• Nenhum resultado encontrado

UMA MIRADA ACERCA DAS RECENTES REFLEXÕES SOBRE EDUCAÇÃO

3. CAPÍTULO II EDUCAÇÃO NÃO FORMAL E EXPERIÊNCIAS

3.1 UMA MIRADA ACERCA DAS RECENTES REFLEXÕES SOBRE EDUCAÇÃO

comparação com que há na escola (intencionalidade, planejamento, estruturação). Entretanto, ela tem uma especificidade própria, compreendendo inclusive seis grandes áreas de intervenção: a aprendizagem política dos direitos; a capacitação para o trabalho; a aprendizagem de prática para o exercício da organização coletiva; a aprendizagem dos conteúdos da escolarização formal em formas e espaços diferenciados; a educação pela mídia; e a educação para a vida através de práticas voltadas para o autoconhecimento (GOHN, 2008a, p. 100-101).

Essa posição corrobora a tese defendida por Flickinger (2009), e que aqui estamos seguindo de perto, em que se afirma queos espaços não formais defendem e materializam uma concepção ampliada de educação. Nessa esteira, as metas formativas situam-se para além do mero domínio de códigos instrumentais e/ou competências voltadas para a qualificação profissional com o objetivo de atender as exigências do mercado, o que contribui para reativar, em outras bases, o sentido da cidadania.

Ora, é justamente a proximidade dos espaços não formais de educação com os processos de singularização existencial dos sujeitos, sua implicação com seus modos de viver e de agir que permitem abrir novos campos de formação. As experiências de educação, realizadas nos espaços não formais, tem por base a confiança recíproca entre os atores, fato que não deveria ser subestimado pelos sistemas formais de educação. (FLICKINGER, 2009, p. 25-6).

Falar da existência de educação no interior de processos que se desenvolvem fora dos canais institucionais escolares significa assumir uma concepção formativa multidimensional complexa que não fica restrita tão somente a aprendizagem de conteúdos. Como diz Gohn (2010, p. 56),

[...] estamos lidando com uma concepção ampliada de educação relativa a todos os processos que envolvem a aprendizagem de novas

informações referentes a novos hábitos, valores, atitudes e comportamentos. Este conjunto, depois de sistematizado, codificado e assimilado pelos grupos sociais constitui elementos fundamentos para a geração de novas mentalidades e novas práticas sociais, fundamentais para a formação dos indivíduos como cidadãos.

Mais ainda: a educação não formal busca redefinir os eixos articuladores da identidade e da solidariedade, fornecendo uma nova centralidade ao conceito de formação. Com isso, a educação não formal pressupõe mudanças significativas na forma de vivenciar a sociabilidade pela criação de novas formas de ação, cuja característica principal, como já foi pontuada, é a criação de um lugar de individuação e de socialização ancorado nas relações de cuidado e confiança recíproca. Cuidado e confiança emergem nesse contexto como palavras e experiências partilhadas que visam a reconstruir progressivamente um sentido comum para as ações educativas, ressignificando os processos de aprendizagem.

O tempo da aprendizagem não é fixado a priori e são respeitadas as diferenças existentes para a absorção e reelaboração dos conteúdos, implícitos ou explícitos, nos processos de ensino-aprendizagem [...] a forma de operacionalizar estes conteúdos também tem diferentes dimensões. (GONH, 2008a, p. 101).

Além disso, as práticas educativas não formais contribuem para o fortalecimento da democracia no âmbito local, pelo fato de potencializar o sentimento de pertencimento, através do resgate da memória coletiva dos grupos e da autoestima dos sujeitos produzindo novas formas de solidariedade. Tudo isso em contextos onde as formas comunitárias de convivência não mais operam, e onde os sistemas do mercado e do Estado, por si sós, não conseguem gerar igualdade e justiça social para todos. (GOHN, 2008a).

Com a globalização, o Brasil passa por mudanças sociais, econômicas, políticas, culturais e estruturais em que o avanço da tecnologia e a denominada “era da informação” disseminam-se em todas as esferas sociais, sobretudo na esfera educacional. Isso porque, como se sabe, o campo educacional esta inescapavelmente sofrendo os reflexos dos modelos políticos e econômicos predominantes no país. A educação passa desse modo, a ser eixo central no discurso das reformas de estado e, ao mesmo tempo, a ela é atribuído um papel estratégico no novo modelo de desenvolvimento articulado pelas políticas da globalização. (GOHN, 2008a; 2010).

Essa centralização da educação se intensificou com a prática do sistema econômico neoliberal, o que implicou na valorização dos processos educativos grupais. Essa valorização ocorreu principalmente após acordos internacionais, com elaboração de documentos que expandiram a educação para além da escola, com o objetivo de universalizar o acesso à educação. (GOHN, 2009). Nesse contexto, o conceito de Educação se amplia, ultrapassando os limites das instituições escolares formais, passando a educação não formal a ganhar importância e visibilidade, se estruturando enquanto um novo campo.

Ela aborda processos educativos que ocorrem fora das escolas, em processos organizativos da sociedade civil, ao redor de ações coletivas do chamado terceiro setor da sociedade, abrangendo movimentos sociais, organizações não governamentais e outras entidades sem fins lucrativos que atuam na área social; ou processos educacionais, frutos da articulação das escolas com a comunidade educativa, via conselhos, colegiados, etc. (GOHN, 2008a, p. 07).

Desse modo, são múltiplos os espaços onde se desenvolvem as atividades da educação não formal como associações, igrejas, sindicatos, partidos políticos, nos espaços culturais e nas próprias escolas, em espaços interativos, etc. Nesses espaços, as práticas sociais de aprendizagem na educação não formal, não acontecem pela assimilação de conteúdos previamente sistematizados que devem ser alcançados, mas ocorre uma aprendizagem motivada por meio da vivência de certas situações-problema. Existe um caráter coletivo, que passa por um processo de ação grupal, vivida como práxis real de um grupo, ao mesmo tempo em que cada indivíduo constrói sua experiência das aprendizagens. (GOHN, 2008a).

A educação se apresenta como forma de aprendizagem aos participantes dos movimentos e associações; como efeito pedagógico multiplicador das ações coletivas junto à sociedade civil e à sociedade política; e como demandas específicas na área educacional, dentro e fora da instituição escolar. [...] Os movimentos sociais, das diferentes camadas sociais, com suas demandas, organizações, práticas e estruturas, possuem um caráter educativo, assimilável aos seus participantes e à sociedade mais ampla. Os resultados deste processo traduzem-se em modos e formas de construção da cidadania político- social brasileira. (GOHN, 2009, p. 114).

Nos países menos desenvolvidos, a globalização aumentou a desigualdade econômica e social. No Brasil, a globalização aumentou a exclusão social,

principalmente em cidades mais periféricas. A inclusão social nesses bairros, muitas vezes, ocorre mediante participação de organizações da sociedade civil que estão presentes nas reivindicações e nos movimentos sociais. Dentro desse contexto, vale salientar as definições de educação formal, informal e não formal, discutidas pela autora,

[...] A educação formal é aquela desenvolvida nas escolas, ministrada por entidades públicas ou privadas, com conteúdo previamente demarcado. [...] A educação informal é a que os indivíduos aprendem durante seu processo de socialização – na família, no bairro, no convívio com amigos, clube, teatros, leituras de jornais, livros, revistas, carregada de valores e culturas próprias, de pertencimento e sentimentos herdados. [...] Os espaços onde se desenvolvem ou se exercitam as atividades da educação não formal são múltiplos, a saber: no bairro-associação, nas organizações que estruturam e coordenam os movimentos sociais, nas igrejas, nos sindicatos e nos partidos políticos, nas Organizações Não Governamentais, nos espaços culturais, e nas próprias escolas, nos espaços interativos dessas com a comunidade educativa. (GOHN, 2008a, p. 100-01).

Ela também ressalva que a educação não formal, não deve ser vista, em hipótese alguma, como algum tipo de proposta contra ou alternativa à educação formal, escolar. Podendo ser complementar, mas que atue em parceria com a escola, sendo ela um espaço concreto de formação com a aprendizagem de sabres para a vida em coletivos. (GOHN, 2010, p.76).

Das várias propostas de educação, a autora diferencia a educação não formal das demais propostas educativas como, educação social, educação sócio comunitária, educação permanente, pedagogia social, educação popular, etc. O objetivo da maioria dessas se volta para os excluídos com o intuito de inseri-los no mercado de trabalho. Em contrapartida, a educação não formal é apontada como aquela que prioriza e se volta para a formação da cidadania, sem distinção de classe social, situação econômica, cultural ou religiosa, sendo para todos, homens e mulheres, para o ser humano como um todo. Sem a intenção de substituir ou competir com a educação formal, escolar. (GOHN, 2010). Nessa perspectiva:

As categorias de análise também, se alteraram no quadro das teorias dos movimentos sociais. Justiça social, igualdade cidadania, emancipação, identidade, direitos etc., passam a serem tratadas ou substituídas por outras categorias, como capital social, inclusão social, reconhecimento social, empoderamento da comunidade, autoestima, sustentabilidade, vínculos e laços sociais, etc. (GOHN, 2010, p. 29).

Na atualidade, algumas associações, movimentos, organizações sociais caminham na direção dos vínculos e laços sociais. Entretanto, experiências formativas no âmbito da educação não formal em nosso país já vêm ocorrendo, sob a égide de diversas concepções, desde a segunda metade do século XX.