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Conservadorismo e o custo do crédito bancário

As pesquisas que discutem o impacto da qualidade da informação contábil no custo de capital das empresas geralmente examinam diversos atributos da informação contábil, a exemplo do trabalho de Bharath et al (2008), citado na seção anterior. O conservadorismo é um dos mais relevantes atributos da informação contábil para os credores, uma vez que ele aumenta a eficiência dos contratos de crédito (WATTS; ZIMMERMAN, 1986; WATTS, 2003a, 2003b; WITTENBERG-MOERMAN, 2008; BALL et al, 2008).

As práticas contábeis conservadoras levam a empresa a reconhecer tempestivamente as perdas econômicas não realizadas em suas demonstrações contábeis e a postergar o reconhecimento dos ganhos não realizados. Esse comportamento permite aos bancos identificar, de maneira mais rápida, eventuais elevações no risco da empresa durante a vigência da operação de crédito e, também, tomar medidas para proteger seus capitais. A materialização da elevação do risco do devedor pode ocorrer por meio da violação de um covenant, caso essa cláusula restritiva seja utilizada no contrato de crédito.

Diante dos benefícios proporcionados pelo conservadorismo, incentivos econômicos podem ser criados pelos credores para motivar a adoção de práticas conservadoras pelas empresas tomadoras de crédito. Os principais incentivos que podem ser concedidos pelo credor nos contratos de crédito são a redução nas taxas de juros cobradas e nas garantias exigidas. A redução nas taxas de juros, possivelmente, é o incentivo econômico mais usual, já que a exigência de garantias normalmente está associada às próprias características da operação de crédito. Por exemplo, nas operações de financiamento de bens como máquinas, equipamentos e veículos, constitui uma prática bancária tradicional a vinculação do próprio bem financiado como garantia, independentemente das características do devedor.

Os benefícios contratuais proporcionados pelo conservadorismo aos credores e aos devedores foram examinados por Jieying Zhang (2008). Segundo o autor, o conservadorismo reduz os componentes do custo das dívidas associados ao risco moral e à seleção adversa, o que gera

um incentivo para que a empresa reporte números contábeis conservadores visando à obtenção de menores taxas de juros.

Os resultados da pesquisa mostraram que as empresas mais conservadoras têm maior probabilidade de violar os covenants dos contratos de dívida. O conservadorismo beneficia os credores ex post, pois leva à sinalização tempestiva do aumento no risco do devedor, materializada pela aceleração na violação dos covenants. As evidências indicaram que conservadorismo também beneficia os devedores ex ante, pois as empresas mais conservadoras pagam menores taxas de juros.

No estudo de Ahmed et al (2002) sobre o papel do conservadorismo na mitigação dos conflitos de agência entre credores e proprietários, os autores também examinaram o efeito no custo do crédito da empresa. O conservadorismo leva a menores valores de lucros e de ativos, e reduz a probabilidade de distribuição excessiva de dividendos, o que faz com que os credores exijam menores taxas de juros para adquirir os títulos de dívida da empresa. Cabe ressaltar que os autores não mediram diretamente o custo do crédito, mas utilizaram os ratings atribuídos pela Standard & Poor´s (S&P) aos títulos corporativos, pressupondo uma relação entre tais ratings e as taxas de juros.

Sunder et al (2009) examinaram a forma como o conservadorismo condicional e o conservadorismo incondicional afetam os termos dos contratos de dívida associados às taxas de juros e aos covenants. Os autores investigaram a subavaliação dos ativos líquidos, decorrente de aplicações anteriores dos conservadorismos condicional e incondicional, chamados de conservadorismo realizado. As empresas com elevado conservadorismo realizado têm pouca liberdade para reconhecer oportunamente novas perdas econômicas, uma vez que os seus ativos já se encontram registrados por valores baixos.

Em relação às taxas de juros dos contratos de crédito, os resultados indicaram uma redução para maiores níveis de conservadorismo realizado e de conservadorismo condicional, tomados isoladamente. Interagindo as duas variáveis, observou-se que o conservadorismo condicional só é recompensado com menores taxas de juros se a empresa não estiver limitada por elevados níveis de conservadorismo realizado. Nesse caso, a empresa não teria como manter as práticas conservadoras no futuro. Os autores concluíram que o papel do conservadorismo condicional e do conservadorismo realizado é diferenciado nos contratos de dívidas. O conservadorismo

condicional aumenta a eficiência dos contratos de crédito apenas quando o nível de conservadorismo realizado não é alto.

A maior parte das pesquisas que discute o papel do conservadorismo nos termos dos contratos de dívida examina amostras de companhias abertas. O estudo de Fredriksson (2008) é um dos raros trabalhos que examinou a presença do conservadorismo em companhias fechadas. O autor também investigou se a prática do conservadorismo afeta as taxas de juros do crédito bancário. Os resultados revelaram uma assimetria no reconhecimento de ganhos e de perdas econômicas, por meio de acumulações contábeis, nos lucros reportados pelas companhias fechadas, consistente com a hipótese de conservadorismo. Além disso, observou-se que as taxas de juros dos empréstimos bancários das empresas mais conservadoras são menores.

Bauwhede (2007) também investigou se o conservadorismo condicional e o conservadorismo incondicional afetam o custo do crédito de forma diferenciada. O autor fundamentou-se nos trabalhos de Ball e Shivakumar (2005) e Ball et al (2008), que argumentaram que o conservadorismo condicional pode aumentar a eficiência dos contratos de dívida e que o conservadorismo incondicional é, no máximo, neutro nessa relação. O autor examinou o efeito do conservadorismo condicional e do conservadorismo incondicional nos ratings de crédito, usados como medida ex ante para o custo do crédito.

Os resultados indicaram que os ratings das empresas com maior grau de conservadorismo condicional são melhores, o que implica que o custo das suas dívidas é menor. De maneira oposta, os ratings das empresas com maior grau de conservadorismo incondicional são piores, o que torna o custo das suas dívidas maior. Esses resultados confirmaram a hipótese de que as agências de rating, e consequentemente os credores, recompensam o conservadorismo condicional, mas não o conservadorismo incondicional. Esse resultado é consistente com as previsões teóricas de que apenas o conservadorismo condicional aumenta a eficiência dos contratos de crédito.

Jingjing Zhang (2008) também investigou como os credores estruturam os contratos de dívida em resposta ao conservadorismo condicional e ao conservadorismo incondicional. Os termos contratuais analisados foram as taxas de juros, o número de covenants financeiros e a presença de garantias. Os resultados revelaram que o conservadorismo condicional é recompensado pelos credores com menores taxas de juros, mas apenas quando a empresa

também apresenta nível médio ou elevado de conservadorismo incondicional. Esse resultado não confirmou os argumentos teóricos de que o conservadorismo condicional somente é recompensado quando o nível de conservadorismo incondicional passado é baixo. Segundo o autor, os credores reduzem as taxas de juros quando o reconhecimento oportuno de perdas leva a valores mais confiáveis de ativos líquidos no balanço patrimonial.

Os resultados também mostraram que os credores cobram maiores taxas de juros das empresas com elevado conservadorismo incondicional decorrente da aplicação de métodos contábeis e não do reconhecimento oportuno de perdas. Por fim, observou-se que os credores utilizam mais garantias e menos covenants financeiros para as empresas com elevados níveis passados de conservadorismo, independentemente da sua fonte. O autor conjecturou que esse resultado deve-se ao fato de os credores confiarem mais no uso de garantias quando a contabilidade registra valores mais conservadores para os ativos líquidos.

O efeito dos conflitos de interesse entre gestores, proprietários e credores, nos custos de crédito das empresas, foi discutido por Vascari (2006). O estudo testou o impacto do conservadorismo condicional nos custos dos empréstimos sindicalizados da empresa, dadas as estruturas de compensação para o alinhamento de interesses entre gestores e proprietários. O autor considerou que as estruturas de compensação baseadas em ações encorajam os gestores a assumirem riscos elevados.

Os resultados revelaram que elevados incentivos em ações, para o alinhamento de interesses entre gestores e proprietários, aumentam o prêmio de risco dos empréstimos e o número de

covenants exigidos pelos bancos. Além disso, o conservadorismo condicional reduz os custos

dos empréstimos quando os gestores recebem incentivos em ações iguais ou inferiores à média. Quando esses incentivos estão acima da média, o conservadorismo condicional leva os bancos a demandar maiores taxas de juros nos empréstimos e covenants financeiros mais restritivos. O autor entendeu que a estrutura de compensação é percebida pelo banco como um compromisso da empresa em reportar informações contábeis conservadoras e evitar a expropriação de riqueza dos credores.

Li (2009) investigou os benefícios contratuais do conservadorismo condicional nos mercados internacionais de dívidas e de ações, utilizando dados de 31 países no período de 1991 a 2006. Os resultados mostraram que as empresas domiciliadas em países com sistemas de reportes

contábeis mais conservadores têm menor custo de crédito e menor custo do capital próprio. O impacto do conservadorismo é mais relevante no custo do crédito do que no custo do capital próprio. Um aumento de um desvio padrão na medida de conservadorismo leva à redução de 0,86% no custo das dívidas e de 0,74% no custo de capital próprio. Esse resultado evidenciou os benefícios contratuais proporcionados pelo conservadorismo ao mercado de dívidas e ao mercado de ações.

Entre os países analisados na pesquisa, o Brasil é o que tem o maior custo do crédito (10,8%) e o maior custo do capital próprio (22,9%), medidos em termos reais. Além disso, o Brasil está entre os países menos conservadores da amostra. Das três métricas de conservadorismo utilizadas, o Brasil é o 30º país mais conservador em duas medidas e o 28º em uma delas, superando apenas as Filipinas (nas três medidas), a Índia e a África do Sul.