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DEFESAS DO INVESTIGADO CONTRA A DURAÇÃO EXCESSIVA DA

3 O DIREITO FUNDAMENTAL À DURAÇÃO RAZOÁVEL DA INVESTIGAÇÃO

3.8 DEFESAS DO INVESTIGADO CONTRA A DURAÇÃO EXCESSIVA DA

Afirmado o direito subjetivo à duração razoável da investigação criminal, cumpre a identificação, dentro do sistema positivo, de eventuais instrumentos de defesa do indivíduo contra dilações dessa natureza.

Estando o indiciado preso e não tendo sido remetido a juízo o inquérito policial, devidamente concluído no prazo assinalado de 10 (dez) dias, há coação ilegal sanável pela via do habeas corpus, na forma do art. 648, II, do CPP.

Na definição de Dirley Cunha Júnior, trata-se de “uma ação constitucional de natureza penal destinada especificamente à proteção da liberdade de locomoção quando

ameaçada ou violada por ilegalidade ou abuso do poder”.297

Do mesmo modo, o remédio heroico permanece sendo o adequado, na modalidade preventiva, quando solto o investigado, contanto que fique demonstrada a ameaça concreta à liberdade de locomoção do paciente.

Por via oposta, não se verificando risco à liberdade do sujeito da persecução, sequer remotamente, porque inexistem indícios de materialidade ou de autoria que o liguem ao fato sob apuração, ou simplesmente porque a investigação não avança em busca da verdade, surge

um vácuo que o habeas corpus não consegue preencher298. Tampouco assistirá ao sujeito da

297

CUNHA JÚNIOR, Dirley. Curso de direito constitucional. Salvador: JusPODIVM, 2008, p. 749-750.

298 STJ: “O paciente não demonstra existir perigo iminente de que venha a ser preso. Temor vago, infundado,

persecução o direito, pela via do mandamus, à aceleração de andamento do inquérito policial,

por não haver risco ilegal de coação à liberdade deambulatória.299

Poder-se-ia sustentar, em caráter subsidiário, o manejo do mandado de segurança em matéria criminal, previsto no art. 5º, inc. LXIX, da CF, não fosse a forte resistência jurisprudencial. Segundo os tribunais, a despeito da ilegalidade ou abuso de poder dos agentes

do Estado, faltaria certeza e liquidez ao pedido300, requisitos elementares do writ.301

Decerto não é a melhor interpretação, pois deixa ao completo desamparo o indivíduo, titular de um direito elementar, cabendo ao Estato-Juiz, ante a falta de previsão normativa específica, postura criativa [e juridicamente sustentável] no sentido de extrair do sistema positivo solução consentânea com a afirmação da garantia constitucional, representada, a nosso ver afirmativamente, pelo mandado de segurança.

A Lei n. 12.016/12, que atualmente disciplina o instituto, dispõe em seu art. 1º:

Art. 1º. Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça.

É verdade que o bem jurídico a ser tutelado pela via do mandado de segurança é o direito subjetivo líquido e certo, não defensável pelo habeas corpus ou pelo habeas data, violado ou ameaçado de lesão por ato (ou omissão) de autoridade.

O pressuposto da ilegalidade deve ser compreendido na sua mais ampla acepção, é dizer, qualquer ato (ou omissão) de autoridade que seja contrário ao ordenamento jurídico,

ideia na qual, a rigor, se insere o próprio conceito de abuso de poder. 302

Fora de dúvida que a demonstração cabal do excesso de prazo já na petição inicial constitui o grande empeço no manejo do mandado de segurança, e nisso constitui o chamado

299 TACRSP: “A finalidade do instituto do habeas corpus não abrange a de promover a aceleração do andamento

dos inquéritos policiais” (JTACRESP 76/127).

300

Ensina Hely Lopes Meirelles que “direito líquido e certo é o que se apresenta manifesto na sua existência, delimitado na sua extensão e apto a ser exercido no momento da impetração. Se a sua existência for duvidosa; se sua extensão não estiver delimitada; se seu exercício depender de situações e fatos ainda indeterminados, não rende ensejo à segurança, embora possa ser defendido por outros meios judiciais. Em última análise, direito líquido e certo é direito comprovado de plano. Por se exigir situações e fatos comprovados de plano é que não há instrução probatória no mandado de segurança” (MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de segurança. 15. ed.. São Paulo: Malheiros, p. 26).

301

Em sentido oposto, Wildo Lacerda Dantas alerta para o fato de que “a existência de direito líquido e certo não constitui requisito para que se exerça a ação de mandado de segurança”, representando, a rigor, “o próprio mérito da segurança” (DANTAS, Wildo Lacerda. Jurisdição, ação [defesa] e processo. Recife: Nossa Livraria, 2004. v. 2, p. 332).

302

Manifesta-se o abuso de poder quando o agente público excede os limites legais de sua competência (excesso de poder) ou atua em desacordo com os fins a que se destina seu ato (desvio de finalidade). Em idêntico sentido do texto: DI PIETRO, op. cit., p. 625.

direito líquido e certo, uma vez que, caso se imponha a necessidade de instrução, não será o mandamus a via adequada.

Mas essa é uma objeção de ordem prática, verificável caso a caso, e não técnico- jurídica. E por essa razão, esse argumento não deve ser utilizado para obstruir, de forma generalizada e absoluta, o mandado de segurança contra a duração excessiva do inquérito policial.

A propósito, segundo a jurisprudência do STF, a liquidez e a certeza exigidas não dizem respeito à matéria de direito. Para o Pretório Excelso, o mandado de segurança,

enquanto ação de natureza constitucional303, comporta discussões das mais complexas, do

ponto de vista jurídico, como interpretação de leis, interpretação de normas e princípios,

revogação, recepção, vigência, eficácia, conflitos de normas, ponderação de princípios etc.304

Como se vê, mesmo os mais intrincados conflitos jurídicos podem ser apreciados

pelo Poder Judiciário em sede de mandado de segurança305, o que vale, naturalmente, para o

problema envolvendo a duração razoável do procedimento criminal. Para tanto, basta a demonstração liminar do direito líquido e certo do impetrante, requisito facilmente comprovável nas hipóteses em que a investigação policial se arrasta por anos a fio, sem justa causa.