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Considerações e representações sobre a organização do trabalho

CAPÍTULO 3 – Instrumentos, processos e ações: da fonte documental à

3.3 Hora de Trabalho Pedagógico Coletivo: contexto de estudo, compartilhar

3.3.3 Considerações e representações sobre a organização do trabalho

O primeiro semestre de desenvolvimento da pesquisa (2008) foi encerrado com uma sensação de muito trabalho e poucos retornos. Tinha a impressão de que tentara abordar muitas questões e que, de fato, poucas mudanças se efetivaram. Os sentimentos e emoções produzidos na conjuntura do trabalho direcionaram-me a trabalhar diferentes aspectos e temas. A demanda era imensa e, talvez, pela ansiedade de tentar auxiliar a escola e os professores, precipitei-me a trabalhar com uma quantidade considerável de textos selecionados por mim, a partir de temas que eu considerava importantes. Isso nos remete à questão do autoritarismo relacionado à função ocupada na estrutura organizacional da escola. Como Orientadora Pedagógica, optei por decidir o que e de que forma trabalhar em HTPC, de acordo com as minhas concepções construídas e apropriadas nas diferentes experiências já apresentadas.

Outra situação que, inicialmente, muito me incomodou foi a questão das ausências nas reuniões de HTPC. Justificadas mediante atestados médicos, as ausências, geralmente, eram apresentadas pelo mesmo grupo de docentes.

Este quadro suscitou-me alguns questionamentos: as faltas eram legitimas? Representavam, de fato, uma necessidade de afastamento médico? Ou, em contrapartida, apontavam uma “resistência” ao movimento inserido na escola? E, ainda, estes professores que se excluíam deste momento coletivo, indicavam uma oposição à pessoa da orientadora ou às condições que esta possibilitava na escola? Afinal, o que essas ausências nos revelavam?

Tais dúvidas acarretaram um sentimento de descontentamento, pois, como organizadora deste processo, assumia a culpabilidade. Considerava que, de certa forma, o trabalho que propunha nas reuniões não agradava estes sujeitos. Contudo,

levando em consideração os estudos de BAKHTIN (1997), buscava, do lugar de pesquisadora, distanciar-me do acontecimento para elencar possibilidades de relações.

O excedente de minha visão, com relação ao outro, instaura uma esfera particular da minha atividade, isto é, um conjunto de atos internos ou externos que só eu posso pré-formar a respeito desse outro e que o completam justamente onde ele não pode completar-se (BAKHTIN, 1997, p.45).

E foi essa posição exotópica que permitiu a tentativa de encontro com os outros, procurando compreender o contexto e a trama de tais situações: o que estava implícito? O que não estava revelado pela obviedade? À que estavam relacionadas as ausências?

Foi nessa busca de identificar-me com o outro, de ver o mundo através de seu olhar, colocar-me em seu lugar (BAKHTIN, 1997) que esbocei algumas considerações sobre as ausências. Elas me deram indícios de algumas instâncias: receio, autopreservação, resistência e recusa em participar.

Compartilho com LIMA (2005) a ideia de que a recusa em participar dos espaços coletivos demonstra concepções sobre o grupo a que pertence e garante a “não-invasão”. Dessa forma, a autora aponta três vertentes relacionadas a essa recusa: a falta de convencimento quanto à identificação política com o grupo; a não-garantia da invisibilidade pelo medo de não estarem sendo o que se espera que sejam; e, a produção de singularidades.

Na verdade, essa recusa nos possibilita refletir sobre o receio em se tornar visível aos demais, ou seja, de se expor e, de certa forma, comprometer-se com o projeto que estava sendo construído pelo grupo. Ao mesmo tempo, a recusa revela certa resistência.

E, para analisar essa questão, utilizo-me da pesquisa de VARANI (2005), pois considero interessante a reflexão instaurada sobre essa temática. Em sua tese “Da constituição do trabalho docente coletivo: re-existência docente na descontinuidade das políticas educacionais”, Varani cita que este termo foi repensado pelo Grupo de Pesquisa do qual faz parte (GEPEC), tentando compreendê-lo como uma “re- existência”, isto é, existir novamente, marcar sua existência frente às situações desencadeadas. E essa atitude, também, é uma produção de sentido, um modo de participação.

Nesse sentido, LIMA (2005) dialoga com VARANI (2005) quando cita que

a resistência pode ser compreendida como reação a um acontecimento da vida que agride o indivíduo e nega sua condição de sujeito. Ela tem, portanto, um caráter de autopreservação da constituição pelo trabalho, pela produção social do conhecimento, das crenças e dos valores. É um mecanismo próprio, que se aciona de negação pela negação do sujeito. Resistências como uma (re)existência (p.121).

Assim, é possível pensar nesta re-existência como forma de participar e dialogar com o desenvolvimento da pesquisa neste âmbito escolar. Um dos diferentes (e possíveis) modos de participação!

As ausências em HTP (justificadas por inúmeros atestados médicos) mostram, também, as ausências nas decisões coletivas, no processo de constituição da identidade do grupo. Ausentando-me, não compareço! Afasto-me do compromisso do fazer coletivo, do arriscar-me em campos não conhecidos.

Mesmo diante de todas essas questões apontadas (os inúmeros estudos apresentados e o número de ausências em HTPC), os trabalhos realizados ofereceram condições para mobilização do grupo e foram fundamentais para a transformação ocorrida posteriormente. No início, não percebia mudanças significativas, uma vez que, conforme já citado, essas envolvem (re)construção de concepções, o que demanda muito trabalho e longo período. Analisando o primeiro semestre de 2008, verificamos que muitos temas foram trabalhados de forma superficial e havia, assim, necessidade de maior aprofundamento.

O tempo garantido por lei para as reuniões já não é adequado (pensando no objetivo do estudo) e, também, alguns encontros foram tomados pela exigência de se abordar os Programas e Projetos da Secretaria de Educação. Utilizar as reuniões de HTPC para trabalhar tais projetos e programas me dava a sensação de renúncia às reais necessidades do grupo, no que tange a questões pedagógicas.

Estar na escola (e fazer parte de um sistema) exige lidar com os imprevistos, com determinações que não emanam do espaço escolar. Enfim, é ter que ceder espaço para situações extras que fazem parte da sistemática de proposta educacional do município.

E, ceder este espaço, é de certa forma, conceder o tempo destinado à sua proposta de educação, à sua função e sua estrutura de trabalho.

Devido a essas instâncias apresentadas, passamos um tempo sem estudar, refletir, rever... (Diário de Campo, abril de 2008)

Cabe destacar que, uma das atribuições do Orientador Pedagógico desta Rede Municipal de Ensino, é, dentre outras, “implementar programas e projetos da Secretaria

de Educação” (In: Súmula de atribuições do Orientador Pedagógico, Lei nº 4599, de 6 de setembro de 1.994, regulamentada pelo Decreto nº 16.383/2008 – Quadro e Plano de Carreira do Magistério Público Municipal de Sorocaba).

Além de todas essas dificuldades, as ações de alguns professores demonstravam certo descontentamento com a nova organização dos encontros de HTPCs: “É pra ler?!”; “Tem que ler tudo isso?”. Contudo, percebia que era um sentimento relacionado à necessidade do estudo e não a minha pessoa, pois mantinham uma relação cordial em todos os momentos. Inicialmente, quando os textos foram inseridos na dinâmica das reuniões, percebi certo incômodo apresentado por reações no corpo de alguns sujeitos envolvidos: expressões de descontentamento, cansaço, rejeição – cenho, bocas contorcidas, cochichos, bilhetinhos.

Era interessante observar, também, as falas de alguns professores frente à entrega dos textos de estudo: “este texto é nosso?”; “precisa devolver no final?”; “você

vai dar este texto pra gente?”. Estes discursos traduziam certa admiração dos

professores sobre um ato que parecia se apresentar como “fora do padrão”. Sobretudo, representavam ausência significativa da ação de estudar no contexto escolar. Questionados sobre este fato, o diretor e a vice-diretora da escola relataram que os professores não estavam habituados a receber materiais para consulta e/ou leitura nas reuniões: “Mal tinha pauta da reunião”; “Dificilmente tinha material e quando tinha não era para todo mundo”.

Diante deste quadro, os sentimentos da pesquisadora estavam imbuídos de angústia, tribulação e ansiedade. Sem ter conhecimento da construção histórica desta Rede Municipal de Ensino, muito menos da escola, desenvolvia as atividades inerentes ao cargo com uma sobrecarga que produzia sensação de fracasso e impotência. Estas sensações podem ser vislumbradas nos registros sobre o cotidiano da escola:

Os meus registros, sugestões e orientações, por alguns, não são vistos a partir da perspectiva de construção coletiva. Questionamentos camuflados são feitos: „por que ela escreve no semanário? No seu semanário ela escreveu alguma coisa? Será que ela não gostou da proposta? ‟ Contudo, poucos são os que retornam para o diálogo direto, que possibilita esclarecimentos precisos, confronto de concepções e (re)organização de idéias. (Diário de Campo, fevereiro de 2008)

Também fiquei um pouco aturdida neste encontro. Quando comecei a falar sobre silhueta do texto, gênero, função... Os professores me olhavam como se eu estivesse falando outra língua. (Diário de Campo, fevereiro de 2008)

Mesmo dando exemplos, que são tão solicitados pelos professores, percebi que não foi suficiente para que as propostas fossem para a sala de aula. Afinal, estou lidando com concepções construídas social e historicamente. Há necessidade de estudo sobre tantas instâncias que, ás vezes, nem sei por onde continuar... (Diário de Campo, fevereiro de 2008)

Sinto grande dificuldade em fazer com que as propostas significativas de leitura e escrita cheguem até os alunos. Até quando ficarão restritos a tarefas que abordam a linguagem escrita como hábito técnico? Quando os alunos poderão trabalhar com a escrita e a leitura da forma como se encontram nas relações sociais? O que fazer para que os professores compreendam essa necessidade? (Diário de Campo, março de 2008)

Pergunto-me: qual caminho seguir? Tenho a impressão de que não vou conseguir repercutir mudanças. Olho para a escola e parece que tudo continua do mesmo jeito. (Diário de Campo, maio de 2008)

São estes e outros registros que marcam, consideravelmente, as sensações e representações diante das situações percebidas e vividas no âmbito escolar. Modificar uma história de tantos anos implica muita determinação, muito trabalho e muito conhecimento. Não sabia se possuía condições adequadas para essa incumbência. Talvez seja por este motivo que, pensei em desistir de tudo, por inúmeras vezes.

Mesmo diante do conflito gerado pela “imposição” do estudo em HTPC, alguns relatos do final do primeiro semestre mostraram-me que o grupo estava percebendo a transformação do foco das reuniões.

Acho que a apresentação de novos caminhos, as trocas que fazemos, nos permitem melhoras, tentar enfim, a cada estudo nós aprendemos algo, mas quando conversamos e trocamos experiências, sentimos que pode dar certo e o medo de tentar vai ficando de lado. (Registro de P01).

Houve aproveitamento principalmente ao trabalhar com temas semanais e com a resolução de problemas. (Registro de P07).

Gostei muito da metodologia e das orientações. Muitas das dicas foram proveitosas em sala de aula. Acredito que os alunos tiveram um grande avanço tanto no que diz respeito a produção de textos quanto a resolução de problemas. A correção coletiva de textos tem dado bons resultados (...). Em relação a matemática com o uso constante de resolução de problemas e material dourado os alunos estão superando suas dificuldades (Registro de P11).

Quando estou planejando minhas aulas ou mesmo na hora da atividade todo o trabalho realizado nas HTPs voltam a minha memória (Registro de P04).

Quanto a resolução de problemas, auxiliou muito meu trabalho quanto ao registro, pois eles eram apenas verbais (Registro de P20).

Como já havia comentado as HTPs melhoraram muito, sempre que peço auxílio ou estou com muita dificuldade recebo devolutiva e assim procuro melhorar a didática em sala (Registro de P06).

É interessante ter o texto para discutir o assunto com o grupo, como tem sido feito (Registro de P17).

E no grupo, pude perceber que alguns poucos professores já buscavam articular os estudos à prática em sala de aula. Representavam ações “tímidas”, porém significavam motivo peculiar para acreditar nas possibilidades deste projeto.

O final do ano letivo de 2008 foi marcado pela ação de análise dos estudos realizados, tentando relacioná-los ao movimento de (re)organização da escola. Havia muitas questões a serem trabalhadas, mas já era possível reconhecer mudanças nos planejamentos. As avaliações apontavam algumas considerações do grupo: os temas trabalhados, que estavam em consonância ao solicitado pelos professores; a prática do estudo em HTP; a possibilidade de relacionar a teoria com a prática, bem como analisar a atuação docente; a oportunidade de compartilhar experiências e elabora coletivamente propostas de trabalho; o posicionamento e a postura da orientadora pedagógica (sempre presente, acompanhando o desenvolvimento das atividades, sugerindo e auxiliando). Também elencaram situações que necessitavam ser revistas: ter cautela para não enfatizar o trabalho de determinados professores; planejar estudos destinados a áreas específicas, como por exemplo, Educação Física e Educação Infantil. Ficou evidente que queriam a continuidade dos estudos, bem como dos momentos de trocas de experiências.

O professor precisa saber qual é a concepção que embasa sua prática, explicar o porque de suas propostas. (P09)

Preciso prestar mais atenção no meu trabalho com textos. (P20)

Eu tenho medo de fazer diferente e não dar certo, mas no próximo ano vou tentar fazer melhor, acreditar na possibilidade do aluno produzir. O medo está na gente. O aluno tenta realizar tudo o que a gente leva pra sala. (P02)

Muitas vezes é o professor que não lê, não estuda...para no tempo, depois quer cobrar do aluno. Eu gostei muito dos estudos. Me ajudaram muito! (P03)

Aqui nesta escola a HTPC é diferente. Não que na outra seja ruim. Mas é que aqui há um direcionamento e estou gostando de perceber as relações entre os estudos e a prática. Tenho a impressão de nunca ouvi, nem li nada sobre o que é trabalhado, porque essa relação com a sala de aula dá um novo sentido para as coisas. (P28)

As trocas de atividades é muito importante para nosso trabalho, mas acredito que você tenha priorizado algumas pessoas nesse trabalho. Todos apresentam atividades importantes e não se deve priorizar somente alguns. (P11)

Eu não gostava do meu trabalho e na verdade nem queria ser professora! Mas esse brilho que vejo em seus olhos quando você fala as coisas pra gente, me dá vontade de fazer diferente, de vir pra escola. Esse trabalho todo me fez enxergar algumas coisas que eu não via. E não desanime, pois a resistência ocorre mesmo. Nunca houve estudo, nem aprofundamento de nada. (P12)

As diversas formas de organização das ações pedagógicas apontavam as diferentes configurações de sentidos ao desenvolvimento do trabalho. Cada professor constituía-se e constituía seu trabalho de maneira peculiar, a partir da relação entre o que se propunha e as concepções/ experiências e ações já consolidadas. Isso me fez rever a crença no desenvolvimento de sentidos únicos como resultado do trabalho proposto e prescrito.

O trabalho docente quase sempre é apresentado como algo relacionado apenas ao desempenho individual, desconsiderando questões mais complexas, como condições de trabalho e as políticas públicas. Seguindo essa visão, concepções de fracasso do professor e má formação são utilizadas para justificar os problemas relacionados ao ensino e à aprendizagem dos alunos. Invariavelmente, o trabalho docente não é visto como “atividade resultante de um conjunto de fatores institucionais, históricos, socioculturais, envolvendo outros elementos além de uma personalidade, uma vocação, uma história pessoal e a interação com os alunos” (Brait, 2004, p.xxiii). Ao se analisar o trabalho docente, há de se considerar a questão individual, porém, com uma visão ampliada, abarcando noções de trabalho constituído por diferentes sujeitos e espaços, bem como as tensões psíquicas e culturais presentes nas práticas educacionais.

SAUJAT (2004) nos mostra que o mesmo processo deve ser realizado ao estudar as práticas de ensino, integrando a noção de prática contextualizada e dando importância a história profissional do professor (esquemas, representações, projeções, identidade). Assim, partindo dos estudos de DANIELLOU (1996), SAUJAT (2004) salienta que os professores, no desenvolvimento do trabalho, tecem, produzindo efeitos sobre a própria organização do trabalho e sobre os próprios professores. É interessante destacar o que este autor apresenta sobre a atividade do professor, trabalhando com as idéias de trama e tela:

Do lado trama, eis os fios que os ligam aos programas e instruções oficiais, às ferramentas pedagógicas, às políticas educacionais, às características dos estabelecimentos e dos alunos, às regras formais, ao controle exercido pela hierarquia.

Do lado tela, ei-los ligados a sua própria história, a seu corpo que aprende e envelhece; a uma imensa quantidade de experiências de trabalho e de vida; a vários grupos sociais que lhes oferecem saberes, valores, regras às quais se ajustam dia após dia; a seus familiares também, fontes de energia e de

preocupação; a projetos, desejos, angústias, sonhos” (DANIELLOU, 1996 apud SAUJAT, 2004, p.29, grifos do autor)

Para se analisar o trabalho docente, SAUJAT (2004) propõe considerar a multifinalidade da atividade dos sujeitos, circunscrevendo o problema da relação entre motivos e objetivos colocados por Leontiev ao tratar desta questão.

A teoria da atividade é oriunda da perspectiva histórico-cultural, sendo especificamente trabalhada por Leontiev. Segundo essa teoria, a atividade corresponde aos processos que satisfazem a necessidade do homem ao relacionar-se com o mundo. Esses processos são estimulados por motivos que coincidem com o objetivo do sujeito no desenvolvimento da atividade. Assim, as necessidades motivam o sujeito a agir (seja no plano material ou ideal), utilizando diferentes instrumentos.

AMIGUES (2004) salienta que a função heurística da atividade foi enfatizada no campo da psicologia do trabalho, articulando tarefa e atividade, trabalho prescrito e trabalho real. Para este autor,

Tarefa refere-se ao que deve ser feito e pode ser objetivamente descrita em termos de condições e de objetivo, de meios (materiais, técnicos...) utilizados pelo sujeito. A atividade corresponde ao que o sujeito faz mentalmente para realizar essa tarefa, não sendo portanto diretamente observável mas inferida a partir da ação concretamente realizada pelo sujeito. (AMIGUES, 2004, p.39, grifos do autor)

Ainda destaca que, em muitas situações de trabalho, as condições e objetivos da ação do sujeito são prescritos por especialistas. Essa ideia nos faz lembrar os conceitos envolvidos na racionalidade técnica, já apresentados neste trabalho. O sujeito, mediante essa relação de tensão entre o prescrito e o realizado, mobiliza e constrói recursos que contribuem para o próprio desenvolvimento.

Sobre as idéias de prescrito e realizado, podemos citar as pesquisas e trabalhos desenvolvidos por Yves Clot, no que tange a análise psicológica do trabalho. A partir da perspectiva histórico-cultural, CLOT (2006a) busca reformular a questão da subjetividade a partir do conceito de atividade. Segundo ele,

(...) o trabalho é sem dúvida um dos gêneros principais da vida social em seu conjunto, um gênero de situação do qual uma sociedade dificilmente pode abstrair-se sem comprometer sua perenidade; e da qual um sujeito dificilmente pode afastar-se sem perder o sentimento de utilidade social a ele vinculado, sentimento vital de contribuir para essa perenidade, em nível pessoal. (CLOT, 2006a, p.69).

dirigida. Ou seja, a atividade do trabalho é dirigida “não só pelo comportamento do sujeito ou dirigida por meio do objeto da tarefa, mas também dirigida aos outros. (...) Ela é sempre resposta à atividade dos outros, eco de outras atividades” (CLOT, 2006a, p.97). A atividade é sempre dirigida a vários interlocutores, é réplica a outra(s) atividade(s).

Resgatando o conceito de atividade dirigida (pelo comportamento do sujeito, pelo meio do objeto da tarefa e dirigida aos outros) de Clot, AMIGUES (2004) nos apresenta um estudo sobre elementos constitutivos do trabalho do professor. Desta forma, cita alguns objetos presentes na atividade docente, a saber: as prescrições (dependente das concepções e da organização do meio para realização), os coletivos (dimensões coletivas da atividade), as regras do ofício (gestos genéricos e específicos que ligam os profissionais entre si) e as ferramentas (artefatos e instrumentos utilizados na realização da atividade docente).

É muito interessante a relação que AMIGUES (2004) propõe entre a história e esses objetos constitutivos, nos termos de “ponto de encontro”, ou seja, atividade docente como âmbito de relações entre as histórias da instituição, da profissão, dos sujeitos articuladas às prescrições, ferramentas, tarefas e os diferentes outros. Atividade como dimensão coletiva.

LOUSADA (2004), também, cita este ponto de encontro e as relações entre todos os elementos no desenvolvimento do trabalho docente.

O trabalho do professor se encontraria, enfim, entre as prescrições impostas em diferentes níveis (escola, material didático, leis, decretos, etc.), os procedimentos que caracterizam o gênero profissional, as intenções não realizadas que constituem o trabalho real,e a atividade – aula – que transforma o trabalho prescrito em realizado, com todas as diferenças inerentes a esse processo. Além disso, não se pode deixar de considerar todo o trabalho de renormalização, que, entre uma aula e outra, configura e caracteriza o trabalho do professor. (LOUSADA, 2004, p.277).

Dessa forma, há de se considerar também, além das relações entre estes vários objetos constitutivos da atividade docente, que o ofício do professor produz efeitos