• Nenhum resultado encontrado

A pesquisa que possibilitou a construção desta tese teve por objetivo mais amplo investigar o papel das organizações sociais no desenvolvimento de experiências educativas ancoradas na ideia de formação humana. Mais especificamente, a pretensão consistiu em compreender como jovens participantes de projetos educativos, desenvolvidos por organizações sociais com esta perspectiva de atuação, apreendem a participação e o impacto que essas experiências tiveram em suas vidas, e de que modo os afetou.

Corroborando da mesma visão que Flickinger (2009), defendemos que os ideais que regulam a formação humana na atualidade passam pelo entendimento de que o campo não formal de educação é um dos poucos espaços em que o processo de formação está centrado no sujeito, e não em demandas a ele alheias. E, partindo desta compreensão, defendemos a tese que os espaços não formais de educação criariam oportunidades para os sujeitos experienciarem modos de vida e de agir por eles mesmos escolhidos, e em correlação com suas próprias necessidades. Uma vez que, o que mais importa, num processo formativo, não é a transmissão de conhecimentos, mas a possibilidade de tornar esse conhecimento capaz de uma transformação no sujeito.

Privilegiamos em nossa pesquisa a educação não formal e as ações educativas que acontecem na esfera das relações de sociabilidade primária, com ênfase para os processos formativos que ocorrem no cotidiano dos sujeitos, e reverberam em suas relações familiares, educativas, de amizade, de vizinhança e de pertencimento.

Partindo desta visão, a pergunta que norteou a pesquisa foi entender: Em que medida os espaços educativos não formais, se configuram como lugares de favorecimento de experiências de formação humana, e por outro lado, a partir de histórias de vida, apreender se e como os sujeitos participantes dessas experiências foram afetados?

Na intenção de responder a esta questão, resgatamos a trajetória da organização social Núcleo Educacional Irmãos Menores de Francisco de Assis (NEIMFA), uma instituição sediada na comunidade do Coque, na região metropolitana do Recife. A ideia consistiu em revelar uma proposta de educação não formal fundamentada numa compreensão de formação humana.

Apresentamos também a história de vida de um jovem que participou da primeira turma do Curso de Formação de Educadores Holísticos (CFEH), uma atividade desenvolvida pelo NEIMFA e direcionada aos adolescentes e jovens. Nossa intenção foi, por meio de sua narrativa, apresentar a visão de formação humana presente nesta organização, especialmente no modo de pensar e mover seus projetos educativos e sociais.

Para isso, o percurso que trilhamos ao longo desta pesquisa, focou num primeiro momento, uma discussão teórica acerca do vínculo social, pensada a partir da dádiva e fundamentada na compreensão sociológica do Movimento Antiutilitarista nas Ciências Sociais (M.A.U.S.S.), que está inserida numa crítica anti-utilitarista, colocando em evidência a irredutibilidade do social às esferas do mercado e do Estado. Por serem as ideias de Marcel Mauss o que fundamenta o M.A.U.S.S. trouxemos as contribuições do seu pensamento para as Ciências Humanas e Sociais. Problematizamos ainda, a importância da dádiva na mediação das relações inter-humanas. E finalmente, fizemos uma discussão a respeito do associacionismo, das múltiplas formas de atuação das associações na contemporaneidade, e as mudanças no caráter do associativismo Brasil.

Após esta primeira etapa, passamos a discutir como a educação não formal veio se constituindo ao longo das últimas décadas no Brasil. E a atuação de organizações sociais na mediação de experiências educativas alicerçadas numa compreensão de formação humana.

Metodologicamente, fizemos uso da história oral, seguindo os estudos desenvolvidos pelo Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC) e pelo Núcleo de Estudos em História Oral da USP (NEHO), bem como os estudos de outros autores que pesquisam a partir método de investigação.

Dentre os resultados alcançados, em nossas análises, destacamos aqui alguns pontos que tiveram grande relevância. Um primeiro ponto refere-se ao jeito peculiar da organização social Núcleo Educacional Irmãos Menores de Francisco de Assis (NEIMFA) de mover seus projetos educativos e sociais na comunidade do Coque. Pois, esta instituição abarca um trabalho completamente diferenciado, da atuação de muitas organizações sociais que realizam projetos com crianças, adolescentes e jovens das periferias, na medida em que coloca a formação humana e integral como o eixo principal na elaboração de suas propostas formativas.

Seu diferencial está, exatamente, em tomar a vida mesmo como um campo de reflexão e intervenção social e pedagógica, para lidar com as demandas desses sujeitos,

tematizando em suas práticas educativas a importância do vínculo afetivo. Uma dimensão que se constitui vital nas experiências formativas desenvolvidas nos espaços não formais de educação, e entrelaçadas pelas redes cotidianas dos sujeitos.

Vale ressaltar aqui que, essa concepção foi reteirada por diversas vezes na narrativa do nosso entrevistado, ao falar de sua relação com o NEIMFA e, em especial, com seus formadores, tanto nos cursos dos quais participou quanto em situação de sua vida pessoal.

Outra questão muito relevante diz respeito ao trabalho que o NEIMFA tem desenvolvido a partir de suas ações em rede, na medida em que busca realizar as atividades (debates, rodas de conversas, seminários, palestras e ciclos formativos) tanto na própria comunidade do Coque quanto na Universidade. E é exatamente essa interação com outros espaços que possibilita a ressignificação dos sentidos de viver a vida em uma comunidade periférica, proporcionando aos adolescentes e jovens e os demais sujeitos que fazem parte do NEIMFA, outros olhares possíveis sobre seu próprio pertencimento a esta comunidade.

Outro ponto importante refere-se ao desafio que assume de amar e cuidar de todos os que fazem parte do NEIMFA, de modo que suas propostas formativas encontrem raízes profundas em todas as suas ações e relacionamentos. Bem como, de entender o sentido de sua presença na comunidade do Coque.

Assim, alinhando-nos com o entendimento de Flickinger (2009) acerca dos espaços não formais de educação, no qual afirma que é exatamente a proximidade desses espaços com os processos de singularização existencial dos sujeitos, sua implicação com seus modos de viver e de agir que permitem abrir novos campos de formação. Mais ainda. As experiências formativas, realizadas nesses espaços, tem por base a confiança recíproca entre os atores. E, é desse modo que o NEIMFA, por meio das atividades que realiza, têm se tornado um dispositivo pedagógico potente voltado à valorização do outro, da formação humana, da valorização da vida dos sujeitos envolvidos direta e indiretamente com as suas ações.