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P 4 : Mas você fica com raiva deles?

P: Por que não podia separar?

Wiliam: Não sei... porque eles queriam que a briga rolasse, então, eles ficam tipo incentivando as pessoas a brigar, isso não é bom, eles ficam tipo, mentindo pras pessoas falando que eles fizeram isso, não fizeram aquilo, isso é muito ruim. As meninas hoje tão maiores amigas...

[...]

Wiliam: Aí os meninos foram em vez de conversar com ele pra deixar, não, já foram logo na voadora, no chute. Isso é coisa muito errada.

(Wiliam, 11 anos)

Tal situação, e a interpretação dada por Wiliam aos fatos, nos leva a inferir que, na escola pesquisada, brigas de meninas são momentos de diversão muito valorizados e

incentivados pelos estudantes e que quem não se diverte com essas brigas, que se coloca contra elas, desperta a ira dos demais.

Bourdieu e Passeron (1975) denominavam violência simbólica aquela violência suave, insensível, invisível às suas próprias vítimas que se dá essencialmente pelas vias puramente simbólicas da comunicação e do conhecimento, ou mais precisamente, do desconhecimento, do reconhecimento ou, até mesmo, do sentimento. Ao falar de violência simbólica, Bourdieu está falando principalmente dos mecanismos sutis de dominação e exclusão social que são utilizados por indivíduos, grupos ou instituições. Nesse sentido, práticas de dominação de gênero quando toleradas ou incentivadas pela escola como uma instituição representada pelos seus agentes – professores e alunos – são formas de violência simbólica que subjazem à violência dura, física concebida pelos entrevistados como bullying.

Bourdieu e Passeron (1975) destacaram o papel da escola como reprodutora dos determinismos sociais ditados pela classe de origem, assim como os de gênero por meio do arbítrio cultural no qual valores culturalmente dominantes são impostos aos indivíduos. Para os autores toda ação pedagógica deveria ser considerada como violência simbólica, na medida em que impõe e inculca arbítrios culturais. O professor, a quem demos o nome fictício de André, na proporção em que usa a sua autoridade pedagógica para legitimar e incentivar a aluna a bater em seus colegas está, além de reforçando a cultura da violência e o uso da força física para a resolução de conflitos, reproduzindo o habitus de dominação masculina. A força feminina é diminuída, banalizada não por ser fraca - a própria aluna afirma bater com tanta força que provoca medo nos colegas - mas por vir de uma pessoa do gênero feminino, gênero historicamente alienado de sua força, tanto física como social.

Podemos inferir esses dois arbítrios culturais – valorização da violência física e desvalorização da força feminina - se impondo aos indivíduos também na situação relatada por Wiliam na qual o colega que tenta separar duas meninas que brigavam é agredido brutalmente pelos colegas do sexo masculino. Brigas geralmente despertam a curiosidade dos jovens e tornam-se pequenos espetáculos, muitas vezes anunciados com antecedência. A violência causada por essas brigas não provoca mais espanto e indignação principalmente quando envolve mulheres, consideradas quase incapazes de produzir violência. Esses jovens se valem de quaisquer meios como mentir ou espalhar

rumores para produzir tais espetáculos e quando alguém vai de encontro aos seus desejos é severamente punido.

Importante ressaltar que o aluno Wiliam quando responde à pergunta “O que seria bullying para você?” diz:

Bullying é... pra mim é preconceito, racismo, violências, coisas ruins para a gente...

(Wiliam, 11 anos)

Ele atribui ao bullying o sentido de “coisas ruins” e, sobre o episódio relatado, ao ser indagado pela pesquisadora por que ele achava que ocorrera o fenômeno naquela situação, ele diz que é porque houve injustiça uma vez que os meninos que agrediram Paulo deveriam ter primeiro conversado com Paulo e pedido para ele não separar mais brigas e não deveriam chegar logo batendo e chutando. A briga das meninas não é lembrada pelo estudante como bullying, ou seja, fica fora do campo semântico de “coisas ruins”. Mesmo considerando a situação de fala contextual e que o desdobramento da situação é bem mais marcante na subjetividade das crianças, pois o aluno agredido pelos demais teve uma costela quebrada e sofreu uma crise asmática, não podemos deixar de observar que em nenhum momento ele relaciona o bullying com a violência feminina.

Essa situação em que Paulo é espancado também é relatada pela professora Anita, mas essa curiosamente atribui a violência ao fato do aluno tentar defender outro colega que, assim como ele, é considerado homossexual. No primeiro momento, a pesquisadora chegou a pensar que se tratava de outra situação, porém com os relatos de outros entrevistados e até mesmo do próprio Paulo, verificou-se que era a mesma. Como a situação ocorreu no recreio, os adultos não testemunharam o acontecido. Mais uma vez a briga entre as meninas não é destacada, nem tão pouco houve qualquer sanção por parte da escola com relação às alunas que brigaram.

O próprio termo bully que deu origem a bullying é masculino e foi escolhido por Olweus e Passeron (1975) porque ele considerava o fenômeno tipicamente masculino e achava que raramente ocorria entre adolescentes do sexo feminino. Isso o levou a excluir garotas do conjunto de participantes das suas primeiras pesquisas que datam da

segunda metade dos anos 70 e só mais tarde, a partir de 1986, muda de opinião e começa a investigar também as meninas (Björkqvist, 1994).

A aluna denominada Luíza tenta explicar porque os meninos se envolvem em mais situações de bullying do que as meninas, afirmando que a agressão física praticada pelos garotos é errada, e pelas meninas, justificável:

É porque algumas vezes eles não sabem brincar, principalmente os meninos, eles não sabem, eles já vai logo na p..., já vai logo pra resolver aquele assunto. Nós meninas, não. Nós somos diferentes, nós vem pra cá (se referindo ao bloco onde está a sala dos professores e a direção), aí não resolve, aí quando chega lá o negócio aperta, tem que bater nos meninos.

(Luíza, 12 anos) Tal fala vai de encontro com o depoimento de Vitor ao relatar como os colegas reagiam à sua brincadeira de ficar empurrando as pessoas no recreio. Quando questionado porque ele não brincava com as meninas ele afirma:

As meninas eu não brinco, não. Porque elas dá muito tapa.

(Vitor, 11anos) Mais uma vez, percebemos que uma atitude pode ou não ser considerada bullying dependendo do gênero de quem a pratica. Por exemplo, a percepção da estudante Flávia sobre o fato de ser chamada pelo apelido muda de acordo com o gênero do colega. Quando a pesquisadora pergunta qual é a diferença entre botar o apelido de brincadeira e fazer bullying ela responde assim:

A diferença é quando minhas amigas me chamam assim, é brincadeira. Agora os meninos agressivos, eu falo que é bullying.

(Flávia, 11 anos) Na fala de Flávia transcrita acima, percebemos que, além do critério de gênero, há o da amizade. Em sua fala percebemos que ela mantém uma relação mais íntima com as meninas a quem chama de amigas, porém com os meninos que ela qualifica como agressivos notamos uma relação mais conflituosa. Considerando o contexto da fala que era uma resposta sobre o que diferia uma brincadeira de um bullying, podemos concluir

que a aluna considera bullying apenas o fato dos meninos usarem um apelido para se referir a ela, o que os torna agressivos.

O bullying para as professoras

À pergunta Para você, o que seria bullying?, as professoras ofereceram as seguintes respostas:

Agressão psicológica ou física, nesta categoria considerou-se bullying como sendo ações tanto físicas quanto psicológicas que levam ao constrangimento podendo ser involuntárias e praticadas pelos próprios professores:

Bom, eu acho que bullying é qualquer agressão psicológica que uma pessoa faz com a outra, ou física e inclusive acontece muito aqui nessa escola. Às vezes as pessoas praticam, sem perceber que estão praticando. Até a gente tem que se policiar bastante pra... Então esse tipo de agressão psicológica, principalmente é... retrai a outra pessoa, a pessoa fica constrangida.

(Professora Anita) Tratamento grosseiro, refere-se a uma forma grosseira dos estudantes de

tratarem os colegas:

É a maneira grosseira como eles tratam os colegas, não é?

(Professora Bruna)

Atos de constrangimento verbal, quando um estudante agride verbalmente ou critica seus colegas de forma ofensiva, podendo ocorrer também entre os professores:

Bullying é quando um aluno tece uma crítica em cima do outro prejudicando ele.

(Professora Celina)

Pra mim bullying é você... o relacionamento que tem normalmente a gente vê entre os alunos, mas isso acontece no ambiente de trabalho também, com adultos. É você se dirigir ao seu colega de uma maneira que o deprecie

que o faça se sentir inferior, ou que ressalte algum defeito que ele tem, alguma dificuldade que ele tem. Acho que estaria relacionado com isso.

(Professora Daniela) Ah… eu acho que é um tremendo desrespeito a maneira de ser das pessoas, é assim... uma forma de constranger o outro até por inveja... por desrespeito, diminuição do próximo, né? Então as pessoas pegam um ponto fraco ali, detonam com a outra.

(Professora Elisa)

As professoras, por sua vez, quando conceituaram bullying como constrangimentos e agressões verbais e físicas, enfocaram mais em critérios específicos como a necessidade de repetição ou não do fenômeno e nos danos causados ao alvo. O que pode ser observado nessas falas das professoras Anita e Celina:

- Qualquer agressão psicológica que uma pessoa faz com outra, ou física [...] Acho que é bullying se isso acontecer o tempo inteiro. [...] se você dá um apelido para uma pessoa, mas aí aquilo passa, pra mim não é bullying, não. Mas se fica toda vez, todo dia, aquele menino sofre aquele tipo de agressão aí, sim, eu acho que aquilo é bullying porque vai refletir na vida dele mais tarde.

(Professora Anita)

- Bullying é quando um aluno tece uma crítica em cima do outro prejudicando ele. Por exemplo, aproveita a aparência física da criança para chamar de gordinho, baixinho, sardentinho, qualquer outro... dentuço...A partir do momento que isso incomodar a outra criança aí isso é bullying.

(Professora Celina) Podemos concluir pelas falas das professoras, que elas conceberam o bullying como uma forma de constrangimento físico, emocional e/ou verbal que se infringe ao outro com intuito de causar-lhe dano psicológico ou social.

Diferentemente dos alunos, as professoras incluíram em suas definições de bullying critérios utilizados pela literatura acadêmica sobre o tema (OLWEUS, 1993) como a necessidade de repetição do fenômeno e a gravidade da consequência.

Vaillancourt et al. (2008) também constataram que ao definir bullying, os alunos raramente incluem esses critérios, dando ênfase a comportamentos negativos. Guerin (2001), em um estudo com crianças entre 10 e 13 anos concluiu que para elas a interpretação que a criança-alvo faz do incidente e seus efeitos são os critérios mais utilizados pra definir o fenômeno. Assim como nós, esse autor também constatou que a repetição do fenômeno é um critério utilizado mais pelos adultos do que pelas crianças.

A presença da dissimetria de forças aparece na concepção das professoras Daniela e Elisa de forma intrínseca, percebida pelo uso das expressões “se sentir inferior”, “diminuição do próximo” ou “ponto fraco”:

- É você se dirigir ao seu colega de uma maneira que o deprecie que o faça se sentir inferior, ou que ressalte algum defeito que ele tem, alguma dificuldade que ele tem.

(Professora Daniela) - Ah... eu acho que é um tremendo desrespeito a maneira de ser das pessoas, é assim... uma forma de constranger o outro até por inveja... por desrespeito, diminuição do próximo, né? Então as pessoas pegam um ponto fraco ali, detonam com a outra.

(Professora Elisa)

Na fala dos alunos, a dissimetria é percebida por meio das reações ou impossibilidade de reação ao comportamento de bullying principalmente pela força física o que transparece nas falas das alunas Cristiane, Bárbara e Sílvia ao responderem o que fazem ou sentem quando sofrem agressões verbais que elas chamaram de bullying:

Cristiane: Num fiz nada. Eu não posso fazer nada... só deixo ele falando mesmo.