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Oportunidade assimétrica dos lucros

2.6 Mensuração do conservadorismo

2.6.2 Oportunidade assimétrica dos lucros

Conforme discutido na seção 2.1, o conservadorismo condicional revela-se pela assimetria no reconhecimento de ganhos e de perdas econômicos nos resultados contábeis, devido ao maior grau de verificabilidade exigido pelos elaboradores das demonstrações contábeis para o registro das primeiras em relação às últimas.

Baseado nesse conceito, Basu (1997) investigou a extensão na qual as boas e as más notícias são incorporadas aos resultados contábeis das empresas. Na abordagem utilizada pelo autor,

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as boas e as más notícias são representadas por retornos positivos e retornos negativos nas ações das empresas, respectivamente.

Os preços das ações no mercado derivam da expectativa dos investidores em relação ao desempenho futuro da empresa, considerando-se o conjunto de informações disponíveis em determinado momento. As alterações nos preços indicam o surgimento de novas informações que afetam o desempenho futuro da empresa. Retornos positivos revelam uma expectativa de melhor desempenho (boas notícias) e retornos negativos evidenciam uma expectativa de pior desempenho (más notícias).

O modelo proposto por Basu (1997) mede a relação entre o lucro contábil e as variações positivas (boas notícias) e negativas (más notícias) nos preços das ações. Na hipótese de conservadorismo, o lucro terá relação mais forte com os retornos negativos do que com os retornos positivos, uma vez que a contabilidade anteciparia o registro das perdas econômicas já incorporadas aos preços das ações. Portanto, o lucro reflete mais rapidamente as perdas econômicas (más notícias) do que os ganhos econômicos (boas notícias).

O modelo é dado pela regressão reversa entre lucros e retornos:

,⁄,   , !,  !, , ", (4)

em que i corresponde à empresa e t ao período; , é o lucro por ação; , é o preço da ação; , é o retorno da ação; , é uma variável dummy que assume valor 1, se , # 0, e valor 0, caso contrário; e ", é o termo de erro. O lucro é deflacionado pelo preço da ação no início do período para controle da heterocedasticidade.

O coeficiente ! mede a resposta dos lucros aos retornos quando esses são positivos, enquanto ! ! mede a resposta dos lucros aos retornos quando esses são negativos. O coeficiente

! mede a resposta incremental dos lucros aos retornos negativos relativamente aos retornos

positivos. O tamanho relativo dos coeficientes dos retornos negativos sobre os coeficientes dos retornos positivos é dado por ! ! !⁄ . 

Sob a hipótese de conservadorismo, os lucros serão mais fortemente relacionados com os retornos negativos do que com os retornos positivos, o que implica ! ! % !, isto é, ! % 0. Dessa forma, o coeficiente ! é uma medida do reconhecimento oportuno e

assimétrico das perdas em relação aos ganhos nos lucros contábeis. Um coeficiente ! positivo e significante revela a presença de conservadorismo condicional.

O reconhecimento oportuno e assimétrico de perdas e de ganhos nos lucros contábeis também pode ser mensurado por meio do coeficiente de determinação (R2) da regressão do modelo de Basu (1997), para amostras separadas de empresas com retornos positivos e negativos. Na presença de conservadorismo, o coeficiente de determinação da regressão para a amostra de empresas com retornos negativos será maior do que o da amostra de empresas com retornos positivos.

A medida de oportunidade assimétrica dos lucros, proposta por Basu (1997), se tornou uma referência na literatura contábil, impulsionando as pesquisas empíricas que investigam a prática do conservadorismo. Ryan (2006, p. 512) considera que a oportunidade assimétrica dos lucros é a implicação mais direta do conservadorismo condicional e, por isso, deve manter a sua primazia nas pesquisas que investigam esse fenômeno.

Roychowdhury e Watts (2006) fizeram uma análise comparativa entre a oportunidade assimétrica dos lucros e o índice market-to-book como medidas de conservadorismo. Os resultados evidenciaram que as duas medidas são positivamente correlacionadas apenas quando o período de estimação é igual ou superior a dois anos. Os autores também concluíram que o coeficiente de Basu (1997) é uma medida mais eficaz de conservadorismo quando estimado de forma acumulada em mais de um período.

A medida proposta por Basu (1997) apresenta diversas restrições quanto à sua capacidade de capturar o conservadorismo. O modelo assume que os retornos das ações refletem novas notícias disponíveis no mercado que afetarão o desempenho futuro da empresa e que os ganhos e as perdas decorrentes dessas notícias podem ser reconhecidos nos resultados contábeis do próprio período. No entanto, as variações nos preços das ações podem estar associadas a flutuações normais do mercado financeiro e podem não implicar diretamente ganhos ou perdas passíveis de serem reconhecidos nos resultados contábeis da empresa. Por

exemplo, uma queda no preço das ações pode ser o reflexo de um movimento de realização de lucros por parte dos investidores.

O modelo de Basu (1997) assume implicitamente que todos os eventos econômicos são passíveis de serem reportados no período em que eles ocorrem (GIVOLY et al, 2007, p. 77). Todavia, esses autores apresentam exemplos de diversos eventos que não afetam ou que afetam apenas marginalmente os lucros correntes da empresa, como a celebração de um novo contrato de longo prazo, as alterações nas taxas de juros que não impactam as dívidas existentes e as novas regulações que influenciam apenas as operações futuras. Tais eventos impactam os retornos, mas não os lucros correntes, gerando viés para a medida.

Ryan (2006, p. 515-516) sumariza uma série de limitações da oportunidade assimétrica como medida do conservadorismo condicional, com destaque para:

a) Os retornos podem refletir diferentemente boas e más notícias, dependendo da política de disclosure da empresa, e, também, podem refletir o próprio conteúdo informacional dos lucros;

b) As más notícias podem não ser reconhecidas imediatamente nos lucros, devido aos limites dos princípios contábeis para a baixa por impairment;

c) Pode ser difícil observar empiricamente a oportunidade assimétrica quando múltiplos choques são agregados aos retornos e aos lucros;

d) Certos fenômenos como as opções de abandono e o diferimento de ganhos e a antecipação de perdas para fins tributários, também levam à oportunidade assimétrica; e) Comportamentos discricionários como o incremento nos prejuízos dos anos ruins para

aumentar os lucros dos anos subsequentes (big bath accounting), e a criação de reservas em anos bons para a proteção contra possíveis perdas nos anos ruins (cookie jar

reserving), também geram oportunidade assimétrica.