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CONSIDERAÇÕES FINAIS

No documento As leituras pedagógicas de Sílvio Romero (páginas 182-187)

Nesta pesquisa, estabeleci como objetivo compreender como Sílvio Romero se apropriou das obras L’éducation intelectuelle, morale et physique de Herbert Spencer,

Histoire de la formation particulariste de Henri de Tourville, A quoi tient la superiorité des

anglo-saxons? e de L’éducation nouvelle: l’École des Roches de Edmond Demolins, de La

vie americaine: l’éducation et la société de Paul de Rousiers, de L’Aryen:son role social e

Race et milieu de Georges Vacher de Lapouge.

Antes de analisar especificamente a leitura das referidas obras, julguei necessário analisar as competências e práticas adquiridas por Sílvio Romero ao longo da sua trajetória. Foi possível perceber que através da educação formal e informal que recebeu o intelectual sergipano desenvolveu competências e práticas que o tornaram um leitor crítico das letras nacionais e estrangeiras. Lia na sua “oficina”, quando não era interrompido pela reinação e doenças dos filhos, nas barcas a vapor do Cais Pharoux, a caminho do trabalho ou de volta para casa, no navio La Plata, na Livraria Alves, no escritório do amigo Artur Guimarães, no qual costumava acomodar-se num sofá de palhinha ou numa cadeira em califourchon, e na biblioteca do referido amigo. Fazia leitura silenciosa. Porém, costumava compartilhar suas leituras com os amigos, relatando-as nas missivas. Lia extensivamente, anotando cada página, concordando ou discordando dos autores. Para Sílvio Romero, leitura e escritura não estavam dissociadas, lia para “afundar a pena no papel” e escrever algum volume sobre a pátria.

Após apreciar o perfil do leitor, julguei necessário também fazer um estudo sobre a

Biblioteca Pedagógica de Sílvio Romero, com o intuito de compreender como adquiria os livros, quais textos despertavam seu interesse e quais as estratégias empregadas pelos produtores para conformar a leitura. Notei que os livros nacionais e estrangeiros que a compõe foram comprados em livrarias fluminenses, paulista, baiana e pernambucana, presenteadas por amigos ou tomadas por empréstimo; que a biblioteca é bem diversificada; que apesar da existência de textos de origem técnica predominam os de caráter científico; que além de textos da área da Pedagogia engloba textos de áreas como a Filosofia, a Sociologia, a

Biologia e a Psicologia, que o auxiliaram a pensar a educação, que figuram na sua biblioteca autores reconhecidos nacional e internacionalmente; que os textos foram publicados em

alemão, espanhol, francês, inglês e português, com predomínio do português e do francês; que os principais centros editoriais foram o Rio de Janeiro, destacando-se a participação da

Tipografia Nacional/ Imprensa Nacional e da Tipografia do Jornal do Commercio de

Rodrigues & C., e Paris, destacando-se as editoras Germer Bailliére e a Félix Alcan. As editoras lançaram mão de diversas estratégias para atrair o leitor e garantir uma determinada leitura. Uma das estratégias empregadas pelos editores foi a das coleções. Uma outra estratégia empregada pelos editores foi a apresentação de informações sobre os autores, tradutores e suas respectivas obras. Os editores procuraram também, com a ajuda dos ilustradores, embelezar as obras. Ainda se preocuparam com a legibilidade do texto oferecido, garantida pela adoção do romano, do corpo entre 10 e 12, do entrelinhamento entre 3 e 4 pontos do corpo e o uso de margens entre 1 e 2,5. Utilizaram também aparelhos críticos como prefácios, notas do tradutor, explicativas e de referência, resumos recapitulativos, índices remissivos e analíticos, apêndices e anexos.

Por fim debruçei-me sobre a análise das leituras pedagógicas empreendidas por Sìlvio Romero. Através desse estudo foi possível perceber que ele buscou subsídios para elaborar

representações da educação brasileira em diferentes matrizes teóricas: o evolucionismo de Herbert Spencer, o culturalismo sociológico da Escola de Le Play, representada por Henri de Tourville, Edmond Demolins e Paul de Rousiers e a antropossociologia de Georges Vacher de Lapouge.

Sílvio costumava afirmar que não escrevia pelo gosto de escrever, mas com o sentido de ser útil à sua pátria. Poderia parafraseá-lo e afirmar que não lia pelo gosto de ler, mas com o desejo de buscar subsídios para auxiliar no progresso da nação.

Sílvio buscou nas referidas leituras subsídios para pensar a educação adequada para o país. Durante as suas leituras esbarrou em uma primeira dificuldade: qual o legado do processo educativo para a humanidade?

Encontrou em Herbert Spencer e na Escola Social de Le Play a resposta que desejava. Tanto Spencer quanto Tourville, Demolins e Rousiers acreditam na fertilidade da educação. Consideram-na uma arma eficaz para ser utilizada na luta pela existência e para enfrentar as dificuldades da sociedade contemporânea. Spencer acredita que a educação auxilia no desenvolvimento das faculdades naturais. Os discípulos de Le Play acreditam que ela pode

transformar a índole dos “atrasados” povos comunários em índole particularista, para que a humanidade possa compartilhar vantajosamente as conquistas da sociedade industrial.

Todavia, como apostar no poder da educação se a Ciência havia lhe ensinado que a raça está “no fundo de todas as coisas”, e de acordo com esse conceito há uma correlação imediata entre o domínio físico e o domínio psíquico? Como modificar, através da educação, a raça brasileira, composta por portugueses e negros (dolicocéfalos da pior espécie), índios (braquicéfalos) e mestiços, que, como ele mesmo afirmou eram inferiores às raças puras e poderiam gerar epiléticos, loucos e criminosos?

Para decidir sobre a fertilidade da educação era preciso superar a antinomia educação x hereditariedade. Com intuito de resolver essa questão inseriu-se no renhido debate entre neolamarckistas e neodarwinistas ao lado de Lapouge e Spencer. Enquanto os neolamarckistas apostavam na transmissibilidade dos caracteres adquiridos, os neodarwinistas defendiam a intransmissibilidade desses. Lapouge, após certa vacilação, ocupou uma posição intermediária no debate. Defendeu que alguns caracteres físicos adquiridos poderiam ser legados caso conseguissem alterar o plasma germinativo. No entanto, o antropossociólogo condenou a transmissão dos caracteres psíquicos adquiridos. Sílvio Romero questionou esse ponto da sua doutrina e apoiou-se em Spencer, que defendia a possibilidade de transmissão hereditária das experiências e comportamentos adquiridos que, submetidos à seleção poderia garantir a evolução social. A Escola de Le Play não foi útil para discutir essa questão porque não operou com o binômio natureza-sociedade. Os leplayanos utilizavam o conceito raça no sentido sociológico, como sinônimo de grupo ou classe de indivíduos, desprezando o sentido antropológico. Este aspecto foi apontado por Sílvio como uma das grandes falhas da escola. O intelectual sergipano recusou-se a abandonar os pressupostos racistas, analisou a sociedade brasileira procurando estabelecer um equilíbrio entre mundo natural e mundo social.

Resolvida essa questão da eficácia da educação na transformação dos indivíduos, procurou definir o papel da educação. Buscou respaldo no evolucionismo spenceriano e na

Escola de Ciência Social. Para Spencer o papel da educação é preparar o homem para a luta pela vida. Os discípulos de Le Play também acreditam neste postulado. O papel da educação é formar homens para os desafios da sociedade contemporânea.

Para buscar o modelo formativo ideal para os brasileiros buscou inspiração novamente em Spencer e Le Play. De Spencer adotou a concepção de que é preciso formar o homem completo através da educação intelectual, moral e física. Com os discípulos de Le Play aprendeu que é necessário oferecer uma educação integral, mas que a moral é mais importante porque na índole dos povos reside o potencial para o progresso. Assim como os leplayanos, avaliou que os povos comunários devem copiar o modelo de educação dos povos particularistas.

Para definir currículo e método recorreu mais uma vez a Spencer e aos sociólogos da

Escola de Ciência Social. Spencer propôs a primazia do ensino científico, o único capaz de transmitir conhecimentos úteis. Outros autores da época defendiam a primazia do ensino humanístico assentado nas disciplinas clássicas. Demolins, defendeu a adoção de um currículo ancorado tanto no ensino clássico quanto no científico, pois é preciso habilitar os alunos a exercerem todas as profissões. Sílvio mostrou predileção pelo ensino científico preconizado por Spencer, embora não descartasse a manutenção de algumas disciplinas clássicas no currículo.

Em relação ao método, apoiou-se tanto em Spencer quanto em Demolins. Ambos recusaram o método mnemônico comum nas escolas daquela época. Spencer defendeu que os mestres devem desenvolver as faculdades naturais do educando através da observação e da experiência, partindo do simples para o complexo, do indefinido para o definido, do concreto para o abstrato, com o objetivo de respeitar o desenvolvimento psíquico dos indivíduos. Demolins preconizou o método ativo, valorizando o conhecimento e a ação, a fim de estimular o desenvolvimento das inclinações primárias e fortalecer os sentimentos de iniciativa, responsabilidade, honra, retidão e lealdade. Ambos pregavam que a obediência deve ser obtida através de métodos persuasivos. Sílvio achou as duas propostas interessantes e complementares.

Quanto à organização do espaço escolar, Sílvio buscou apoio nas idéias de Demolins e no modelo da École des Roches. As escolas devem ser estabelecidas no campo, com o intuito de livrar os discípulos dos vícios da cidade. Devem também ser divididas em casas, que também podem servir de residência para professores e diretores.

Também considerou útil a educação informal que, segundo Paul de Rousiers, pode ser oferecida em países de formação particularista, e o intercâmbio de profissionais com o intuito de aprender o modelo anglo-saxônico de educação tido como o mais eficiente para enfrentar os desafios da vida contemporânea.

Uma última questão que ocupou a reflexão de Sílvio foi a que diz respeito à assunção da responsabilidade da educação. Rejeitou a opinião de Spencer que considera que o Estado não deve intervir nessa matéria e apoiou-se em Demolins que julga que o ideal é o exercício do self-government, mas nas sociedades de formação comunária, organização social na qual o Brasil se enquadrava na opinião de Sílvio, é recomendável a intervenção do Estado, uma vez que os povos com essa formação não conseguem resolver sozinhos os seus problemas.

A partir da análise das leituras empreendidas por Sílvio Romero, é possível concluir, deixando de lado qualquer conotação ideológica, que Sílvio leu essas obras de modo crítico. Não se apropriou das representações oferecidas pelo autor in totum. Caminhando entre as leituras, combinou teorias distintas, aderindo às representações que considerou adequadas para pensar a educação nacional e rejeitando aquelas que julgou impróprias.

A conclusão deste trabalho não significa que as leituras pedagógicas de Sílvio Romero foram completamente desveladas. Muitos estudos ainda devem ser empreendidos com o intuito de compreender essa face do intelectual sergipano. As marginálias gravadas em sua biblioteca particular clamam por pesquisadores que se disponham ao exercício de decifrá-las!

No documento As leituras pedagógicas de Sílvio Romero (páginas 182-187)