• Nenhum resultado encontrado

Ocupação Humana do Território

No documento Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga (páginas 74-79)

Capítulo 2. Introdução de Entre-Douro-e-Vouga

2.3 A Actualidade de Entre-Douro-e-Vouga

2.3.5 Ocupação Humana do Território

No seguimento do capítulo anterior, atribui-se à agricultura, nomeadamente ao tipo de utilização de solo que ela implica, uma clara acção no modelamento da ocupação do território pelo homem. Não omitindo, no entanto, que a agricultura requere influências orográficas, hidrográficas e climáticas para se afirmar dentro de determinado perfil. Conhecer esta relação de posse que o homem toma do território, e a afinidade que cria com as condições que este lhe proporciona, envolve muito mais do que simplesmente questões naturais. Tudo o que vem sendo abordado, desde a história civilizacional até às questões demográficas, compactua com o modo de ser e estar das povoações dos tempos vetustos até ao presente. Por razões desta ordem assiste-se a um território adaptado pelos povos às suas necessidades, e como nem todos dispõem dos mesmos requisitos, sucede que o panorama de ocupação territorial desenvolve diferentes conjecturas ao longo do país.

A população reparte-se de modo desigual. Não existe uma regra geral que reúna todos os casos de apropriação do território num só modelo. A maior dissonância de concentração dos pólos demográficos é, sem deixar de ser óbvio, entre o litoral e o interior do país, e é

219 MEDEIROS, Carlos Alberto; Geografia de Portugal. Ambiente Natural e Ocupação Humana. Uma

Introdução; Editorial Estampa; Lisboa; 1996; p.181

47

precisamente no litoral que se regista a maior densidade de práticas agrícolas, e especialmente a norte do Tejo, num país onde 1/5 da população activa vive da agricultura.220

Segundo a anterior subsecção, alusivo à agricultura, foi possível confirmar a prática de dois tipos de agricultura: a cultura intensiva dos campos-prados, oposta à cultura extensiva dos campos abertos.221 Observa-se que estas diferentes formas de economia agrária são também

responsáveis por diferentes tipos de ocupação das populações do território. A agricultura intensiva, registada sobretudo no noroeste do país, só consegue ser realizada nos campos- prados que oferecem condições para a sua prática. Estas propriedades rústicas, parceladas cuidadosamente no pendor dos solos do noroeste, alastram-se por entre um casario disseminado, pois cada família possui uma porção de terreno própria e o seu trabalho acaba por se individualizar e dar origem a um arredamento da vizinhança.222 O mesmo se pode

corroborar pelo esquema apresentado (figura 34), onde Entre-Douro-e-Vouga apresenta uma dispersão em pequenos núcleos a oeste. No Minho a disseminação é mais abrangente. Pode-se assim reforçar que Entre-Douro-e-Vouga estrutura-se na intermediação da disseminação quase completa e da dispersão orientada, atingida sobretudo nas cidades costeiras a sul do rio Douro. Contrapondo com a faixa da dispersão, existe ainda a mancha da aglomeração em povoados de montanha a oeste, já abarcando o Maciço da Gralheira, onde “as populações aglomeram-se em aldeias de grandes dimensões, procurando colectivamente vencer as dificuldades impostas pela natureza.”223

220 CAVACO, Carminda; Portugal Rural. Da Tradição ao Moderno; Direcção Geral de Planeamento e

Agricultura; Lisboa; 1992; pp.18-19

221 CAVACO, Carminda; Op. cit.; p.19

222 RIBEIRO, Orlando; Portugal. O Mediterrâneo e o Atlântico; Edições João Sá da Costa; Lisboa; 1993;

p.140

223 MOUTINHO, Mário; A Arquitectura Popular Portuguesa; Editorial Estampa; Lisboa; 1995; p.26

48

As parcelas de campo-prado combinadas com bouças, pequenos matos, e contíguas a uma casa (certamente do proprietário), são, no norte, designadas por casal. Nos casais, há maior ligação entre a casa e o campo. Cada família tem a sua porção de terreno e a ela dedicam grande parte do seu tempo laboral, sobretudo no Verão. Por ser uma agricultura intensiva, minuciosa, em pequenos retalhos de terreno, todo o espaço é aproveitado para o cultivo.224

Ainda assim, isto verifica-se nas zonas mais baixas de planalto, pois quando se sobe à montanha do noroeste, o povoamento condensa-se mais, de modo a facilitar a ajuda comunitária,225 tal como descreve Orlando Ribeiro:

“Acima de 400 metros a fisionomia da paisagem modifica-se. Os habitantes concentram-se em povoações pequenas de 20, 30, 50, 100 almas, não muito distantes umas das outras, mas com exclusão o casal avulso ou do lugar de casas dispersas. A aglomeração é a forma de povoamento da Montanha, a dispersão a da Ribeira.”226

A par das condições geográficas que perfazem o modo de assentamento do povoado, existe também a herança histórica. Remontando à ocupação proto-histórica, os aglomerados populacionais compactavam-se em castros e era notória uma dinâmica de entreajuda nos povos. Todos trabalhavam como um colectivo, em comunidade. Com a conquista romana, a população viu-se obrigada a descer do topo dos montes para as terras baixas, e assim acabou por se dispersar. A propriedade colectiva dos castros foi substituída pela propriedade individual das villas rusticas.227 Orlando Ribeiro explica o que são:

“Uma villa era um prédio de extensão média, com terras bravias e cultivadas, a habitação do senhor, dos trabalhadores, estábulos e celeiros; mas, desde cedo, apareceu a tendência para fraccioná-la dentro dos terminos antiquos que, esses, chegarão até às freguesias rurais da alta Idade Média.”228

Aqui, as villas assemelham-se, na sua constituição, ao casal do norte. Existe um legado deixado pelos romanos no tipo de povoamento disperso, definido exactamente pelas qualidades climáticas e geológicas do território. Nos dias de hoje o legado ainda prevalece. Sintetizando o conteúdo exposto, dividimos então a organização social dos povoamentos em duas formas: o disperso e o aglomerado, intrínsecos ao tipo de agricultura praticada e ao

224 RIBEIRO, Orlando; Portugal. O Mediterrâneo e o Atlântico; Edições João Sá da Costa; Lisboa; 1993;

p.140

225 CAVACO, Carminda; Portugal Rural. Da Tradição ao Moderno; Direcção Geral de Planeamento e

Agricultura; Lisboa; 1992; p.20

226 RIBEIRO, Orlando; Aldeia: Significação e Tipos. Opúsculos Geográficos. IV Volume: O Mundo Rural;

Fundação Calouste Gulbenkian; Lisboa; 1991; p.252

227 RIBEIRO, Orlando; Portugal. O Mediterrâneo e o Atlântico; Edições João Sá da Costa; Lisboa; 1993;

p.130

49

local de implantação. Nas montanhas, de clima mais rude e de solos pouco fecundos, com mais zonas incultas, a população adensa a conjunção das suas habitações e cria um estilo de vida comunitário. Fora da montanha, maior fertilidade do solo corresponde a uma cultura intensiva que autonomiza as famílias e as dissemina.229

Entre-Douro-e-Vouga, com traços de agricultura marcadamente minhota, explora a cultura de campo-prado. Segundo as observações do autor de A Arquitectura Popular em Portugal230, Entre-Douro-e-Vouga cobre-se maioritariamente de uma mancha que corresponde à dispersão em pequenos núcleos. Para o seu interior, junto ao Maciço da Gralheira, começam a pintar-se os lugares aglomerados (tipo montanha), enquanto a norte do Douro, já fora da sub-região em análise, a disseminação é mais evidente, embora ordenada.

Em suma, pelo que se conhece e pelo que a informação dispõe, trata-se de uma sub-região composta por povoamentos dispersos em grande parte do seu território, embora este seja bastante diverso na sua composição geográfica, dando também lugar aos povoamentos aglomerados residentes numa faixa mais interior, demarcada pelo Maciço da Gralheira, abrangendo Arouca (figura 35) e parte de Vale de Cambra. Contudo, este último concelho também apresenta um semblante oposto, a elucidar a dispersão populacional, cujo escritor Ferreira de Castro traça do seguinte modo:

“A terra é verde e o céu azul; é tudo verde e azul com raras pintas brancas do casario, que mais do que moradias de homens, parecem janelas da própria paisagem.”231

Contudo, estes géneros ocupacionais não devem ser extremados em demasiada, pois há lugar também para um género intermédio, que a Beira Litoral e o Minho tão bem conhecem. Este é um povoamento mais organizado, junto às vias de comunicação, com destaque em locais mais urbanizados, onde as acessibilidades têm primazia e a vida rural é mais domesticada.232 Pela

lógica, os concelhos mais desenvolvidos, como Santa Maria da Feira, São João da Madeira e Oliveira de Azeméis (figura 36), estão maioritariamente revestidos desta intermediação ocupacional, visto que não abandonaram traços de ruralidade que pontuaram o seu passado, mas ao mesmo tempo, não se encontram no seu estado mais puro, tendo em conta que já sofreram diversas mutações causadas pela industrialização e consequente modernização.233

229 TEIXEIRA, Manuel C.; Arquitecturas do Granito, Arquitectura Popular; Município de Arcos de

Valdevez; 2013; p.40

230 AA.VV.;Arquitectura Popular em Portugal; volume 1; Edição Sindicato Nacional dos

Arquitectos/Ordem dos Arquitectos Portugueses; 1961; p.23

231 MASSADA, Jorge; Ao Encontro de Aveiro; Edição do Governo Civil de Aveiro; Aveiro; 2002; p.127 232 MOUTINHO, Mário; A Arquitectura Popular Portuguesa; Editorial Estampa; 1995; p.26

233 ASSOCIAÇÃO INDUSTRIAL PORTUGUESA; Carta Regional de Competitividade: Entre Douro e Vouga;

50

O que diz Ernesto Veiga de Oliveira acerca dos assentamentos no território abrangente á zona de estudo, esclarece e confirma o que vem sendo explicado, deixando antever a disseminação intermédia e ordenada ao longo dos caminhos:

“(…) nesta área, e mormente no Minho, não há verdadeiras aldeias, aglomerados em bloco; há casas espalhadas no meio das terras de cultura, ligeiros adensamentos em certos lugares esparsos, ou junto das estradas e caminhos, por vezes um pequeno núcleo que nunca chega a ser compacto; com frequência, só a torre branca da igreja (…) marca a sede da freguesia, (…)”234

234 OLIVEIRA, Ernesto Veiga de, e Fernando Galhano; Arquitectura Tradicional Portuguesa; Publicações

Dom Quixote; Lisboa; 2000; p.26 Fig.35 – Povoamento aglomerado,

51

No documento Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga (páginas 74-79)

Documentos relacionados