de contribuir para preparação de lideranças eficazes, bem como zelar por um clima organizacional de qualidade (LORENTZ; LIMA; MAESTRO FILHO, 2011). Desvios dessas atribuições precisam ser diagnosticados, pois os estímulos aos trabalhadores com valores deturpados põem em risco os próprios objetivos da organização, uma vez que prejudicam a saúde do trabalhador e a imagem da organização (FREITAS, 2001; HELOANI, 2004; BRADASCHIA, 2007).

Em decorrência da liberdade dada ao agressor para a sequência de seus ataques, o sofrimento é como um balão de ar. Na ótica de Odaleia, ele vai enchendo, enchendo, até explodir. Ao longo do tempo (duração estimada do assédio, segundo a entrevista, foi de quatro anos), a dor arrasta-se e agrava-se, pois a vítima, em virtude do desbalanceamento de poder, não confronta o agressor, na maioria dos casos, sendo submetida à mordaça do silêncio (EINARSEN, 1999; SALIN, 2003a; BRADASCHIA, 2007).

Odaleia confessa que tinha crises de choros e estava sob constante estresse (consequência). Por esse motivo, mesmo sem desejar, esse quadro de problemas psicológicos refletia-se na falta de paciência ao esposo e ao filho pequeno, do mesmo modo que no caso já mencionado de Berenice. Durante seu tratamento psicológico, a cura indicada foi mudar de trabalho, todavia, como a entrevistada precisava trabalhar para custear sua faculdade em Psicologia e ainda complementar a renda familiar, tal alternativa não era tão fácil, como aponta Rodrigues (2009). Mas, em 2008, devido ao desgaste extremo, pediu para sair do emprego e, logo depois, voltou a trabalhar - apesar do receio de reviver o assédio moral já sofrido -, e explicou no processo seletivo o que já tinha vivenciado e que estava processando a empresa anterior. Os gerentes da empresa em que Odaleia trabalha atualmente (em 2012), na época, demonstraram satisfação por sua sinceridade e a contrataram.

Contudo, observa-se que o processo de cicatrização da dor atrelada à alma do assédio moral é longo e, por vezes, não ocorre em sua plenitude. Depois de cinco anos de sua saída da empresa VI, Odaleia mencionou que só concordou em participar da entrevista, porque já a havia agendado por telefone, e não mostrou plena concordância com o fato de o advogado ter fornecido seu contato telefônico.

Nota-se que o caso de Odaleia assemelha-se às descobertas de Corrêa e Carrieri (2007), em que mulheres gerentes foram entrevistadas. No estudo citado foi verificado que os agressores agiram de modo a desabonar a imagem da gerente em relação ao trabalho, fazendo- a duvidar de suas competências. Esse chefe agressor, então, busca colocar a vítima em posição inferir de dominação, demarcando seu espaço. Como fato agravante, os autores apontam a omissão da empresa para cessar os abusos, tornando-se, portanto, complacentes com os excessos de poder.

Ao longo da entrevista, a vítima esforçou-se para não chorar, mas, quando citou as ofensas sofridas trancadas dentro de uma câmara fria com o agressor, chorou e mostrou-se fragilizada. Isso corrobora com o entendimento de que o assédio moral marca a trajetória da vítima. Sanches, Mota e Costa (2011) revelam, em um dos casos por eles estudados, que tal questão pauta-se na ofensa à honra, à dignidade e, por isso, é uma dor que afeta várias áreas da vida do sujeito, pois este é um ser social.

Odaleia foi sufocada dentro da empresa VI e não teve a quem recorrer. Da mesma forma, foi revelado nos outros casos de Acsa, Berenice Carmela, Diná e Efrata já tratados, em que a filial parece se transformar em uma ilha sob a tirania dos detentores de poder encontrados nos topos das hierarquias. A instituição judicial passa, então, a ser a última

alternativa para a vítima, em virtude da não intermediação efetiva dos responsáveis dentro da organização (BATTISTELLI; AMAZARRAY; KOLLER, 2011).

Essa não intermediação representa, para a entrevistada, as causas do assédio moral, pois, segundo ela, ninguém jamais foi até à filial investigar a razão de tantas demissões e problemas, principalmente, aqueles ligados à gerência média. Odaleia diz ainda que faltou ouvir os funcionários explicando que, na época em que trabalhou na empresa VI, fazia parte da política da empresa desenvolver o funcionário internamente, para que ele pudesse crescer na empresa, o que era seu caso. Ela mesma havia começado como atendente. Depois de ter saído da empresa, ela soube, por intermédio de colegas, devido a outros processos trabalhistas (ressalta-se que Odaleia foi a primeira, dentre os gerentes de sua época, a acessar a justiça contra a reclamada), que a maioria dos funcionários foram demitidos em uma tentativa de a empresa apagar o que ocorreu no passado, tendo essa contratado funcionários de outras cidades para atuarem em Uberlândia nos cargos de gerência. Contudo, o agressor citado no processo, Orebe, surpreendentemente, continuou na empresa - essa informação pautou-se nos contatos realizados no intuito de entrevistar o consultor da empresa VI – (DIÁRIO DE CAMPO).

Diante do exposto, a indicação de Odaleia para mediação se dirige para a necessidade de se tirarem as vendas dos olhos daqueles que insistem em negar o problema do assédio moral (HIRIGOYEN, 2010a). Nesse sentido, vale ressaltar que as organizações caso insistam em considerar apenas o lucro, negligenciando o zelo por um ambiente de trabalho saudável, “[...] não poderão se espantar ao encontrarem dificuldades e verem desaparecer a lealdade e o talento” (MARTININGO FILHO; SIQUEIRA, 2008, p. 32).