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A Conservação das Formas

No documento Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga (páginas 149-154)

Capítulo 4. Arquitectura Popular em Entre-Douro-e-Vouga

4.2. Identidade de Entre-Douro-e-Vouga, Cômputo Geral

4.2.2 A Conservação das Formas

“Durante milhares de anos, desde o aparecimento dos primeiros aglomerados populacionais no Neolítico, a arquitectura vernacular evoluiu parcimoniosamente em função das necessidades das populações. As competências inerentes a esta foram sendo transmitidas pelas comunidades de geração em geração, até ao momento em que a Revolução Industrial e as grandes alterações consequentes quebraram esta linha evolutiva do conhecimento vernacular.”422

Na segunda metade do século XVIII as populações urgem deslocar-se para as cidades em busca de postos de trabalho na grande indústria, o que inicia aos poucos e poucos o abandona dos povoamentos rurais. A industrialização não só cria uma ruptura entre cidade e campo, como

421 Os arquétipos tratam-se da Casa Minhota, Casa Serrana; Casa de Madeira, Casa Alpendrada, Casa

Saloia, Casa Ribatejana, Casa de Monte, Casa de Povoado, Casa de Pescadores e Casa Rural. Ver subsecção 3.2.1 – “Síntese Descritiva dos Tipos de Habitação Popular”.

422 http://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/15423/1/arquitectura%20vernacular.pdf;

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desenvolve novos materiais construtivos como o aço, o cimento e o vidro.423 Também os

municípios de Entre-Douro-e-Vouga conhecerem este novo modo de vida, veja-se Oliveira de Azeméis com destaque na época para a produção do vidro.424

Este progresso chega a todo o lado, sobrepondo-se aos recursos presenteados pela natureza, como a pedra e a madeira. Deste modo, a construção torna-se mais comodamente exequível, independentemente do meio em que se introduza. Os obstáculos impostos pelo meio natural são bem mais fáceis de solucionar com as novas ofertas engenhadas pela produção em série. A construção evolui de modo mais homogéneo e as particularidades envolvidas na arquitectura popular, dissipam-se gradativamente em detrimento das novas soluções. Com o surgimento do regime do Estado Novo na década de 30 do último século, houve um desejo de valorizar aquele, que até à época, era considerado património nacional. Com a adopção de um conjunto de medidas específicas que salvaguardavam a sua permanência, criou-se uma campanha de inventariação, classificação e intervenção nas edificações que carregavam a herança histórica e cultural do país, conferindo-lhe a sua própria imagem arquitectónica. A obra Arquitectura Popular em Portugal, elaborada pelo Sindicato Nacional dos Arquitectos entre 1955 e 1960 é fruto dessa campanha, comportando um vasto levantamento dos exemplares de arquitectura popular ao longo do país.425 Na altura a

degradação dos edifícios já era notável. Outro exemplo de valorização do património rural popular é observado num concurso ocorrido nos anos 40, onde se elegeria ‘A aldeia mais portuguesa de Portugal’.Ganha-o a aldeia de Monsanto.426

Com o êxodo rural e a emigração assistida a partir dos anos 60, devido à crise nacional, as aldeias são cada vez mais deixadas no esquecimento.427 É nas décadas de 70 e 80 que se inicia

o fenómeno da chegada das casas dos emigrantes. Até as aldeias serranas, mais isoladas e menos propensas a alterações deste cariz, começaram a sentir aos poucos a introdução destes novos elementos.428 A aldeia de Albergaria-da-Serra em Arouca é um exemplar da convivência

da casa do emigrante com a casa popular. A casa do emigrante intervém fazendo face à casa popular, entendida como representação de um país pobre. Por isso ela exibe-se com técnicas inovadoras e um desenho diferenciado bem mais arrojado. Quando a casa do emigrante assimila-se como uma ameaça à preservação do estilo popular deve-se ter em atenção que ela não se consegue desligar completamente de práticas ancestrais. Voltando a Albergaria-da-

423 http://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/15423/1/arquitectura%20vernacular.pdf;

p.207 (consultado a 27-07-2014, às 10:16h)

424 Ver subsecção 2.3.1 – “Concelhos Integrantes – Síntese” - ponto 2.3.1.4 – “Oliveira de Azeméis” 425https://www.google.pt/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=1&ved=0CCAQFjAA&url=http%3A%

2F%2Frepositorio-aberto.up.pt%2Fbitstream%2F10216%2F64313%2F1%2F113225_T-6-4-9-

1_TM_01_C.pdf&ei=LpvrU_a3Fcag0QWArYCgDQ&usg=AFQjCNHwJ-QN8EU2sZhvrcEtk4YsXFFm1g ; p.19 (consultado a 26-072014; às 18:02h)

426 Idem; p.18 (consultado a 26-07-2014; às 18:02h) 427 Ver subsecção 2.3.2 – “Demografia”

428 https://sapientia.ualg.pt/bitstream/10400.1/.../mrc_aeaulp2012_atas.pdf ;p. 4 (consultado a 26-07-

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Serra, é curioso observar que muitas dessas casas novas adoptam as tradicionais coberturas de xisto. Verifica-se portanto uma “permanência de formas que não têm outra justificação que não seja a existência de tradições e de memórias ancestrais a exigir a sua continuidade.”429

Entre-Douro-e-Vouga é o espelho da transformação da arquitectura, consolidando tradição com modernidade e numa terra onde o progresso aflora continuamente, é frequentemente observarem-se alguns atentados à preservação do panorama tradicional. Na aldeia da Lomba, em Vale de Cambra, chama à atenção, pelos piores motivos, uma casa de emigrante encimada por painéis solares nada encobertos. Esta habitação, como se de um postal de boas- vindas se tratasse, pontua a entrada na zona nobre, diga-se, da aldeia, onde se encontra a capela rodeada de espigueiros e palheiros. Destoando completamente do conjunto, é mácula num local tão pitoresco e genuíno como a aldeia da Lomba.

Nas terras baixas, onde a arquitectura popular vai rareando, assolada pelo rápido progresso vindo das cidades, estes cenários assomam-se de modo incontrolável. Resta agora o respeito pelo pouco que existe, e a insistência numa decente reabilitação, que aos poucos vai espreitando aqui e acolá. Em plena serra, as aldeias de xisto na sua encosta poente são as mais conservadas e a sua grande maioria permanece intacta. Albergaria-da-Serra é provavelmente uma das que mais conhece o custo da evolução. A aldeia de xisto de Drave (figura 133), situada em Covêlo de Paivô, Arouca, é um exemplo de sucesso na preservação e recuperação dos valores do património. Sendo uma terra desabitada, encontra-se actualmente sob a protecção dos escuteiros servindo como a Base Nacional IV do CNE (Corpo Nacional de Escutas).430

E enquanto algumas servem fins institucionais, pela riqueza e peculiaridade do seu legado, existem ainda as que lentamente se vão fundindo em conceitos turísticos, discretamente

429 TEIXEIRA, Manuel C.; Arquitecturas do Granito, Arquitectura Popular; Município de Arcos de

Valdevez; 2013; p.118

430 http://drave.cne-escutismo.pt/pt/main.php?action=drave#historia (consultado a 28-07-2014; às

15:12h)

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afastadas dos olhares e das atenções dos curiosos. A aldeia do Trebilhadouro é outra boa surpresa para quem procura a permanência da tradição assente em causas contemporâneas. De momento espera-se a finalização deste espaço que servirá o turismo rural no concelho de Vale de Cambra, freguesia de Rôge.431 Cada casa está a ser cuidadosamente reabilitada, de

acordo com uma linguagem conjunta que conjuga a pedra natural dos edifícios com ripados de madeira encarnada. A traça natural é preservada, melhorando-se apenas alguns aspectos. (figuras 134, 135, 136, 137, 138 e 139)

431 http://www.atra.pt/noticia/tracos-de-outrora-aldeia-trebilhadouro-serra-da-freita-alojamento-ferias

(consultado a 26-07-2014, às 19:23h)

Fig.134 – Fachada revestida a ripado de madeira Fig.135 – As portas adoptadas com janela de portadas

Fig.136 – Preservação da traça natural dos edifícios Fig.137 – Interior com vista para a janela

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No universo das aldeias serranas ainda existe esta preocupação de garantir a preservação do património rural e é bom que assim continua, para que nunca se percam as raízes ancestrais. Afinal de contas, a história é o esqueleto de um povo, aquilo que o move em direcção ao futuro. É bom que todas as articulações que arquitectam sejam mantidas com salubridade. Para isso é necessário readaptar de forma eficiente os ensinamentos e as materialidades tradicionais, o que traz benefícios à construção, tendo em conta que os materiais tradicionais oferecem níveis de conforto superiores aos industrializados. Além disso, em muitas situações a reabilitação de um edifício pode ficar mais em conta que a construção de origem.

"Mais do que mimetizar formas de outras épocas e outras vivências, importa saber se é possível preservar algumas delas com novas funcionalidades, mas mantendo a coerência de conjuntos que são verdadeiras lições da arte de construir, com economia de meios e estreita relação com o sítio." 432

432 ROSETA, Helena; Prefácio da 4° edição; Arquitectura Popular em Portugal, 4 " edição; Ordem dos

Arquitectos; Lisboa; 2004; p.VI

Fig.138 – Pormenor das divisórias em tabuado vertical de madeira, imitando tabique

Fig.139 – Pormenor de entrada complementada com candeeiro

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Capítulo 5.

No documento Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga (páginas 149-154)

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