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Compreender é primeiro compreender o campo com o qual e contra o qual cada um se fez. (BOURDIEU, 2005, p.40).

Os resultados apresentam uma análise comparativa das entrevistas com os alunos, as alunas e as professoras. Tal análise foi organizada de acordo com os seguintes tópicos construídos com base nos objetivos de pesquisa: i) Concepção de bullying;ii) Causas, consequências e reações; iii) Soluções apontadas.

A discussão dos dados foi feita à medida que as entrevistas foram analisadas e os resultados construídos. Dessa forma, a apresentação da discussão se deu conjuntamente com os resultados.

4.1 - Concepção de bullying

O bullying foi caracterizado tanto pelos tipos de ocorrência quanto por sua motivação. Como exemplos de tipos bullying, encontramos: agressão física e verbal, vandalismo e brincadeiras de cunho ofensivo. Já, em relação à natureza: preconceito, discriminação, inveja e repetição de ações violentas.

A caracterização do bullying por meio de sua motivação ocorre principalmente na fala dos professores, enquanto os alunos falaram mais nos tipos de bullying.Pesquisas feitas no Reino Unido e Irlanda conforme descrito por Naylor et al. (2006) também mostraram uma diferença entre as definições de bullying de crianças e de adultos. Segundo essas pesquisas, as crianças geralmente se concentram em formas mais óbvias e menos sutis de bullying, tais como abuso verbal e físico direto e ignoram a agressão indireta, a repetição e a intencionalidade do fenômeno que são critérios usados na literatura para definir bullying.

Tais concepções ficaram evidentes nas respostas à pergunta: Para você, o que é bullying? e no relato de casos em que o participante acreditava que havia ocorrido bullying (questão 1 e 3 do roteiro de entrevista com professores e 3, 4 e 5 do roteiro de entrevista com estudantes).

O bullying para os estudantes

BULLYING É “UM MONTE DE COISA ASSIM...”

À pergunta Para você, o que seria bullying?, os estudantes ofereceram as seguintes respostas:

- É... quando... os seus colega fala várias coisas. É por exemplo, xinga sua mãe ou fala que você é negro ou branco. (Patrícia, 12 anos)

- Uma violência, briga, palavrão. É desobediência. Pichação aí na escola, é agredir o outro, bater, tem um monte de coisa assim... (Vitor, 11 anos)

- Xingar, bater, apelidar...(Marcelo, 11anos)

- Bullying seria agressão, seria zoação, apelido, seria as coisas que as pessoas não gostam que fazem com ela. Acho que bullying no Brasil é muito

porque eu acho que é uma das coisas que mais se sofrem [...] Eu acho que o bullying é agressão, é violência, é apelido, é zoação. Acho que é isso. (Paulo, 13 anos)

- Eu acho que bullying a gente fica mais com raiva, fica nervoso, aí faz coisa que nem tá pensando o que tá fazendo. (Patrícia, 12 anos)

-Pra mim, o que eu acho de bullying é que bullying é bater, é ameaçar, é magoar a pessoa. (Helena, 11 anos)

- Bullying é quando uma pessoa fala mal da outra, daí a pessoa não gosta e começa a bater.(Léo, 11 anos)

- Eu acho que é discriminação que as pessoas fazem com as outras. (Mariana, 11 anos)

- Ficar botando apelido, falando da mãe do outro, é... ficar xingando o outro.(Cristiane, 11 anos)

- Bullying é agressão. [...] Quando bate nas pessoas, maiam, ofendem.(Bárbara, 12 anos)

- Bullying é ficar xingando o outro, ficar xingando e a pessoa não gostar.(Celso, 12 anos)

- Bullying, pra mim, é gente ignorante, é que anda botando apelido nos outros, que anda xingando a gente, bullying pra mim é isso, ficar botando apelido, xingando a gente...(Flávia, 11 anos)

- Bullying é... pra mim é preconceito, racismo, violências, coisas ruins para a gente...(Wiliam, 11 anos)

- Sei lá, bater nos outros, pichar o muro da escola, quebrar vidro [...] Ficar maiando do outro, da deficiência, se ele é gordo, magro, alto...(João, 12 anos) A concepção de bullying das crianças e adolescentes foi ampla e variada. A maioria dos entrevistados definiu o termo listando os atos que ele encampa conforme a fala dos estudantes Vitor, Marcelo, Paulo, Helena, Léo, Cristiane, Bárbara, Celso, Flávia, João e Helena. Um grupo menor também enfatizou o estado emocional dos alunos envolvidos em práticas de bullying como foi o caso da aluna Patrícia e dos alunos Celso e Léo.

Os tipos de atos abrangidos pela definição de bullying foram extremamente variados, melhor apreendidos pelo estudante Vítor como “um monte de coisa assim...”. Esses foram mencionados aleatoriamente sem qualquer classificação por natureza, gradação ou recorrência. O leque definido vai de desobediência, pichação na escola, zoação, preconceito até agressão. Agrupando-os em categorias conforme os tipos de bullying, encontramos:

Atos de zombaria e chacota de conteúdo agressivo, como zoação(Paulo), apelidação (Marcelo, Paulo, Cristiane, Flávia), xingamento (Marcelo, Paulo, Cristiane, Celso, Flávia), pichação (Vítor, João), uso de palavrões e termos pejorativos (Vítor).

Atos de ameaça, a ameaça pode ser de agressão verbal ou física. Na fala dos estudantes essa categoria aparece de forma direta, com uso da palavra ameaça, conforme descrito por Helena e também de forma indireta como feita por Mariana ao afirmar que sofria bullying por ter recebido uma carta na qual era ameaçada de ser “triturada”.

Atos de constrangimento físico, como agredir fisicamente (Vítor, Paulo, Bárbara), brigar (Vítor) e bater (Vítor, Marcelo, Helena, Léo, Bárbara, João).

A fala dos alunos também possibilitou a construção das seguintes categorias sobre a natureza do bullying:

Atos de discriminação e preconceito como apontados por Mariana e Wiliam de forma explícita por meio do uso das palavras “discriminação”, “preconceito” e “racismo” e de forma implícita na seguinte fala de João “Ficar maiando do outro, da deficiência, se ele é gordo, magro, alto...” ou de Patrícia: “É... quando... os seus colega fala várias coisas. É por exemplo, xinga sua mãe ou fala que você é negro ou branco.”

Atos que geram sentimentos negativos como magoar (Helena), desagradar (Celso) ou que levem ao desejo de agressão física (Léo).

Atos de violência inespecíficos quando o termo “violência” aparece definindo bullying (Vítor, Paulo, Wiliam).

Contudo, verificou-se uma frequência maior no uso de termos como “zoar”, “apelidar”, “agredir” e “bater”, que pode ser um indicativo de concepções mais recorrentes e poderiam ser enquadradas nas categorias Atos de zombaria e chacota de conteúdo agressivo e Atos de constrangimento físico.

Embora o emprego do termo “violência” sugira uma equação entre bullying e violência, o termo muitas vezes é citado como um tipo de bullying em si. Assim, para o estudante Vítor, o termo se refere a “uma violência, briga, palavrão...” e para Paulo, “é agressão, é violência, é apelido, é zoação...”.

Fica claro, porém, a partir da fala dos estudantes, o potencial “agressivo” dos atos enquadrados nas suas definições de bullying, como afirma Paulo, “são coisas que as pessoas não gostam que fazem com ela(s)” ou na fala de Vítor que, ao incluir os atos como pichação, desobediência e dizer palavrão na categoria bullying, parece sinalizar que esses são incluídos pelo potencial agressivo.

Os estudantes, podemos concluir, conceberam o bullying como uma forma de constrangimento físico e/ou emocional e/ou verbal infringido ao outro com características de violência por causarem reações emocionais ou danos físicos e sociais trazendo sofrimento, dor ou raiva em relação às pessoas ou danos ao ambiente. As concepções de bullyng apresentadas pelas crianças estão mais próximas à definição de violência apresentada por Chauí (1998) do que a definição de bullying (Fante, 2005). Para Chauí (1998) violência é:

[...] 1) tudo o que age usando a força para ir contra a natureza de alguém (é desnaturar); 2) todo ato de força contra a espontaneidade, a vontade e a liberdade de alguém (é coagir, constranger, torturar, brutalizar); 3) todo ato de transgressão contra o que alguém ou uma sociedade define como justo e como direito. Consequentemente, violência é um ato de brutalidade, sevícia e abuso físico e/ou psíquico contra alguém e caracteriza relações intersubjetivas e sociais definidas pela opressão e intimidação, pelo medo e o terror. (p. 32-33).

Bullying e gênero

O bullying foi definido de forma diferenciada entre os estudantes do gênero feminino e do gênero masculino. Os meninos (Grupo 2) em sua maioria incluíram a agressão física em sua definição de bullying, já as meninas (Grupo 1) e as professoras (Grupo 3) destacaram os xingamentos e as ofensas nessa definição.

Dos oito meninos entrevistados, apenas um, denominado Celso, não usou prontamente as palavras “brigar”, “bater”, “chutar” na sua definição de bullying, porém, logo após dizer o que achava que era tal fenômeno, conta a história em que um aluno do noturno traz uma arma para escola com intenção de se vingar dos alunos que “tava atentando ele (sic)”. Das meninas, apenas duas (Bárbara e Helena) citam a violência física como bullying e uma, Mariana, a ameaça de bater. Acrescenta-se, com relação às professoras, que apenas Anita, citou a violência física.

Apesar de não termos feito um recorte de gênero nos nossos objetivos de pesquisas, os dados apresentados acima apontaram para uma forte presença do papel social desempenhado pelo gênero na constituição da concepção de bullying o que nos levou a incluir essa subcategoria.

Esse indicador de diferenças com relação ao gênero faz coro com vários estudos descritos por Nunes (2011) que identificaram que meninos tendem a apresentar, na maioria das vezes, agressão do tipo física enquanto que as meninas se envolvem com maior frequência em práticas como fofocas ou propagações de rumores. Tal situação foi apresentada pela estudante Mariana para responder à questão “O que você acha que é bullying?”:

- Eu acho que é uma discriminação que as pessoas fazem com as outras. Igual que aconteceu comigo lá dentro da sala: as meninas escreveram uma carta e falou que foi uma menina de outra sala que escreveu. Aí de repente a carta apareceu, eu tava sentada atrás dela, aí eu vi a menina colocando assim a mão e falando pra outra. Eu perguntei assim: “Alice, quem foi que escreveu essa carta, me chamando de dentuça, me chamando de falsa e dizendo que ia me triturar? [...] “Alice, quem foi?” A primeira vez ela disse que foi a Sandra. Aí eu falei assim: “Mentira, não foi a Sandra” porque a gente era assim melhor amiga, né? Aí de repente ela fingiu que era amiga da Sandra, aí ela perguntou pra Sandra quem foi que fez, a Sandra

disse que foi ela e ela pegou e me contou. Agora a gente tá brigada. Quando foi ontem, a gente tava lá dentro da sala as menina pegou e escreveu uma carta pra ela (se referindo a uma pessoa que eu não entendi quem era nesse momento), chamando ela de balofa, que ela falou que não queria mais ser amiga delas. Aí as meninas escreveu uma carta chamando ela de balofa que ela não conseguia correr por causa da pança (Mariana, 11 anos).

Segundo o sociólogo francês, especialista em identidade masculina e professor da Universidade de Toulouse, Welzer-Lang (2001), homens e mulheres não percebem da mesma maneira os fenômenos que são designados pelas mesmas palavras. Em uma pesquisa sobre violência doméstica, o autor concluiu que os homens agressores definem mais violências que suas companheiras agredidas. Mesmo numa escola onde ocorrem inúmeras violências como as relatadas pelos entrevistados e que são vivenciadas por todos os atores educacionais, a presença da violência física ficou mais marcada na subjetividade masculina.

Outras situações relatadas como a que aparece na fala da estudante Luíza na qual ela relata que sofre bullying porque a tia com quem ela mora vende roupas e os meninos da sala dizem que é roupa usada, coisa de qualidade ruim, nos dá indícios para considerar que a violência física praticada pelas meninas não é considerada bullying, pois é socialmente tolerada.