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5.2 Dez Casos em Análise sob óticas distintas

5.2.1 Ótica das Vítimas e dos Processos Jurídicos

5.2.1.9 Nono: o caso de Jordana

Jordana, nascida em Uberlândia, em 1987, é mãe solteira e mora com os pais. Possui ensino médio completo e enfrentou uma violência até então desconhecida, em seu segundo emprego. Trabalhou como cobradora por seis meses na empresa VII, que prestava serviços para a empresa XII.

A vítima relata um ambiente tenso de trabalho, encontrado já nos primeiros meses de serviço. Os gritos e manifestações de intolerância (como, por exemplo, bater na mesa) de Emaré, seu gerente (assédio moral na direção descendente), assustavam-na e por medo procurava não chamar a atenção. A entrevistada explicou que estava fazendo um curso técnico que iniciava às 19h, e o gerente não aprovava que ela saísse em seu horário, às 18h. Assim, podia realizar mais cobranças e obter mais resultados e, como consequência, recebeu um ultimato de Emaré para que escolhesse se preferia o emprego ou o curso. Por necessitar da remuneração advinda do trabalho, Jordana desistiu do curso. Ela sabia que não tinha escolha, uma vez que o gerente mudava sua carteira de clientes quando saía no horário, a fim de dificultar seu trabalho e prejudicar a parcela variável (comissão) de sua remuneração (táticas).

A ex-funcionária ainda menciona que o gerente colocou um aviso no banheiro feminino com os dizeres: “favor fazer apenas xixi”, afirmando que as mulheres iam excessivamente ao banheiro e que isso não era necessário. Também pronunciava, frequentemente, palavras de baixo calão durante as reuniões, sempre aos gritos, ridicularizando os cobradores que não atingiam as metas. Jordana afirma que “morria de medo” do gerente. Mas depois de quatro meses, aproximadamente, de trabalho, conversou com uma prima, advogada. Ela esclareceu-lhe sobre o problema que estava enfrentando – assédio moral (JORDANA). Após tal esclarecimento, a vítima começou a opinar mais, o que deixou o gerente ainda mais agressivo.

Observa-se, portanto, que depois um período de silêncio de aproximadamente quatro meses, Jordana passou a reagir de maneira mais assertiva, buscando reafirmar seus direitos nos últimos dois meses em que laborou na empresa VII. Piñuel y Zabala e Cantero (2002) destacam que a maioria das vítimas silencia-se em relação à violência sofrida e, em segundo lugar, há um grupo que reage de maneira assertiva, como ocorreu neste caso em discussão. Os

autores ainda ressaltam que a minoria responde de maneira agressiva, estigmatizando o agressor.

No parecer de Jordana, o gerente tinha como intuito ser um modelo a ser seguido, mas de agressividade e, com isso, queria que as cobradoras falassem com os clientes de modo mais enérgico. No entanto, a vítima diz que não cobrava dessa forma, mas, sim, à sua maneira, chegando a ouvir, por parte dos próprios clientes, reclamações sobre o gerente, cujo comportamento relaciona-se aos achados na pesquisa de Amazarray (2010). A autora diz que o assédio moral passa a expressar uma estratégia de gestão, em que o agressor, potencialmente, dissemina a violência moral pelo grupo.

A entrevistada também relata que, quando o gerente a chamava na sala dele, seu coração disparava, e saia da sala após a conversa não aos choros, mas com muita raiva e nervosismo. Certa de que não poderia enfrentá-lo dentro da empresa, Jordana decidiu acessar a Justiça, ainda enquanto lá trabalhava, contando com o apoio testemunhal de uma colega, o que levou um dos proprietários a se deslocarem da filial em Belo Horizonte para conversar com ela e, logo depois, demiti-la. Essa conversa intimidadora foi expressa pela vítima da seguinte maneira:

[...] eu tenho a impressão que ele sabia como que era com o funcionário dele. Mas eu nunca cheguei a falar, eu falei com o dono da empresa somente uma vez, que foi o dia que ele me mandou embora. E eu também não gostei do jeito que ele falou comigo. Ele falou comigo me... Eu achei... Senti que ele tava me menosprezando. Que ele perguntava assim: “quantos anos você tem?” Eu respondi. Aí ele falou assim: “você que é a insatisfeita com a empresa?” Aí eu falei: “Sim”. Ele: “eu na sua idade, eu era gerente...” num sei o que lá, do num sei o que, da onde. “E eu era... bem de situação”. Num sei o que e pa pa pa... Num sei por que ele tava falando isso pra mim. Né, nunca... Acho que ele falou: “nunca precisei fazer isso que você tá fazendo” né, entrar com um processo na empresa, e tal, falava esse tipo de coisa pra mim, não entendi muito bem onde que ele tava querendo chegar... “eu na sua idade, eu era gerente, e você na sua idade, você não é nada” [...] (JORDANA).

A forma pela qual foi demitida representou para a entrevistada ainda mais humilhação, levando-a refletir sobre a conivência do proprietário da empresa com o comportamento do gerente (causa). Na ótica de Jordana, o proprietário deveria analisar o ambiente de trabalho, ouvir os funcionários e, ainda, avaliar o gerente (mediação). Ademais, o discurso da entrevistada mostra aderência à diferenciação expressa por Daniel (2009) a respeito do chefe agressor e do “chefe rígido”.

A pessoa tem que ter muito... Tem que ter sabedoria, saber conversar com o funcionário. É... Ser... Ser firme, mas não ser grosso, entendeu, nem na hora de chamar a atenção, porque, às vezes, a gente é... Às vezes, a gente faz alguma coisa errada, mas é porque a gente, às vezes, não teve a informação, não teve um treinamento, né, então, a pessoa tem que saber, primeiramente, conversar, ter educação pra conversar. Se ele tiver isso aí, eu acho que... Né... E ter experiência, ser profissional, ter cursos [...] (JORDANA, grifo nosso).

De forma semelhante ao que foi dito por Berenice, Diná, Efrata, Odaleia e Maida, Jordana também alega que o clima tóxico no ambiente de trabalho se expandiu para a família. Ao chegar à sua casa, sua paciência com a filha pequena era limitada, preferindo ficar sozinha e em silêncio (consequência). Além disso, como Efrata e Odaleia, Jordana ficou com receio de vivenciar a violência do assédio moral, novamente, no próximo emprego.