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HISTÓRIA ORAL E NARRATIVA: REFLEXÕES SOBRE UM CAMPO DE

4. CAPÍTULO III NARRANDO O PROCESSO METODOLÓGICO DA

4.2 HISTÓRIA ORAL E NARRATIVA: REFLEXÕES SOBRE UM CAMPO DE

É visível o aumento considerável de pesquisas em Educação, que fazem uso da história oral22 como referência metodológica de suas investigações, tomando-a como um recurso pedagógico potente no âmbito da formação dos sujeitos. Seu uso tem se intensificado à medida que se percebe as potencialidades das narrativas, orais e escritas, nestas pesquisas. Isto porque, com o auxilio de entrevistas, trazem à cena as histórias de vida dos mais variados sujeitos e/ou grupos sociais possibilitando-lhes o re-contar de suas vidas como um processo formativo.

Uma história de vida ou mesmo a narrativa de uma experiência pessoal e/ou coletiva permite que todo o aspecto formativo dos acontecimentos emerja, justamente porque o sujeito não tem como evitar ser levado a esclarecer a compreensão que tem dessa trajetória, assim como quais os referenciais de interpretação que lhe possibilitaram perceber, compreender e analisar o momento de transformação que relata. (GALVÃO, 2005, p. 330).

A experiência de contar um acontecimento ou mesmo toda uma vida traz uma perspectiva de sabedoria prática, na medida em que nesse processo de recordação o indivíduo preza pelo que mais importa ser transmitido aos outros como ensinamento. Ao evocarem o passado para torná-lo transmissível, guardando o que foi mais expressivo para entender o presente, a partir de uma perspectiva intrínseca e subjetiva essas histórias deixam em aberto o sentido em um processo nunca definitivo. (AMORIM & PÁDUA, 2010).

É fato que, ao relatar uma experiência profunda, também a perdemos no momento em que ela se materializa e torna-se rígida no documento. No entanto o silêncio também enrijese a lembrança que se paralisa e se sedimenta no fundo da garganta. O pesquisador atento à escuta da voz e do pathos do narrador oral, que revive os momentos de extrema importância em sua vida, percebe a diferença em uma que, ao

22 A história oral pode ser empregada em diversas disciplinas das ciências humanas e tem relação estreita com as categorias como biografia, tradição oral, memória, linguagem falada, métodos qualitativos, etc. Dependendo da orientação do trabalho, pode ser definida como método de investigação científica, como

fonte de pesquisa, ou ainda como técnica de produção e tratamento de depoimentos gravados. Não se

pode dizer que ela pertença mais à história do que à antropologia, ou às ciências sociais, nem tão pouco que seja uma disciplina particular no conjunto das ciências humanas. Sua especificidade está no próprio fato de se prestar a diversas abordagens, de se mover num terreno multidisciplinar. (ALBERTI, 2013, p. 24).

mesmo tempo, produz imagens e conota a sentimento do tempo enquanto duração. (BOSI, 2003, p. 48). Não é, por conseguinte,

[...] uma linguagem de coisas (no sentido estrito de função referencial), pois o que se lembra são momentos vividos, respostas pessoais, em suma, a melodia do passado interpretada pelo presente. Não é uma linguagem de coisas porque o autor da narrativa oral coincide existencialmente com o seu sujeito; a duração do relato coincide com o tempo relembrado que assim é intuído por dentro. (BOSI, 2003, p. 48).

Verena Alberti (2013, p. 33) refletindo sobre os cuidados ao se utilizar esta metodologia, nos alerta para o respeito ao outro, a sua visão de mundo, suas opiniões, atitudes e posições. Isto porque é exatamente essa visão de mundo que orienta sua narrativa e que confere significados aos acontecimentos relatados. Ela é individual, peculiar àquele narrador, porém “constitui também elemento indispensável para a compreensão da história de seu grupo social, sua geração, seu país e da humanidade como um todo, se considerarmos que há universais nas diferenças”.

É a partir dessa premissa que assumimos a importância desta metodologia em nossa pesquisa, uma vez que nos possibilitou uma melhor compreensão de análise tanto da instituição que investigamos quanto da história de vida do jovem que entrevistamos. A finalidade foi possibilitar o desvelamento da riqueza inesgotável do testemunho oral em si mesmo,

[...] como fonte não apenas informativa, mas, sobretudo, como instrumento de compreensão mais ampla e globalizante do significado da ação humana; de suas relações com a sociedade organizada, com as redes de sociabilidade, com o poder e o contrapoder existentes; e com os processos macroculturais que constituem o ambiente dentro do qual se movem os atores e os personagens deste grande drama ininterrupto – sempre mal decifrado – que é a história humana. (CAMARGO, 2013, p. 19).

Entendemos que os relatos em que a história de determinadas experiências é reconstruída, a partir da rememoração do sujeito que a vivenciou, revelam múltiplos temas que estabelecem relações com a dimensão temporal que dá significado as fases de sua vida (infância, adolescência, juventude e fase adulta). Permite-nos também ter acesso a um grande número de acontecimentos passíveis de verificação. É legitima como fonte porque não induz a mais erros do que outras fontes documentais e históricas,

na medida em que o teor de uma carta não está sujeita a menos distorções factuais do que uma entrevista gravada. Sua diferença reside no fato de que:

[...] ao passo que no primeiro caso a ideologia se fixa em um período qualquer do passado, na história oral a versão representa a ideologia em movimento e tem a peculiaridade, não necessariamente negativa, de “reconstruir” e totalizar, reinterpretar o fato. Tem ainda a capacidade sui generis de inserir o pesquisador na organização da versão, o que significa introjetar no documento produzido o controle sistemático da produção da própria fonte. (ALBERTI, 2013, p. 21).

Alinhamo-nos com Bosi (2003, p. 69) quando destaca que uma história de vida não é feita para ser arquivada ou guardada numa gaveta como coisa, mas existe para transformar a cidade onde ela floresceu. Pois, narrar é uma forma dos seres humanos experimentarem o mundo, relatarem histórias sobre suas vidas, repensar quem são e reconstruir suas identidades ao contar histórias.

A necessidade de se impulsionar ou concretizar o que existe em estado oral retido na memória, na maioria das vezes acontece por desejo da própria comunidade, que não quer “deixar morrer determinadas experiências e que, para isso, produz situações nas quais, no tempo presente, reinventam o passado não revolvido”. É nessa conjuntura que a história oral se mostra fator relevante, um modo de manter a experiência passada em estado de “presentificação”. (MEIHY, 2015, p. 25-26).

É por considerarmos que a história oral, pode ser muito rica como produtora de novos temas, novos elementos e novas maneiras de dar sentido as experiências vividas pelos sujeitos, que ousaremos usá-la como forma de saber, isto é, como meio de apreender a essência de trajetórias humanas. Vale ressaltar que, a tipificação de trabalhos em história oral como forma de saber implica,

[...] considerar, além da racionalidade e da lógica, a estética como guia. Não se fala, pois, em saber como manifestação de espontaneidades ou do conhecimento pelo conhecimento. Mas não se dispensa o prazer da captação das histórias. (MEIHY, 2015, p. 73).

A história oral como forma de saber é um recurso circunspecto a utilização do conhecimento da experiência alheia, que se organiza com clara vocação para o cerne de trajetórias humanas. Bem menos apreensiva com os “enquadramentos técnicos, metodológicos ou científicos em geral”, a obtenção de entrevistas como modo de “registrar, contar ou narrar, entender ou considerar casos se aproxima mais das

estratégias ficcionais” do que exatamente da forma metódica de se registrar reivindicado “pelos demais procedimentos acadêmicos”. (MEIHY, 2015, p. 73).

Pensando que saber é um ato racional, premeditado, e que também demanda procedimentos explícitos, ele pode ser definido como forma de expressão em que se fundem o desejo de registrar e a dimensão pública de histórias que merecem divulgação. Juntos, esses aspectos dimensionam uma experiência transmitida como objetivo final. “Sabedoria” como forma de conhecimento diz respeito à valorização da experiência humana, de maneira a elevar o sentido moral da vivência individual ou coletiva. Como maneira superior de reconhecimento de vivências humanas, saber tem mesmo mais sentido do que o simples registro, e as histórias ganham sentido social exatamente por isso. (MEIHY, 2015, p. 74).

Uma das razões que torna a história oral como conhecimento uma vertente tão popular consiste no encantamento desempenhado pelas histórias em geral. Pois, todos nós gostamos de histórias e quando elas manifestam as “evidências da vida tornam-se apaixonantes”. Por ser um método que requer cuidados estéticos, existem algumas áreas de conhecimento que defendem e zelam pelo conceito de “boa história” como exigência para a existência e justificativa do registro. Sendo assim, “uma „boa história‟ se justificaria por si só, pela singularidade, diferença do coletivo”. (MEIHY, 2015, p. 75).

Em nosso entendimento, a história do jovem entrevistado por nós, se enquadra nessa exigência, na medida em que é singular no modo como experienciou um projeto educativo e ao mesmo tempo formativo.