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Sendo a entrada na adolescência – entre 11 e 13 anos – um período de desenvolvimento no qual a relação com grupo de pares assume particular importância, sendo a escola o contexto privilegiado onde essa relação ocorre e tendo o professor como principal agente na identificação e combate ao bullying, a presente pesquisa objetivou identificar, analisar e confrontar as concepções de estudantes da quinta série do Ensino Fundamental e de seus professores em uma escola pública do Distrito Federal acerca do termo bullying.

O resultado da pesquisa apontou para uma concepção de bullying que abrange uma variedade de comportamentos que podem ir de violência, no sentido apontado por Charlot (2002), como no caso, relatado pelo entrevistado Léo, no qual o bullying provoca a atitude do aluno que trouxe uma arma para se vingar de colegas ou do espancamento sofrido pelo aluno Paulo, a transgressões como bagunça na sala de aula e desrespeito às normas escolares. Porém, é mais recorrente a concepção de bullying que pode ser enquadrada no conceito de incivilidades como uso de apelidos ofensivos e agressões físicas de menor cunho ofensivo.

Tais concepções reforçam a complexidade do fenômeno o que nos leva da desacreditar em soluções universais e invariáveis para o fenômeno. Assim, quando o fenômeno atinge o grau de violência ele passa a ser da alçada de uma instância externa à escola que, não encontrando outro meio de lidar com a situação, precisa, por exemplo, chamar a polícia como é o caso de ameaças com armas de fogo. Em outros momentos, para conter a baderna ou brigas de estudantes, a escola usa-se de sanções escolares como advertir, convocar familiares e suspender das aulas os alunos que transgridam as suas normas.

Porém, no cotidiano escolar, ofensas, humilhações e ataques frequentes à dignidade das pessoas tornam-se corriqueiros na maioria das vezes passando despercebido às professoras ou, mesmo quando percebidos, sem maiores consequências para seus autores. Essas situações foram incluídas por nós na definição de incivilidades, não por considerarmos banais, mas porque acreditamos, assim como Charlot (2002), que dependam fundamentalmente de um tratamento educativo. Tratamento do qual a escola não deve se eximir e, pelo qual, deve se responsabilizar.

Percebemos que os critérios apontados na literatura acadêmica sobre o tema para considerar um fenômeno bullying: atitudes repetitivas que visam causar dano moral ou físico; dissimetria de forças e falta de motivação do protagonista (FANTE, 2005) não são usados em sua totalidade por alunos e professores. A repetição do fenômeno, por exemplo, aparece apenas na fala das professoras e a dissimetria de forças é percebida pelos participantes, mas não usada como critério para definir o fenômeno.

Tais situações nos levam a considerar que a concepção de bullying no contexto escolar se confunde com o conceito de violência. O distanciamento entre o discurso escolar e o acadêmico pode acarretar uma generalização indevida do termo, onde tudo é bullying, e o fenômeno acaba perdendo sua especificidade. Por outro lado, a prevenção e combate ao bullying saem do contexto escolar e passam a outras instituições sociais vinculadas ao discurso midiático, comprometendo a autonomia e autoridade da escola.

Quando se traz ao debate acadêmico sobre bullying,a dicotomia agressor/vítima ou alvo/protagonista retira-se de foco o contexto em que essa prática se desenvolve que é uma realidade infinitamente mais complexa. Longe de encerrar o debate sobre o tema, ao trazer o discurso dos dois principais sujeitos no universo escolar: o professor e o aluno, tivemos a oportunidade de vislumbrar essa realidade e perceber que, por trás do conceito de bullying, mostram-se várias outras questões mais complexas de serem trabalhadas no universo escolar por envolverem diferenças culturais, sociais e também religiosas.

As principais causas do fenômeno apontadas pelos alunos foram educação familiar, problemas familiares, discriminação de gênero e étnico-raciais e o ambiente escolar. Já as professoras atribuíram aos comportamentos de bullying apenas causas externas ao ambiente escolar, fundamentalmente, a falta de uma educação familiar voltada para valores positivos e éticos. Dessa maneira, as professoras se isentavam de qualquer responsabilidade pelo fenômeno e num discurso resignado culpabilizavam as famílias e a situação socioeconômica.

Os resultados também demonstraram que o conceito de bullying está ligado ao gênero do participante, um comportamento pode ou não ser considerado bullying de acordo com o gênero de quem o pratica. Assim, violências físicas praticadas por meninas são naturalizadas e seus efeitos amenizados, o que não ocorre quando praticadas por meninas.

O uso da pesquisa qualitativa com entrevista semiestruturada com foco na subjetividade compreendida a partir do contexto sócio-histórico e cultural tornou possível vislumbrar essa realidade complexa. Porém, a escolha de um único instrumento de pesquisa trouxe certa limitação à presente pesquisa que deve ser levada em consideração quando da interpretação dos resultados. Entre as quais, salienta-se a natureza da entrevista semiestruturada que apresenta um recorte da história do participante naquele momento. Considera-se que a pesquisa teria se beneficiado do uso de outros métodos de coleta de dados, como grupos focais e observação direta, que poderiam propiciar a construção do discurso do sujeito em interação com outros discursos e de observações mais diretas e sistemáticas das interações em sala de aula e no recreio.

Também acreditamos que a discussão da questão de gênero entre os docentes ficou limitada visto que nesse grupo participaram apenas professoras, considera-se importante que em outras pesquisas sobre concepções de bullying para professores seja considerada uma maior diversidade de gênero. Considera-se, ainda, que um confronto entre a concepção de bullying e o capital cultural das diversas classes sociais possa enriquecer o debate acadêmico sobre o tema.

Apesar disso, acreditamos que os procedimentos adotados tenham sido adequados e permitiram a identificação e análise da concepção dos estudantes e professores sobre bullying. Consideramos que os resultados da pesquisa podem contribuir no sentido de subsidiar discussões sobre formas de enfrentamento do bullying no contexto escolar e sobre as políticas públicas de combate à violência na escola.