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CAPÍTULO 2 – Orientação Pedagógica e a relação com o projeto de

2.1 O retorno à Orientação Pedagógica

Durante o tempo em que estive na escola da Rede Estadual de Ensino, as características do “lugar” de coordenadora pedagógica pareciam estar imbricadas, encarnadas. Sempre estava envolvida com os demais professores: queria saber o que estavam trabalhando, queria analisar, compartilhar ideias e propostas. Via-me, constantemente, “coordenando” do lugar de professora.

Essa identidade de coordenadora foi constituída a partir de outros... colegas, professores, colaboradores, formadores. E foram esses “tantos” outros sujeitos históricos que, num processo dialógico, participaram incisivamente no modo de participação dessa professora/coordenadora.

Como escreveu BAKHTIN (1997, p.321),

O papel dos outros, para os quais o enunciado se elabora, como já vimos, é muito importante. Os outros, para os quais meu pensamento se torna, pela primeira vez, um pensamento real (e, com isso, real para mim), não são ouvintes passivos, mas participantes ativos da comunicação verbal.

O desejo de acompanhar as propostas dos colegas, relacionado às grandes conquistas no desenvolvimento de meu trabalho de alfabetização, fizeram-me repensar a “promessa” de nunca mais estar na função de coordenadora pedagógica.

Através de um colega, tive conhecimento do Concurso Público do município de Sorocaba, para cargos que compõem a Equipe Gestora de Escola (supervisor, diretor, vice-diretor e orientador pedagógico – nome dado ao coordenador pedagógico). Este concurso foi um marco histórico na rede municipal de ensino, uma vez que os cargos acima mencionados eram atribuídos em caráter de “designação”.

Aprovada no concurso e incentivada por minha irmã, também professora de Educação Básica I, aceitei o desafio da função a ser exercida, bem como das mudanças relacionada à mesma. Outro fator determinante em minha escolha foi a análise do site do município, que representava a única fonte para obter informações sobre o desenvolvimento do trabalho no setor Educação.

No ícone “Conheça Sorocaba” há acesso para informações sobre diferentes áreas do município: cidadania; competições esportivas; conselhos, ONGs, entidades; economia; educação; história e símbolos municipais; informações e eventos; juventude; meio ambiente; programas e projetos; sua cidade; trabalho e geração de renda; viva cultura.

Com o intuito de conhecer algumas características da cidade fui lendo as informações, tentando construir uma ideia sobre as diferentes situações ocorridas nesta ambiência. A parte que mais me interessei, de fato, foi a educação, uma vez que era nesse setor que iria trabalhar. Percebi que a Rede Municipal de Ensino contava com inúmeros projetos e programas1 que destacavam preocupação com diferentes âmbitos do processo de ensino e aprendizagem.

No site, também, foi possível encontrar outras informações sobre a cidade de Sorocaba referente a locais de lazer, cultura, saúde, economia. Pode-se destacar o Plano Cicloviário, Plenárias de Participação Cidadã e Programa de Coleta Seletiva.

Cabe ressaltar que as descrições sobre o perfil deste município tendem a ressaltar ações circunscritas no ideário de “Cidade Saudável2” e “Cidade Educadora3”.

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Para maiores informações, consultar o Anexo A, onde apresento os nomes e descrições dos Projetos e Programas da Rede Municipal de Ensino.

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O Cepedoc Cidades Saudáveis (Centro de Estudos, Pesquisa e Documentação) foi formado, no ano de 2000, por integrantes da "Oficina Permanente de Cidades Saudáveis" organizada a partir da Faculdade de Saúde Pública da USP, em São Paulo. O Centro apóia municípios e comunidades a ingressarem no Movimento por Cidades Saudáveis, organiza e divulga informação existente sobre projetos de melhoria de qualidade de vida nas cidades. Este apoio se dá por meio de eventos,

Os princípios de “Cidade Educadora” se destacaram ao realizar a análise, visto que pressupunham um município preocupado, de fato, com questões de formação e aprendizagem. Nessa perspectiva, todos os habitantes possuem as mesmas oportunidades de desenvolvimento e formação, refletindo e participando da criação de programas educativos e culturais. A escola encontra-se, assim, inserida na vida da cidade (todos os espaços – ruas, praças, bairros, igrejas, serviços, etc – são articulados para o estabelecimento de canais permanentes de participação das comunidades, no propósito de humanização e emancipação).

Diante deste cenário, percebi uma grande oportunidade de desenvolvimento da cidade, tanto na questão sócio – econômica, quanto nas questões intrínsecas à cultura e educação. Se Marília havia representado um lócus de (trans)formações, Sorocaba, com toda infra-estrutura e todos estes programas, poderia significar espaço de novas aprendizagens.

De certa forma, além da insegurança quanto ao “novo” em todos os sentidos, havia também insegurança quanto à organização do projeto político pedagógico desta rede de ensino. Imaginava que, por oferecer tantos projetos e programas, a cidade estaria bem articulada quanto aos novos pressupostos teóricos, o que demandaria de mim uma formação e preparação além da adquirida.

A Secretaria de Educação do município de Sorocaba considerou pertinente organizar um período de formação para os novos integrantes das equipes gestoras das escolas, a fim de garantir o conhecimento das diretrizes pedagógicas que permeiam sua política educacional. Este período iniciou-se no dia 11 de janeiro de 2008 e foi encerrado no dia 30 de janeiro do mesmo ano.

assunto. O centro realiza estudos e pesquisas de melhoria de qualidade de vida nas cidades. Além disso, apóia cidades e comunidades a participarem do movimento por cidades saudáveis.

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Esse conceito consolidou-se no início da década de 90, em Barcelona, na Espanha, onde se realizou o primeiro Congresso Internacional das Cidades Educadoras. Esse Congresso aprovou uma Carta de princípios básicos que caracterizam uma cidade que educa. Várias cidades brasileiras são membros da Associação Internacional de Cidades Educadoras: Belo Horizonte (MG), Caxias do Sul (RS), Cuiabá (MT), Pilar (PB), Porto Alegre (RS), Piracicaba (SP), Alvorada (RS) e Campo Novo do Parecis (MT). Foi Porto Alegre, onde nasceu o “Fórum Social Mundial”, que deu a partida, integrando desde o ano 2001, o “Movimento das Cidades Educadoras”. Na cidade que educa todos os seus habitantes usufruem das mesmas oportunidades de formação, desenvolvimento pessoal e de entretenimento que ela oferece. O “Manifesto das Cidades Educadoras” aprovado em Barcelona em 1990 e revisto em Bolonha em 1994, afirma que “a satisfação das necessidades das crianças e dos jovens, no âmbito das competências do município, pressupõe uma oferta de espaços, equipamentos e serviços adequados ao desenvolvimento social, moral e cultural, a serem partilhados com outras gerações.

No primeiro dia a ansiedade me consumia por não conhecer ninguém naquele espaço e por desconhecer o contexto das escolas e da rede de ensino. A maioria dos aprovados no concurso residia na própria cidade, inclusive já trabalhava na rede como professor ou atuando em cargos de confiança (diretor, vice – diretor, coordenador), o que facilitava por conhecer o histórico desta instância de ensino.

Logo me enturmei com alguns componentes. Por coincidência, formamos o grupo de “sujeitos migrantes” (todos vinham de outros municípios e outras redes): algo, de fato, nos unia.

As atividades do primeiro momento de formação estiveram voltadas para explicação sobre o Planejamento Estratégico da Prefeitura. Foram apresentados aos novos funcionários alguns itens deste Planejamento, a saber: a missão (desenvolver políticas públicas, oferecer serviços e promover a cidadania, justiça social e qualidade de vida para a comunidade), a visão (buscar ser uma instituição gestora de políticas públicas, com credibilidade, que leve a comunidade a alcançar um nível de qualidade de vida cada vez melhor, promovida pelo desenvolvimento sustentável, buscando padrões de excelência), valores (ética, integridade, justiça, respeito, transparência).

Também apresentaram as competências (habilidades, conhecimentos e atitudes) esperadas pelos servidores públicos: comprometimento com resultados, relacionamento interpessoal, trabalho em equipe, capacidade técnica e comunicação. Ressaltaram que cada funcionário deveria desenvolver suas respectivas atribuições, zelando pelo Planejamento Estratégico e pelas competências acima descritas.

No segundo dia de trabalho, cada equipe gestora pôde conhecer seu local de trabalho. Não havia, ainda, um (a) diretor(a), visto que na época em que ocorreram as atribuições, esta escola não constava na lista de escolha, devido ao fato da diretora ter se aposentado no fim de 2007.

Junto à vice – diretora (professora efetiva da rede municipal de ensino de Sorocaba durante 6 anos) encontrei o seguinte cenário: secretaria sem arquivo organizado, documentos espalhados por todos os lugares, prontuários de alunos não organizados por sala e um arquivo morto “soterrado” em meio a inúmeros entulhos depositados no palco da escola. Tive vontade de ir embora daquele lugar e não voltar nunca mais.

A vice – diretora trabalhava nesta escola há 3 anos como professora, mas também demonstrou perplexidade diante do encontrado. Em sala de aula (outro lugar) não fazia idéia do que ocorria nos trâmites da gestão escolar, muito menos da situação em que se encontrava a escola. De acordo com seu relato, não havia possibilidade de participação nos processos de gestão e pouquíssimas eram as oportunidades de discussão sobre o que ocorria na escola.

Aquela cena e as sensações que ela proporcionou são inesquecíveis. Talvez tenha representado o início das muitas “quedas” que viriam pela frente...

A formação organizada pela Secretaria de Educação teve continuidade: ora ficávamos neste espaço de palestras, apresentações e explicações, ora íamos à escola, com a finalidade de organizar o início do ano letivo.

Dentre os diferentes temas abordados, circunscritos nas atribuições dos gestores e na questão da gestão democrática na escola, pode ser citada a ênfase quanto à proposta de “Educação de Qualidade para Todos” e “Educação Humanista”. Nos meandros dos discursos proferidos era possível perceber a necessidade de ressaltar que, tais propostas, estavam presentes no trabalho desenvolvido pela rede municipal, preocupada em oportunizar uma educação inclusiva, valorizando a singularidade, promovendo formação que atenda as diferenças culturais, sociais, raciais, físicas, políticas, emocionais e cognitivas.

A cada apresentação, a cada palestra, meu anseio em começar a trabalhar aumentava: queria ver de perto como era a “educação de qualidade” desenvolvida nas escolas e verificar as possibilidades de atuação.

No final do mês de janeiro, o cargo de direção da escola foi atribuído. O novo diretor também era professor da mesma rede há 6 anos, mas só assumiu a escola no início de fevereiro. Na mesma época, a vice – diretora, que havia realizado o concurso de orientador pedagógico, foi convocada para atribuição e estava prestes a assumir outra escola.

Assim, no primeiro dia de efetivo trabalho com os professores e funcionários, eu estava sozinha, representando a nova Equipe Gestora. Tentei disfarçar o nervosismo e a ansiedade diante daquelas pessoas (professores de Educação Infantil e Ensino Fundamental, inspetores, auxiliar de educação, merendeiras). Desenvolvi o que havia

proposto para o encontro: apresentação e atividade de representação da escola, bem como das expectativas para o ano letivo.

As falas apresentavam uma escola aberta à comunidade, acolhedora, marcada pela união entre os profissionais: “começando a construir sua identidade; escola aberta;

trabalho coletivo e união entre professores, funcionários e direção; local de transformação; alunos e escola como família; espaço de boa convivência; sentimento positivo para realizar o trabalho; compromisso em ajudar e atingir a todos; aberta à diversidade; local que detém o poder de transformar a vida das pessoas; espaço agradável; lugar feliz”. Recordo-me que na entrada da escola havia um quadro com o seguinte registro “Aqui é lugar de gente feliz”. No momento que uma professora foi

apresentar sua representação da escola, olhou-me e disse: “Você não leu o quadro lá

na entrada? Aqui é lugar de gente feliz!” (Diário de campo, fevereiro de 2008).

Nas representações da escola surgiram apenas duas questões divergentes das demais: a questão do prédio da escola (que necessita de reformas urgentes) e o sentimento de solidão do professor frente a tantas coisas a serem trabalhadas.

No que tange às expectativas, diferentes aspectos foram apontados: “necessidade

de ousadia; melhorias quanto à estrutura física da escola; fortalecimento das relações; dar sentido aos conteúdos trabalhados; trabalho coletivo; escola ter significado para os alunos; solidariedade entre as pessoas; novas descobertas; crescimento de todos

(Diário de campo, fevereiro de 2008).

Esse encontro foi marcado por uma ambiência cordial. Percebia que alguns queriam enfatizar demasiadamente aspectos “positivos” da escola em detrimento de questões que necessitariam de profundas reflexões. Outra ênfase muito visível estava relacionada à relação entre direção e professores. Esse mesmo grupo de professores ressaltava que a escola era uma “grande família”, onde “todos se relacionavam muito

bem”.

Minha presença afetava, consideravelmente, os discursos apresentados pelo grupo. Reporto-me aqui às considerações de Amorin sobre a presença do pesquisador no contexto de desenvolvimento do trabalho. “Ele é locutor, posto que fala, e o que fala interfere necessariamente no sentido e na sequência do que diz o outro; ele é destinatário, posto que sua presença é necessariamente levada em conta por aquele

que fala, o que torna portanto co-autor do que é dito”. (AMORIN, 1997, p.137 apud BELLOTTI, 2010, p.45)

Não quis apresentar nenhuma proposta efetiva neste dia, nem comentar aspectos que considerava importantes para o desenvolvimento do trabalho na escola. Considerei relevante ouvir os sujeitos que faziam parte daquele contexto. Eu estava chegando! Era a estrangeira inserida num local de praticamente 50 anos de história.

No início das aulas, a Equipe Gestora já estava constituída: diretor, vice – diretora (que retornara a escola por desistir do cargo de orientadora pedagógica na outra escola) e eu, orientadora pedagógica. Cada um com sua história de vida, de formação e de experiências. Formamos o grupo de liderança da escola que mais tarde veio a formar um grupo com relações de amizade fora do contexto escolar.

Deparamo-nos com grandes complicações já no primeiro dia de aula. As listas de alunos estavam incorretas: não constavam nomes de alguns alunos e apresentavam nomes de outros que já haviam sido transferidos. Outros aspectos complicadores foram surgindo, principalmente quando solicitavam tempo de serviço, documentos de professores, funcionários e alunos, pois, apesar da organização já iniciada pelos gestores, muitos registros não foram encontrados, ou na maioria das vezes estavam incompletos.

A estrutura física do prédio da escola (que é antigo) estava preocupante, pois a infestação de cupins e as rachaduras no palco e no piso afetavam drasticamente a utilização do espaço. Na biblioteca, até então organizada e encaminhada por uma auxiliar de educação, faltavam inúmeros materiais descritos na relação encontrada na mesma. Aliás, o registro dos materiais estava desatualizado.

Dentre as primeiras providências tomadas, pode-se destacar a avaliação de todo contexto escolar, realizada por segmentos: famílias, funcionários, professores e alunos. Nesta, todos foram convidados à análise da realidade encontrada, apontando oportunidades de melhoramento que foram validadas após consenso do grupo.

Nas avaliações enviadas aos pais, percebeu-se que a maior queixa era a relação escola e comunidade, o que contrapunha o discurso de “escola aberta à

comunidade”, anunciado no primeiro encontro. Desta forma, pensamos em ações que

essencial a participação dos pais na vida escolar, nas decisões e na realização de projetos conjuntos. Nessa perspectiva, uma iniciativa foi a constituição dos colegiados e a efetivação do trabalho, uma vez que, segundo relatos de componentes da escola, estes não eram atuantes.

Nossa Equipe Gestora presenciou muitos enfrentamentos e dificuldades no processo de desenvolvimento do trabalho: resistências, sindicância a partir de reclamações por parte de duas professoras, problemas com merendeiras e funcionários, situações de demonstração de “poder” com auxílio de uma Instituição externa, dentre outros fatos. Acreditamos que o sentimento que nos une (e que transcende a relação profissional) foi crucial para que pudéssemos superar todas as dificuldades e realizar o trabalho necessário.

No que se refere às questões de ensino, aprendizagem e trabalho docente, busquei organizar minhas ações a partir das concepções relacionadas à atuação de Coordenadora Pedagógica. Tais concepções foram elaboradas por intermédio das vivências e experiências na Rede Municipal de Marília, pautadas em orientações, legislações e construção coletiva, que serão abordadas posteriormente.

Considero importante, inicialmente, apresentar um resgate de alguns apontamentos históricos referentes ao cargo de Coordenador Pedagógico, a fim de oferecer subsídios para compreensão da constituição deste profissional no contexto do sistema educacional.