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1.2 INCIDENTES JURISDICIONAIS NA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL

1.2.2 Medidas assecuratórias

1.2.2.2 Medidas assecuratórias sobre “o corpo” do investigado

1.2.2.2.3 Prisão temporária

Das prisões cautelares, a prisão temporária é a única vocacionada para servir à

investigação criminal.88 Não por outra razão, somente na fase do inquérito policial pode ser

decretada, quando reputada imprescindível para o esclarecimento da infração penal.

Diversamente das demais, cujo regime jurídico está disciplinado nos quadrantes do CPP, a prisão temporária é regulada em lei especial: Lei n. 7.960, de 21 de dezembro de 1989.

Tendo em conta sua natureza cautelar, é modulada pelos já aludidos requisitos fumus boni juris e periculum in mora. O primeiro resulta das fundadas razões baseadas em qualquer prova admitida na legislação penal, de autoria ou participação do indiciado, quanto a qualquer

85 Cf. LOPES JR., Aury; BADARÓ, Gustavo Henrique. Direito ao processo penal no prazo razoável. Rio de

Janeiro: Editora Lumen Juris, 2009, p. 105.

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BRANDÃO, 2002 apud LOPES JR.; BADARÓ, ibid, p. 106.

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Ibdem, p. 105. Como já decidido pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos (TEDH), “nos casos em que a duração máxima da privação da liberdade é fixada pela lei, de modo inderrogável, todo prolongamento da detenção além do termo fixado, caracteriza uma violação do art. 5º, § 1º, da Convenção Europeia de Direitos Humanos” (Caso K. F., sentença de 27.11.1977).

88 Foi introduzida no sistema processual em substituição à prisão para averiguação, realizada pela polícia, sem

dos crimes elencados na lei, em rol taxativo (art. 1º, inc. III). O segundo decorre da imprescindibilidade da medida para as investigações do inquérito policial (art. 1º, inc. I).

A medida de força é justificada porque, muita vez, o esclarecimento da infração

penal fica comprometido pelo status libertatis do investigado89. Nessa condição, pode

perfeitamente acompanhar os passos da polícia, até mesmo antecipando-se em alguns momentos em prejuízo da apuração dos fatos, destruindo e ocultado provas incriminatórias; ameaçando ou subornando testemunhas.

Portanto, em casos em que a ação policial é resistida pelo próprio autor do delito, o bom andamento da investigação criminal impõe, excepcionalmente, o sacrifício temporário de sua liberdade.

É a lição de Guilherme de Souza Nucci:

A prisão temporária é medida urgente, lastreada na conveniência da investigação policial, justamente para, prendendo legalmente um suspeito, conseguir formar, com rapidez, o conjunto probatório referente tanto à materialidade quanto à autoria. 90

Naturalmente, a imprescindibilidade de que fala a lei há de ser aferida casuisticamente, a partir do parâmetro de ser a medida um meio necessário para o conhecimento do crime e sua autoria. A mesma solução é ainda alvitrada quando o indiciado não tiver residência fixa ou não fornecer elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade (art. 1º, inc. II).

Em um ou outro caso (art. 1º, incs. I e II), a prisão temporária está especialmente reservada para a investigação de alguns crimes, como aqueles descritos no art. 1º, inc. III, da

Lei 7.960/89, em elenco fechado:91

a) Homicídio doloso (art. 121, caput, e seu § 2º);

b) Sequestro ou cárcere privado (art. 148, caput, e seus §§ 1º e 2º); c) Roubo (art. 157, caput, e seus §§ 1º, 2º e 3º);

d) Extorsão (art. 158, caput, e seus §§ 1º e 2º);92

89 Nem sempre será o indiciado, ou seja, a pessoa apontada pela autoridade policial como autora da infração

penal. Por vezes, a prisão temporária se faz necessária justamente para se chegar a essa conclusão preliminar.

90 NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 5. ed. rev. atual. e ampl. – São

Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 1096.

91 Discute-se se os incisos I, II e III, do art. 1º, seriam cumulativos ou alternativos. Se forem considerados

cumulativos, a prisão temporária raramente teria aplicabilidade processual. Por outro lado, se forem considerados alternativos, tornar-se-ia banal, pois bastaria que o investigado não tivesse residência fixa, por menor que fosse a infração penal, para decretação da prisão extrema. Por tudo isso, prevalece o raciocínio no sentido de que o inciso III é parâmetro indispensável, podendo figurar ao lado do inciso I ou do inciso II, conforme o caso. Significa dizer, então, que somente será admitida a prisão temporária quando o agente cometer uma das infrações previstas no inc. III do art. 1º, sendo a medida imprescindível para a investigação policial (inc. I) ou quando o investigado não possuir residência fixa ou não fornecer elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade (inc. II).

92 A nova figura do sequestro relâmpago, causa de aumento de pena do crime de extorsão (CP, art. 158, § 3º),

e) Extorsão mediante sequestro (art. 159, caput, e seus §§ 1º, 2º e 3º);

f) Estupro (art. 213, caput, e sua combinação com o art. 223, caput, e parágrafo único)93-94;

g) Atentado violento ao pudor (art. 214, caput, e sua combinação com o art. 223, caput, e parágrafo único);95

h) Rapto violento (art. 219, e sua combinação com o art. 223, caput, e parágrafo único);96

i) Epidemia com resultado morte (art. 267, § 1º);

j) Envenenamento de água potável ou substancia alimentícia ou medicinal qualificado pela morte (art. 270, caput, combinado com o art. 285);

l) Quadrilha ou bando (art. 288), todos do Código Penal;

m) Genocídio (arts. 1º, 2º e 3º da Lei 2.889, de 1º.10.1956), em qualquer de suas formas típicas;

n) Tráfico de drogas (art. 12 da Lei 6.368, de 21.10.1976);97

o) Crimes contra o sistema financeiro (Lei 7.492, de 16.06.1986).

Em se tratando de medida cogitável apenas no inquérito policial, a autoridade policial é legitimada para representar pela prisão temporária, o que importa exposição exauriente de todos os requisitos legais (art. 2º). Seguirá o pedido, então, à apreciação da autoridade judiciária, cuja decisão é precedida de manifestação do Ministério Público (art. 2º, § 1º).

Decretada a prisão, expedir-se-á o correspondente mandado98, e somente após esse

momento é que se dará a execução da medida pela autoridade policial, que deverá, no primeiro momento, informar ao preso todos os seus direitos previstos no art. 5º da CF (art. 2º, § 6º, da Lei n. 7.960/89).

natureza processual, comporta interpretação extensiva, no sentido de autorizar, assim, prisão temporária para esta modalidade mais grave de extorsão.

93

A revogação do art. 223 pela Lei 12.015/09 apenas deslocou o conteúdo da norma para os §§ 1º e 2º do art. 213. Não operou, portanto, abolitio criminis, permanecendo a possibilidade de decretação de prisão temporária para estupro, na sua forma básica, assim como na sua dimensão qualificada (com resultado lesão grave ou morte).

94 O estupro de vulnerável (art. 217-A), acrescido ao Código Penal por força da Lei n. 12.015/09, admite a

decretação da prisão temporária. Isso porque, a rigor, não constitui figura delitiva inteiramente inédita, pois emana da realocação do revogado art. 224 do CP, que cuidava da presunção de violência nos crimes sexuais. Ademais, se para a figura mais branda do estupro admite-se a medida (estupro de pessoa comum), com maior razão cabe a prisão cautelar no tocante à forma mais grave (estupro de pessoa vulnerável).

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Com o advento da Lei n. 12.015/09 deixou de constituir crime autônomo, passando a integrar o conteúdo do art. 213 do CP. Logo, a conduta anteriormente descrita como atentado violento ao pudor é capaz de ensejar a prisão temporária do autor, mas agora com base no estupro (cf. art. 1º, inc. III, alínea “f”, da Lei n. 7.960/89).

96

A Lei n. 11.106/06 suprimiu o crime de rapto (art. 219 do CP). Contudo, não houve descriminalização da conduta, que encontra correspondência no art. 148, § 1º, inc. V, do CP. Considerando que o sequestro e o cárcere privado comportam prisão temporária, na prática, nada mudou a respeito.

97 Para efeito de prisão temporária, considera-se apenas o tráfico em sentido estrito, previsto atualmente no art.

33 da Lei de Drogas (Lei n. 11.343/06).

98 O mandado será expedido em duas vias, uma das quais será entregue ao indiciado e servirá como nota de culpa

A partir desse instante, terá a polícia 5 (cinco) dias para ultimar as diligências que

entender necessárias. Trata-se, pois, de prazo fixo de duração99, algo extraordinário em nosso

ordenamento jurídico. Ademais, em caso de extrema e comprovada necessidade, faculta a norma a prorrogação deste período, por até 5 (cinco) dias, uma única vez. Daí se vê, portanto,

que o tempo máximo de duração da prisão temporária não pode ser superior a 10 (dez) dias.100

Se a medida cautelar, pela própria natureza e repercussão jurídica, é tida como excepcional, maior rigor há que se ter sobre sua dilação, exigindo redobrado cuidado e critério da autoridade policial no manejo desse odioso instrumento investigatório. Como preconiza o sobredito magistrado bandeirante:

Não basta que a autoridade policial oficie ao magistrado apenas e tão somente representando pela prorrogação, sob o singelo argumento de ainda não estarem concluídas as diligências investigatórias necessárias. É indispensável que esclareça, ao juiz, o que efetivamente fez no primeiro período (de um a cinco dias), apresentando provas (ex.: depoimentos colhidos) e demonstrando o que pretende fazer num segundo período (de uma a cinco dias). Deve-se evitar a banalização da prisão temporária pela simples razão de ser uma modalidade de prisão cautelar praticamente avessa à impugnação, por absoluta falta de tempo hábil. Se o magistrado a decreta por cinco dias, sem atentar para a sua real necessidade, prorrogando-a por outros cinco, do mesmo modo, como fará preso para recorrer? Nenhum habeas corpus será julgado no exíguo prazo de cinco ou dez dias pelo tribunal [...].101

Na legislação especial, há prazo diferenciado. É o que sucede nos crimes hediondos, prática de tortura, no tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e no terrorismo, em relação

aos quais o prazo é de 30 (trinta) dias102, nos termos dos art. 2º, § 4º, da Lei n. 8.072/90. Tal

como a regra geral, o prazo especial pode ser prorrogado por igual período, em caso de

extrema e comprovada necessidade.103

Desse modo, o prazo máximo de duração da prisão temporária, nesses crimes, será de 60 (sessenta) dias, interstício suficientemente longo para albergar eventual injustiça,

99

Não há impedimento para que o juiz decrete a medida por tempo menor, não inferior a 1 dia. Por exemplo: prisão temporária para a realização única de reconhecimento pessoal. É razoável que seja decretada por um dia, considerando a menor complexidade do ato.

100 Inexiste óbice a que a autoridade judiciária, ao prorrogar a prisão temporária, somente o faça por mais 2

(dois) ou 3 (três) dias, por exemplo. Apenas limita o lei o prazo máximo de prorrogação, que em nenhuma hipótese poderá ser superior a 5 (cinco) dias.

101 NUCCI, op. cit., p. 1099-1100. 102

Nada impede que se fixe prazo menor, entre 1 (um) e 29 (vinte e nove) dias.

103

Interessante a tese sufragada por Roberto Delmanto Júnior. Segundo o advogado, a norma é flagrantemente inconstitucional por ferimento do princípio da isonomia processual e igualdade de todos perante a lei. Afinal, se ao preso cautelarmente, em razão de flagrante ou preventiva, prevê a lei prazo de dez dias para conclusão do inquérito policial, não poderia haver prisão temporária de até sessenta dias para crimes hediondos e equiparados (DELMANTO JUNIOR, Roberto. As modalidades de prisão provisória e seu prazo de duração. 2. ed. Rio- São Paulo: Renovar, 2001, p. 251-252).

notadamente quando, ao fim da investigação, chegar-se à conclusão de que o preso simplesmente não cometeu crime algum.

É claro que a duração da medida é aspecto a ser considerado pela polícia e pelo juiz, mas soa desproporcional a solicitação e a fixação dos prazos sistematicamente no máximo sem acurada ponderação das circunstâncias, complexidade da diligência pretendida e reais necessidades da investigação criminal.

De toda sorte, uma vez expirado o ciclo temporal, com ou sem prorrogação, determina a lei o desencarceramento imediato do preso, diretamente pela autoridade

policial104, independentemente de alvará, salvo se anteriormente decretada sua prisão

preventiva105 (art. 2º, § 7º, da Lei n. 7.960/89).

Um ponto a ser observado é a liberação do preso, pela autoridade policial, “antes” do término do prazo. Por exemplo: prisão temporária decretada inicialmente por 30 (trinta) dias, e, ao final dos primeiros 15 (quinze) dias, verifica a autoridade policial a suficiência das provas coletadas quanto à autoria, tendo o suspeito, ademais, domicílio certo.

Ninguém melhor que o presidente da investigação para avaliar a desnecessidade da prisão e, de ofício, liberar o preso temporário, proposição consentânea com o ideal de

celeridade dos atos de Polícia Judiciária, malgrado posição em sentido diverso.106