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CONSEQUÊNCIAS PROCESSUAIS QUANTO À INOBSERVÂNCIA DA

3 O DIREITO FUNDAMENTAL À DURAÇÃO RAZOÁVEL DA INVESTIGAÇÃO

3.7 CONSEQUÊNCIAS PROCESSUAIS QUANTO À INOBSERVÂNCIA DA

GARANTIA DA DURAÇÃO RAZOÁVEL DA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL

Afirmar que a sociedade tem direito a uma ação policial tempestiva e eficiente, significa dizer, por outro turno, que o Estado-Administração tem o dever de implementar a garantia da duração razoável da investigação criminal, dotando a Polícia Judiciária de recursos pessoais, materiais e financeiros suficientes para tal escopo.

São assuntos que dependem, em certa medida, da vontade política do Poder Executivo, no sentido de compatibilizar todo o sistema punitivo com os mandamentos

constitucionais de efetividade e celeridade, inclusive nos procedimentos extrajudiciais291.

Enquanto isso não ocorre, ao Poder Judiciário cabe buscar e fomentar alternativas, a pretexto de efetivamente retirar a Constituição do papel. Há, pelo menos, quatro soluções teóricas a respeito:

289

PEDRAZ PENALVA apud LOPES JR.; BADARÓ, op. cit., p. 42.

290 CHOUKE, Fauzi Hassan. Garantias constitucionais na investigação criminal. Rio de Janeiro: Lumen Juris,

2001, p. 151.

291

A afirmação há de ser temperada pelas limitações do orçamento público, tendo em vista a infinitude das necessidades sociais, a serem satisfeitas, na medida do possível, pelo Estado. No âmbito da gestão pública, quando não há recursos suficientes, a decisão do administrador de investir em determinada área implica, inexoravelmente, escassez de recursos para uma outra. Em que pese não ser exigível obrigação impossível (impossibilium nulla obligatio est), de modo a ficar afastada a responsabilidade do ente estatal, o fato é que a real insuficiência de recursos deve ser demonstrada pelo Poder Público, não sendo admitido que a tese seja utilizada como desculpa genérica para a omissão estatal, sobretudo quando malferidos direitos fundamentais.

A primeira defende a nulidade absoluta do próprio processo292, por negar garantia fundamental e, portanto, incapaz de gerar uma sentença juridicamente segura e legítima.

Uma segunda posição, considerando que o imputado em um processo penal intempestivo decerto experimentou danos morais e econômicos, sufraga que o castigo antecipado deve ser oportunamente compensado, quando da imposição da pena, como

circunstância atenuante inominada (CP, art. 66)293.

Uma terceira corrente de pensamento fala em perdão judicial294, na medida em que,

tendo em vista o caráter aflitivo do processo, lícito pensar que as consequências do fato-crime (leia-se: processo moroso) atingem o agente de forma tão grave que a sanção penal se torna absolutamente desnecessária.

A quarta, sem dúvida alguma, é a mais radical de todas, pois, mercê da dilação

excessiva, prefere absolver o acusado295. Tal foi a solução alvitrada pela 6ª Câmara Criminal

do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, no julgamento da Apelação nº 70019476498, relatada pelo Des. Nereu José Giacomolli, j. 14.06.2007, cujo acórdão foi assim ementado:

ROUBO. TRANSCURSO DE MAIS DE SEIS ANOS ENTRE O FATO E A SENTENÇA. PROCESSO SIMPLES EM COMPLEXIDADE. ABSOLVIÇÃO. 1. O tempo transcorrido, no caso em tela, sepulta qualquer razoabilidade na duração do processo e influi na solução final. Fato e denúncia ocorridos há quase sete anos. O processo, entre o recebimento da denúncia e a sentença demorou mais de cinco anos. Somente a intimação do Ministério Público da sentença condenatória tardou quase cinco meses. Aplicação do artigo 5º, LXXVIII. Processo sem complexidade a justificar a demora estatal. 2. Vítima e réu reconhecidos; réu que pede perdão à vítima, já na fase policial; réu, vítima e testemunha que não mais se lembra dos fatos.

De ver que o julgado acompanhou os critérios técnicos do Tribunal Europeu de Direitos Humanos, especificamente i) a complexidade do caso, ii) a atividade processual do interessado (imputado), e iii) a conduta das autoridades judiciárias.

É da leitura do acórdão: “Analisando tais critérios no caso concreto, há que ser reconhecida a dilação indevida. O fato é de julho de 2000 e a denúncia foi recebida em setembro de 2000. A sentença é de dezembro de 2005”.

292 VIAGAS BARTOLOME apud LOPES JR.; BADARÓ, op. cit., p. 121. 293

O desconto da pena é expediente muito utilizado por tribunais germânicos e cortes norte americanas. Não se confunde com a detração penal (CP, art. 42), instituto que leva em conta o tempo de prisão provisória cumprida pela condenado, independentemente de ter havido excesso de prazo ou não. O desconto da pena aplicada considera apenas o tempo considerado excessivo, ou seja, o período projetado além do razoável, pouco importando de ter sido o condenado preso ou não antes da sentença. A solução, contudo, é completamente ineficaz quando o réu é absolvido ou a pena processual superar a pena concretamente aplicada.

294 A solução, no entanto, seria apenas possível para os casos admitidos em lei, a exemplo dos art. 121, § 5º, e

art. 129, § 8º, ambos do CP.

295 Tratava-se de um roubo qualificado pelo concurso de agentes em que foram subtraídos R$ 60,00 (sessenta

Mais adiante, lê-se:

Pelo que se pode constatar, trata-se de processo simples, com apenas um fato delituoso e dois réus. Além disso, a demora processual não se deu por culpa deste, não incidindo a Súmula 64 do STJ (Não constitui constrangimento ilegal o excesso de prazo na instrução, provocado pela defesa). (...) Por tudo isso, a alternativa constitucionalmente válida é a absolvição do acusado, com fundamento no art. 5º, LXXVIII, da Constituição Federal e com base no art. 386, VI, do Código de Processo Penal.

Seguramente não é a composição ideal. O senso de Justiça somente é inteiramente satisfeito quando punido o verdadeiro culpado e absolvido o verdadeiro inocente. A quebra dessa “regra de ouro”, qualquer que seja o interesse resguardado, conflita com o valor mundano de justiça. Da mesma forma que a condenação de um inocente, a absolvição do criminoso manifesta sublimemente a iniquidade, e por isso não deve ser festejada.

Logo, não é a solução a ser defendida como a mais adequada, porém é o que a imperfeição do nosso sistema penal permite, revelando, à toda evidência, as entranhas de um Estado ineficiente.

Contudo, partindo-se da premissa de que o tempo tem conteúdo de pena, a absolvição nos moldes do referido decisório, paradoxalmente, ganha legitimidade constitucional.

Com esse status, é a opção sufragada pelas modernas legislações, não só da Europa, como também da América Latina, a exemplo do Paraguai.

Ao cuidar da investigação criminal, o país vizinho dispõe que o excesso de prazo da

investigação criminal neutraliza o próprio exercício da ação penal296, com resolução ficta e

definitiva em favor do imputado:

Art. 136. DURACIÓN MÁXIMA. Toda persona tendrá derecho a uma resolucion judicial definitiva em um prazo razonable. Por lo tanto, todo procedimiento tendrá uma duración máxima de três años, contados desde el primer acto del procedimiento.

Este plazo solo se podrá extender por seis meses más cuando exista una sentencia condenatória, a fin de permitir la tramitacion de los recursos.

Art. 137. EFECTOS. Vencido el plazo previsto em el artcículo anterior el juez o tribunal, de ofício o a peticion de parte, declarará extinguida la acción penal, conforme lo previsto por este código. Cuando se declare la extinción de la acción penal por morosidad judicial, la víctima deberá ser indemnizada pro los funcionários responsáveis y por el Estado.

296 O Código de Processo Penal do Paraguai foi reformulado em 2003, atualizado à luz do Pacto de San José da

De notar que a equação do problema passa pela reforma do modelo de investigação criminal à luz da Constituição e dos Tratados Internacionais subscritos pelo Brasil, assim como fez o Paraguai. Enquanto isso não ocorrer efetivamente, acompanhamos o progresso perigoso do casuísmo, ficando a justiça do caso concreto ao sabor do sentimento de cada magistrado.

Se isso está a demonstrar a insatisfação dos operadores do direito com esse estado de coisas, algo elogiável, há que se apontar o perigo das decisões de lege ferenda, construídas a partir de engenhosa hermenêutica constitucional-processual, com pontos positivos e negativos, porém na contramão da segurança jurídica.

3.8 DEFESAS DO INVESTIGADO CONTRA A DURAÇÃO EXCESSIVA DA