• Nenhum resultado encontrado

Capítulo 2. Introdução de Entre-Douro-e-Vouga

2.1 Enquadramento Geográfico

2.2.2 Romanização

“Falar de dominação romana é distinto, como se compreende, de focar a romanização. A primeira é convencional e data-se com alguma precisão, atendendo aos sucessos militares e aos factos politico-administrativos documentados historicamente. A romanização, pelo contrário, é um processo de interacção cultural com diferentes ritmos e graus de progressão, atingindo mais umas comunidades que outras (…)”112

A romanização portanto, crê-se ser um processo mais tardio e moroso, que só pode suceder após um domínio romano. Começa a ocorrer uma adopção de todo um conjunto de padrões romanos e em pouco tempo, a comunidade dominada deixa-se diluir, sem grande resistência, no seu dominante, neste caso o império Romano.

Os romanos iniciam o processo de reconquista da Península Ibérica a partir de 218 a.C. Durante o século II a.C. travaram várias lutas com os lusitanos, começando no sul e ao longo da faixa litoral, chegando até ao norte. Os romanos foram-se instalando em algumas cidades dessa faixa, nomeadamente Lisboa, Santarém, Tomar, Coimbra e Porto, e daí tentavam cercar os povos existentes, obrigando-os a recuar. Talabriga, o castro de Cabeço do Vouga, acima referido, crê-se ter sido cercado no decurso desta campanha. Os Talabrigenses submeteram-se e acabaram por ser romanizados. Mais tarde, vem a suceder o mesmo com o castro de Romariz.113

Os romanos efectuaram grandes mudanças no país, passando por vários sistemas. Mas um dos que mais importa referir, é uma reorganização das redes comerciais e consequente criação de centros urbanos. Para uma maior eficiência comercial e económica, eles trouxeram até nós uma rede viária eficaz e de qualidade.114 O rio Douro passou a ser uma linha fluvial cujas

111 SILVA, António Manuel S.P.; Aspectos Territoriais na Ocupação Castreja na Região do Entre Douro e

Vouga; Centro de Estudos do Património; Universidade do Minho; 1999; pp.11-12

112 SILVA, António Manuel S.P.; Op. cit.; p.221

113 SILVA, António Manuel S.P.; Memórias da Terra. Património Arqueológico do Concelho de Arouca;

Câmara Municipal de Arouca; Arouca; 2004; pp.221-222

114 SILVA, João Belmiro Pinto da, e Catarina Sofia Gomes; Feira. Terras de Santa Maria; Anégia Editores;

24

margens enalteciam-se com um porto fluvial (Portus), na área de Cale.115 De acordo com o

Inquérito à Arquitectura Popular em Portugal:

“Portus Cale seria o porto costeiro, remate para as comunicações marítimas. Daí partiam ou para aí convergiam as principais artérias.”116

A principal via romana ligava Braga a Lisboa.117 Em Santa Maria da Feira, junto ao castro de Fiães, existia o cruzamento desta via com outra que ligava Viseu ao litoral.118 É possível

encontrar características que determinam uma via romana, mesmo secundária:

“(…)a preferência pelos traçados rectilíneos, uma largura relativamente uniforme entre os três e os quatro metros e mesmo a existência de bons troços capeados a granito (…).”119

Havia ainda outras particularidades típicas destas vias, como a presença de marcos miliários a identificar as distâncias, toponímia relativa aos imperadores que a mandaram construir, a existência de alojamentos ao longo do percurso para os viajantes, as suas pendentes pouco acentuadas.120 Os locais mais afastados destas vias e também de cursos fluviais navegáveis,

eram por norma, ocupados mais tardiamente.

A romanização reflectiu-se não só no ordenamento e estruturamento viário, mas também na construção. Muitos dos castros proto-históricos, mantiveram-se habitados após a conquista romana, contudo são notáveis algumas inovações trazidas pelos novos ocupantes. Os castros, consoante descrito acima, eram definidos pela sua irregularidade formal e contornos curvilíneos. Com a presença dos romanos eles começam a revelar uma aposta na ortogonalidade, e os recurvos são precedidos da rectilinearidade.121

As plantas circulares progridem para as plantas quadrangulares, que, devido aos seus cantos perpendiculares e alinhamentos de paredes, exigem maior habilidade construtiva. Com este novo protótipo de planta, naturalmente as coberturas redondas e cónicas inviabilizaram-se e

115 SILVA, João Belmiro Pinto da, e Catarina Sofia Gomes; Feira. Terras de Santa Maria; Anégia Editores;

2000; p.19

116 AA.VV.;Arquitectura Popular em Portugal; volume 1; Edição Sindicato Nacional dos

Arquitectos/Ordem dos Arquitectos Portugueses; Lisboa; 1961; p.9

117 SILVA, Dr. João Belmiro Pinto da, e Dra. Catarina Sofia Gomes; Feira. Terras de Santa Maria; Anégia

Editores; 2000; p.19

118 SILVA, António Manuel S.P.; Memórias da Terra. Património Arqueológico do Concelho de Arouca;

Câmara Municipal de Arouca; Arouca; 2004; p.233

119 SILVA, António Manuel S.P.; Op. cit.; p.233 120 Idem; p.274

121 TEIXEIRA, Manuel C.; Arquitecturas do Granito, Arquitectura Popular; Município de Arcos de

25

tiveram que dar lugar a coberturas quadrangulares de duas águas. A armação requeria assim um sistema de tesouras, e com o passar do tempo introduz-se a telha nestas coberturas.122

O castro de Romariz é um dos castros de Entre-Douro-e-Vouga que sofreu as influências da romanização. Nas malhas dos seus quarteirões de traçado irregular, encontra-se a coabitação de compartimentos circulares e quadrangulares, onde um pátio central lajeado limita o local comum aos compartimentos circunjacentes. (figuras 14 e 15)

Cada dependência detinha uma função particular, como dormitório, cozinha, armazém, ou resguardo do gado. Entre as várias unidades destacava-se uma casa de maiores dimensões, a chamada domus. Esta casa também foi reformulada, crê-se que no reinado de Augusto. (figura 16) De acordo com o Catálogo Geral do Roteiro do Museu Convento dos Lóios:

“(…) esta reformulação revela particularidades arquitectónicas próprias da técnica e gosto romanos, ao nível das técnicas construtivas, com a utilização de blocos esquadriados, sobretudo nos cunhais, e esquinas bem marcadas já pelo interior, o revestimento das paredes, interna e externamente, com reboco pintado e, exceptuando os dois edifícios circulares, a adopção de coberturas com

tegula e imbrex nos restantes aposentos; os limites da casa, totalmente fechada

por um muro e pelas paredes de alguns dos compartimentos, eram definidos por arruamentos, a N, E e S, e pela muralha, a poente, separada da domus por um estreito caminho de circulação.”123

122 TEIXEIRA, Manuel C.; Arquitecturas do Granito, Arquitectura Popular; Município de Arcos de

Valdevez; 2013; pp.36-37

123 CENTENO, Rui M. S., e Ana José Oliveira; Roteiro do Museu Convento dos Lóios. Catálogo Geral;

Câmara Municipal de Santa Maria da Feira; 2008; p.45

26

Além destes factos, existem outros elementos arqueológicos romanos que foram sendo descobertos pelos investigadores, mas um dos que mais destaque ganhou foi uma mesa de granito (figura 17), encontrada no pátio da domus, alinhada com uma das portas de entrada, encostada à parede. Denominavam-na de cartibulum, e caracteriza-se por um tampo rectangular em granito assente sobre um pé ou colunelo arredondado. A sua função era simplesmente doméstica.124

Alguns castros mantiveram-se activos, todavia grande parte deles foram abandonados por volta do século III. Quando a península passou a estar inteiramente sob o domínio romano, os habitantes castrejos, que sempre preferiram a segurança e a supremacia dos pontos altos, foram compelidos a descer e assim tiveram que povoar vales e planícies. Os povoamentos outrora aglutinados, tornavam-se assim mais dispersos, pois as propriedades passam a ser individuais ao invés de comunitárias.125 Em consequência, implantaram-se em Portugal as vilas. Baseavam-se num núcleo de terras pertencentes a um proprietário, e que eram cultivadas por escravos e colonos semilivres. Esses colonos ficavam com uma parte da produção e a restante deveriam entregar ao proprietário.126

A romanização considera-se, portanto, como uma evolução positiva da cultura e da vida social e doméstica dos povos autóctones. Além de vários progressos já mencionados, em termos económicos, políticos e construtivos, também os próprios costumes e padrões de vida tornaram-se mais refinados e os hábitos mais civilizados. As técnicas e formas construtivas mediterrânicas, trazidas das villas italianas, foram percorrendo a Europa e dilataram-se por

124 CENTENO, Rui M. S., e Ana José Oliveira; Roteiro do Museu Convento dos Lóios. Catálogo Geral;

Câmara Municipal de Santa Maria da Feira; 2008; p.45

125 TEIXEIRA, Manuel C.; Arquitecturas do Granito, Arquitectura Popular; Município de Arcos de

Valdevez; 2013; pp.36-37

126 SARAIVA, José Hermano; História de Portugal. A Formação do Território – Da Lusitânia ao

Alargamento do País; volume 1; Quidnovi; Matosinhos; 2004; p.23

27

todo o nosso país, chegando também ao norte. Por sua vez, as casas tornaram-se mais complexas, mas também mais adequadas às necessidades da vida doméstica e agrícola, até porque a agricultura ganhou maior relevo com as novas técnicas de lavoura introduzidas pelos romanos.127

No documento Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga (páginas 51-55)

Documentos relacionados