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2 CAPÍTULO I DOM, VÍNCULOS SOCIAIS E ASSOCIATIVISMO NA

2.4 O ASSOCIACIONISMO E SUAS ESPECIFICIDADES PEDAGÓGICAS

O associacionismo aparece com mais força nas últimas décadas do milênio passado, quando fica evidente que apenas o mercado e o Estado não conseguem proporcionar emprego, dignidade e condições de autoestima para todas as pessoas.

Emerge então a necessidade de criar, ao lado e em interação com eles (mercado e Estado), um terceiro pilar, ao mesmo tempo ético, político e econômico, na qual a liderança seria constituída por associações. No entanto, sendo aconselhável não idealizá-las e também reconhecer todas as contradições às quais o compromisso associativo é confrontado. Desta forma, as associações são chamadas para, “desempenhar um papel importante, ao lado do mercado e do Estado, por causa da flexibilidade e efetividade específica do uso do princípio da doação e do voluntariado”. (CAILLÉ & LAVILLE, 1998, p. 07).

No entendimento de Allain Caillé, as associações no sentido moderno do termo aparecem ligadas a duas características especificas, a saber: a dimensão de livre vontade de um lado e a ausência de fins lucrativos, de outro. Dentro desta lógica, é possível considerar como associações todos os modos de livre união de variados recursos que submetem as regras ou o lucro material a “fins de solidariedade – amizade, camaradagem, boa vizinhança, aimance em uma palavra – de par com o prazer, espontaneidade e inventividade”. (CAILLÉ, 2004, p. 19).

Ainda, para este autor, na compreensão dos anglo-saxões nem as cooperativas, sindicatos ou caixas de previdências estariam excluídos do campo da associação, uma vez que as associações devem ser regidas sob o amparo da ausência de fins lucrativos. Por outro lado, os europeus “continentais” põem em primeiro plano o critério de solidariedade, levando-os a defender uma compreensão mais ampla de terceiro setor. Isto é importante, visto que a ausência de fins lucrativos não deve ser avaliada como um fim em si mesmo, da mesma maneira que o espírito de amizade e de democracia que deve reger o funcionamento das associações. Estas considerações são relevantes, porque permitem especificar,

[...] o lugar próprio das associações hoje. Independentemente de considerações empíricas sobre o crescimento de seu número, a questão se coloca – e com especial ênfase se questionarmos sua possível contribuição para uma futura sociedade civil internacional – de saber o que fazem de fato, o que não fazem, se os Estados e as empresas podem ou não ser enquadrados sob essa denominação. (CAILLÉ, 2004, p. 19).

Para a teoria econômica das associações – apresentada por Jean-Louis Laville – nada permite afirmar que as associações não tenham vocação para se metamorfosear, em caso de necessidade, em oficinas de serviços administrativos ou mesmo em novas

empresas. Uma vez que, sem recursos públicos suficientes para empregar funcionários sem solvibilidade dos usuários todo um conjunto de associações se desenvolve hoje nos interstícios da administração e do mercado. Elas são o resultado da inconsistência dos contratos e do mercado, de um lado, e da ausência crescente do Estado do outro. (CAILLÉ, 2004, p. 20).

Sua existência é de fato mais que legitima – se faz o que o que é preciso fazer, mas que não é feito pelos funcionários nem pelos empresários. Logo, existem associações porque o mercado e/ou o Estado não sabem tudo, não conhecem as novas necessidades, porque existem assimetrias de informação, viscosidade, entre outras coisas. No entanto, essa concepção desconsidera a existência de associações almejadas por elas mesmas, nas quais, para retomar a característica essencial do dom,

[...] o “vínculo social” importa mais que o bem ou serviço fornecido. Melhor ainda: associações nas quais o “bem” ou serviço é justamente o vínculo em si mesmo. Ela ignora, mas geralmente, todos os projetos são suscetíveis de formação no entusiasmo dos começos e na confiança e amizades divididas. (CAILLÉ, 2004, p. 20).

Alain Caillé faz uma distinção das associações modernas, em que as denomina de associações de pleno direito e associações de fato pleno. Para ele, as associações de pleno direito acordam o privilégio ao vínculo sobre o bem e ao entusiasmo sobre as rotinas. São também chamadas de associações para si, e tem como objetivo primeiro satisfazer um público diferente dos membros da associação, benevolentes ou profissionais. Nessas associações predominam o exercício efetivo da exigência de igualdade democrática, de espontaneidade e de aimance concreta.

Já as associações de fato pleno, assumem a forma jurídica da Lei de 190114, contudo aparecem como substitutas de empresas ou de administrações ausentes. Elas podem ainda constituir substitutas permanentes – no sentido em que pode haver o provisório que dura –, já que Estados e mercados podem se revelar permanentemente incompletos e ausentes. Elas são, neste sentido, plenamente indispensáveis e legítimas. Teriam o registro associativo de maneira secundária e ambígua. (CAILLÉ, 2004, p. 20).

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A Lei de 1901, em seu primeiro parágrafo, define a associação como a convenção segundo a qual duas ou mais pessoas compartilham seus conhecimentos ou atividades de forma permanente para outros fins além de compartilhar os benefícios. Ela vai ter o seu regimento, quanto à sua validade, no princípio do direito aplicável aos contratos e obrigações.

Por conseguinte, se colocarmos em xeque as características dessas associações mais de fato do que de direito, poderemos presumir de maneira muito provável que são antes de tudo associações que podem ser qualificadas como associações para os outros. E, essa lógica do para os outros rompe com o princípio da mutualidade e da reciprocidade, e cria uma brecha na qual prosperam as tendências à burocratização.

Esta separação possibilita a instauração quase que espontânea de uma distância entre aqueles que oferecem os serviços e os usuários, que pode ser superada “graças a um sentimento mais ou menos abstrato de solidariedade cívica ou humana em geral, mas que torna difícil o exercício efetivo da exigência de paridade democrática, de espontaneidade e de aimance concreta” que os maussianos colocam na definição que defendem de associação. (CAILLÉ, 2004, p. 21).

A explanação do próximo tópico foi construída a partir dos argumentos defendidos por Allain Caillé, em seu artigo intitulado A sociedade mundial no horizonte15, no qual problematiza os tipos de associação que considera relevante, e como se dá o funcionamento de cada uma delas.