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3.1- A pesquisa qualitativa na perspectiva sócio-histórica

Existem dois procedimentos metodológicos distintos para as investigações psicológicas concretas. Em um deles a metodologia da investigação se expõe separadamente da própria investigação. Em outro, está presente em toda a investigação. Poderíamos citar vários exemplos de um e de outro. Alguns animais – os de corpo mole – levam seu esqueleto externamente assim como o caracol leva a concha; outros têm seu esqueleto dentro, internamente. Esse segundo tipo de estrutura nos parece superior não somente para os animais como também para as monografias psicológicas e por isso a escolhemos. (Vygotski, 1995, p. 28)

O estudo de concepções como nossa questão de pesquisa e a forma com que conduzimos este trabalho, mais preocupados em descrever uma realidade e desenvolver uma compreensão da mesma, o fato de nossos dados serem o discurso dos sujeitos envolvidos e termos uma amostra pequena e o nosso instrumento básico de pesquisa ser entrevistas semiestruturadas nos aproximam de uma abordagem qualitativa.

Dada a natureza controversa das conceituações de bullying, optou-se aqui pela realização de um estudo de “concepções” do fenômeno em vez de “visões” ou mesmo “representações” de bullying. A categoria “concepção” nos permite uma aproximação mais aberta da temática do que categorias como conceitos ou definições. Segundo definição do Dicionário Houaiss, “concepção” pode ser entendida como “faculdade ou ato de apreender uma ideia ou questão, ou de compreender algo; compreensão, percepção” ou “modo de ver ou sentir, ponto de vista; entendimento, noção”.

Santos (1996) utiliza a distinção entre conceito e concepção para discutir as características da chamada infância moderna vis-à-vis as características da infância das sociedades ocidentais do passado e das sociedades tradicionais contemporâneas. Santos (1993) defende que:

[...] ter um conceito de infância implica em distinguir esse estado de outros ciclos da vida; significa reconhecê-la como um estado específico e diferente, e, além disso, demonstrar efetivamente esse reconhecimento das especificidades desse estado. Já concepção, por outro lado, é a definição dos atributos utilizados para fazer a distinção da infância como estado específico. Uma sociedade demonstra uma concepção de infância revelando, através do seu discurso, de suas atitudes e de seus comportamentos, uma visão sobre as particularidades infantis. (p. 125)

Segundo González Rey (2005), muito além de ser uma definição instrumental ou opção metodológica, a pesquisa qualitativa é uma discussão epistemológica e teórica e se debruça sobre o conhecimento de um objeto complexo: a subjetividade. Essa, por sua vez, está implicada em diferentes processos mutáveis e imbricados no contexto que o sujeito concreto expressa: “A história e o contexto que caracterizam o desenvolvimento do sujeito marcam sua singularidade, que é a expressão da riqueza e plasticidade do fenômeno subjetivo (p.50).”

Para esse autor, tal Epistemologia Qualitativa apoia-se em três princípios importantes: (i)O conhecimento é uma produção construtiva-interpretativa, ou seja, não há definições de categorias universais e invariáveis, as categorias são usadas por meio de indicadores, que são significados hipotéticos que se definem a partir de elementos ou conjunto de elementos da informação analisada (GONZALES REY, 2005), e o uso da teoria apenas instrumentaliza o pesquisador durante o processo interpretativo; (ii)O caráter interativo do processo de produção do conhecimento no qual a interação pesquisador-pesquisado torna-se essencial no processo de produção de conhecimentos, assimilando todos os imprevistos do sistema de comunicação humana, considerando-os como situações significativas para o conhecimento, quando se considera o caráter interativo do conhecimento, o contexto e as relações entre os sujeitos de pesquisa tornam-se essenciais para a qualidade do conhecimento produzido; por fim (iii)A significação da singularidade como nível legítimo da produção de conhecimento. Na Epistemologia Qualitativa proposta por Gonzales Rey, o sujeito é trabalhado em sua singularidade, não se busca o olhar uniformizador sobre ele, mas a sua individualidade em condição de sujeito (pp. 31-36)

A subjetividade para González Rey (2005) é um sistema complexo de significações e sentidos subjetivos que se produzem no nível individual e também na vida cultural humana. Essas duas esferas – a social e a individual – são essenciais para a sua constituição. Nesse sentido o autor afirma que:

A subjetividade seria, de acordo com a definição por nós proposta dentro da perspectiva histórico-cultural, um sistema não fundado sobre invariantes universais que teria como unidade central as configurações de sentido nas diversas áreas de sua vida (p.35).

Por esse motivo, não buscamos um número grande de sujeitos, e sim sujeitos suficientes para compreender o fenômeno investigado e as questões abordadas na

pesquisa. Acreditamos que os 21 sujeitos de pesquisa - cinco professoras e dezesseis estudantes – foram suficientes para produzir o conhecimento que buscávamos.

Nesse sentido, consideramos que a concepção do termo bullying assim como as situações apresentadas pelos sujeitos entrevistados deveriam ser analisadas levando em consideração a situação em que ocorrem, o contexto sócio-histórico-cultural e a relação entre os diversos atores e fatores envolvido. Os atores de bullying podem muitas vezes trocar de papel conforme o contexto social, ou seja, um aluno agressor2 pode se tornar vítima em outro momento ou em outra esfera social (PINTO; BRANCO, 2011). Além do mais, concordamos com Bock e Aguiar (2003) que os diversos problemas que surgem na escola ou, de maneira mais ampla, as diversas situações que surgem na escola devam ser compreendidas como expressão de problemas da sociedade que se singularizam nas relações sociais da escola.

Com esse propósito, buscamos na pesquisa qualitativa um olhar da perspectiva sócio-histórica na qual a valorização dos aspectos descritivos é complementada pela explicação e as percepções pessoais e que percebe o particular como instância da totalidade social, procurando compreender por meio da fala dos sujeitos envolvidos, não apenas os próprios sujeitos, mas também o contexto.

Vigostsky (1999) procurou superar o que ele denominou de “crise da Psicologia” a qual ele considerava fundamentalmente uma crise metodológica, pois, para ele, nenhuma das teorias psicológicas existentes na sua época era capaz de formular uma teoria geral de Psicologia ou tampouco de explicar o psiquismo humano. Para tanto, Vygostsky apropriou-se do materialismo histórico dialético como mediação para a formulação da Psicologia Histórico-Cultural e propôs a superação e o rompimento do dualismo interno/externo, biológico/social, ontogênese/filogênese, psíquico/orgânico, homem/sociedade, objetividade/subjetividade, sujeito/objeto, consciência/realidade etc.

Segundo Luria (2010), para Vigostky a história social do indivíduo influencia suas atividades cognitivas básicas e são produtos do desenvolvimento histórico-social do contexto em que o indivíduo vive. Essa concepção elimina a ideia de que habilidades cognitivas e as formas de estruturar o pensamento são determinadas por fatores congênitos. É por meio dessa nova visão do desenvolvimento humano, que a       

2 Apesar e optarmos por usar os termos agente/alvo /observadores para nomear os papéis desempenhados pelos estudantes em situação de bullying, vamos manter ao longo do nosso trabalho as diferentes denominações que os autores citados usaram em seus textos originais.

história da sociedade e a história pessoal de cada indivíduo passam a ser objeto de estudo da Psicologia.

Bock (2004) afirma que a Psicologia Sócio-Histórica acredita que o fenômeno psicológico se desenvolve ao longo do tempo e cita os seguintes desdobramentos desse pensamento: i) o fenômeno psicológico não pertence à natureza humana; ii) o fenômeno psicológico não preexiste ao homem; iii) o fenômeno psicológico reflete a condição social econômica e cultural em que vivem os homens.

Sendo assim, um fenômeno psicológico deve ser entendido como “construção no nível individual do que se constituiu na relação com o mundo material e social, mundo este que só existe pela atividade humana” (BOCK, 2004, p.6). Dessa forma, podemos considerar o bullying um constructo social que ocorre na relação entre pares e deve ser compreendido como sendo constituído sócio-historicamente nas e pelas interações estabelecidas com os outros na realidade objetiva. Destaca-se, dessa forma, o papel ativo do sujeito agente opondo-se ao determinismo cultural.

3.2 – Os instrumentais utilizados

Esta pesquisa valeu-se de entrevistas semiestruturadas a qual seguiu os roteiros de entrevistas que se encontram no Apêndice I. O roteiro de entrevista dos alunos foi constituído de oito questões abertas que visavam averiguar as suas concepções sobre o termo bullying e as causas por eles atribuídas ao fenômeno além de questões relativas às características sócio-biográficas de cada um. Com relação às professoras, o roteiro de entrevista também continha quatro questões abertas que buscavam averiguar a concepção sobre bullying e suas causas além de quatro questões relativas a atuação profissional das entrevistadas.

Na perspectiva de González Rey (1999), os instrumentos de pesquisas são: “todos os procedimentos encaminhados a estimular a expressão do sujeito estudado, são simplesmente indutores de informação que não definem o sentido final dela” (p.79).

E, ainda de acordo com o autor, devem ser encarados como uma ferramenta interativa cuja aplicação deve envolver o sujeito de pesquisa e sua expressão está ligada

a seus sentimentos, necessidades e conflitos bem como à relação com o pesquisador e ao clima dialógico da pesquisa.

Numa perspectiva sócio-histórica de pesquisa qualitativa, o instrumento utilizado deve provocar a expressão do sujeito permitindo que ele forneça ao pesquisador indicadores que possibilitem o processo construtivo e interpretativo que levará à construção do conhecimento (OZELLA, 2003).

Consideramos, assim como Aguiar e Ozella (2006), a entrevista um instrumento rico e que permite acesso aos processos psíquicos que buscamos.

3.3 – Os participantes e os procedimentos de construção dos dados

Optou-se por entrevistar alunos de 5ª- série que se encontravam na faixa etária entre 11 e 13 anos, pois pesquisa realizada pela CEATS - Centro de Empreendedorismo Social e Administração em Terceiro Setor, ligado à FIA - Fundação Instituto de Administração com 5168 alunos, apontou que alunos nesse nível de escolaridades estão mais vulneráveis ao bullying (CENTRO DE EMPREENDEDORISMO SOCIAL E ADMINISTRAÇÃO EM TERCEIRO SETOR, 2010).

A escola onde coletamos os dados está localizada numa região bastante privilegiada do DF que, para preservar a identidade dos participantes da pesquisa, será chamado de bairro Z. Sua clientela, porém, é basicamente constituída por crianças e adolescentes moradores da região e, principalmente, de um bairro pobre da periferia de Brasília, que chamaremos de bairro X. Essa escola apresenta dez turmas de 5ª série e cinco turmas de 6ª série no período matutino. No vespertino, oferece educação infantil e todos os quatro anos das séries iniciais do Ensino Fundamental. Oferece, ainda, Educação de Jovens e Adultos nas quatro séries finais do Ensino Fundamental no período noturno.

Foi fundada há mais de 35 anos e durante todo esse período passou apenas por pequenas reformas, observamos que a estrutura física das salas de aula está bastante deteriorada apresentando instalações elétricas soltas e visíveis, algumas salas estão sem portas, com muitas pichações, mal iluminadas e com janelas quebradas. No começo do turno matutino, repetidas vezes, observamos alunos passando em várias salas a fim de encontrar cadeiras e mesas para estudar.

A escolha dessa escola deu-se principalmente pela disposição da direção em nos receber e pela localização bastante privilegiada que nos permitiria quantas visitas fossem necessárias. Contribuiu também o fato de existirem pelo menos quatro turmas com pequenas distorções idade/série o que facilitaria a manutenção do foco na faixa etária que objetivávamos além da heterogeneidade social do corpo discente.

Para González Rey (1999), o caráter interativo do processo de produção de conhecimento na Epistemologia Qualitativa enfatiza não só que as relações investigador-investigado são uma condição para o desenvolvimento das investigações, mas também que a interação é uma dimensão essencial do processo de produção de conhecimentos, é um atributo constitutivo desse processo no estudo dos fenômenos humanos. Tendo em vista esse atributo epistemológico, faremos a seguir um breve relato de como se deu a interação entre a pesquisadora e os participantes.

Após aprovação da pesquisa pelo Conselho de Ética em Pesquisa da Universidade Católica de Brasília (CAAE: 04069212.9.0000.0029) e autorização da direção da escola, solicitamos à professora Anita o uso de algum tempo de suas aulas com a apresentação da pesquisa. A professora sugeriu duas turmas, segundo ela, a primeira era mais calma e participativa e outra, também participativa, porém com uma configuração disciplinar que a professora denominou “muito agitada”.

Entramos na turma mais calma, apresentamos a pesquisa e solicitamos que os alunos escrevessem dois textos pequenos sobre bullying. No final da atividade, convidamos todos os alunos para uma entrevista individual e distribuímos os Termos de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) (ANEXO A) para ser assinado pelos pais ou responsáveis para os oito alunos que se prontificaram a participar da pesquisa. Porém, após uma semana, conseguimos apenas quatro entrevistas as quais consideramos insuficientes para responder às questões de pesquisa.

Decidimos, então, buscar a inserção na outra turma sugerida pela professora Anita. Foram seguidos os mesmos procedimentos e distribuídos o TCLE para seis estudantes que se voluntariaram.

No outro dia, quando voltamos para fazer as entrevistas, havia faltado uma professora. Aproveitamos a oportunidade, com o consentimento da professora Anita, para conversar mais informalmente com os alunos, esclarecer melhor sobre a pesquisa e

como eram as entrevistas. Dessa vez, mais alunos se dispuseram a participar e levaram o TCLE para assinatura dos responsáveis.

Dessa forma foi possível atingir um número de entrevistas que consideramos suficiente para responder aos objetivos e uma equiparação na quantidade de alunos e alunas participantes. No total participaram da pesquisa16 alunos – 8 meninas e 8 meninos. Os grupos de participantes meninas e meninos foram denominamos de GRUPO 1 e GRUPO 2 respectivamente. O quadro 1 apresenta a idade e nome fictício de cada uma dos alunos e alunas participantes.

Quadro I: Alunos e alunas participantes por idade

GRUPO 1- MENINAS GRUPO 2 - MENINOS

ALUNAS IDADE ALUNOS IDADE

Patrícia 12 anos Léo 11 anos

Luíza 13 anos Vitor 11 anos

Mariana 11 anos Marcelo 11 anos

Cristiane 11 anos Celso 12 anos

Bárbara 12 anos Wiliam 11 anos

Flávia 11 anos Pedro 13 anos

Sílvia 11 anos João 12 anos

Helena 11 anos Paulo 13 anos

Para a construção dos dados com os professores, foi novamente solicitada a autorização do diretor da escola e todos os professores que lecionavam na turma da 5ª- série foram convidados para participar da pesquisa. Os convites aos professores foram feitos individualmente e na maioria das vezes durante a entrada do turno matutino. Tal momento, muitas vezes, pareceu bastante conturbado, pois era usado pela direção e até mesmo pelos próprios professores para dividir as aulas dos professores ausentes com os que tinham horários vagos. Em todas as dez vezes que estivemos na escola, no início das aulas, houve professores ausentes.

Após duas tentativas fracassadas de entrevistar professores no período de coordenação que ocorria em turno vespertino, a pesquisadora combinou de entrevista- los nos horários vagos em que não estavam em regência no matutino. Porém, devido às substituições, apenas as professoras que chamamos Anita e Bruna foram entrevistadas nessa circunstância. A professora Elisa foi entrevistada no corredor em frente à sala em

que ela estava passando uma atividade para substituir um colega que faltara e, as outras duas – denominadas Daniela e Celina - ocorreram durante o recreio. De um universo de 10 professores regentes na 5ª série, cinco professoras aceitaram participar da pesquisa, assinaram o TCLE e foram entrevistadas, número que consideramos satisfatório para responder aos nossos objetivos. Ao grupo de professoras demos o nome de Grupo 3.

Situações de entrevista são descritas por Bourdieu (1999) como geradoras de “comunicação violenta”, nas quais os sujeitos se vêm impelidos à censura que impede entrevistadores e entrevistados de dizer certas coisas e os incitam a acentuar outras. Tal “comunicação violenta” que é mais precisamente uma violência simbólica pode tornar- se mais contundente quando há diferenças de “habitus” – principalmente os de classe – do entrevistador e do entrevistado.

Segundo Bourdieu (1999), tal dissimetria social causada pela atualização do “habitus” de classe que ocorre em todo e qualquer discurso, não apenas em entrevistas, pode ser reforçada se considerarmos que é o “[...] pesquisador que inicia o jogo e estabelece a regra do jogo, é ele quem geralmente atribui à entrevista, de maneira unilateral e sem negociação prévia, os objetivos e hábitos, às vezes mal determinados, ao menos para o entrevistado” (p.695).

No sentido de amenizar essa violência simbólica, procuramos no início de cada entrevista garantir aos sujeitos total anonimato, explicando que a participação era totalmente voluntária e que qualquer pergunta que causasse algum embaraço poderia não ser respondida. Foi feita uma breve apresentação da pesquisadora que informou ser professora e atuar no Ensino Fundamental, séries finais, ministrando aulas de Português e que, no momento, se encontrava a afastada de suas atividades pedagógicas para dedicar-se a essa pesquisa. Além desses esclarecimentos foi solicitada autorização dos participantes para gravação em áudio das entrevistas e dada uma explicação sobre o objetivo da pesquisa Por fim, nos dispusemos a responder qualquer pergunta que o entrevistado quisesse fazer.

As perguntas feitas pelos alunos foram poucas e basicamente eles gostariam de saber o que é Mestrado, como funcionava o aparelho que estava sendo usado para gravar as entrevistas e se a pesquisadora iria dar aulas para eles. Os professores já ficaram mais à vontade para vários questionamentos sobre a vida profissional da pesquisadora, a Universidade na qual estava estudando e, principalmente, sobre o regime de Afastamento Remunerado para Estudo em que esta se encontrava.

A diferença na quantidade de questionamentos entre os professores e os alunos leva-nos a considerar que a violência simbólica causada pela entrevista devido à noção de “habitus” de classe, idade e papel social, pode ter influenciado o discurso dos alunos mais que dos professores, já que, nesse caso, entrevistador e entrevistados pertenciam à mesma classe social e profissão, mesmo sexo e geração.

Considerar a possibilidade de diferenças nas entrevistas com alunos e professores também é importante no contexto desta pesquisa uma vez que foi realizada uma comparação entre os dados de professores e alunos e não considerar essa influência poderia diminuir a validade de nossos esforços metodológicos.

A partir dos relatos dos entrevistados e de algumas observações feitas pela pesquisadora, podemos descrever os entrevistados da seguinte maneira:

GRUPO 1 – MENINAS

O grupo 1 foi formado pelas estudantes Patrícia, Luíza, Mariana, Cristiane, Bárbara, Flávia, Sílvia e Helena. A estudante que denominamos Patrícia tinha 12 anos e se considerava alvo de bullying – ela usou a expressão “vítima” – e assumiu que no passado também havia sido autora dessa prática, mas que parara. Quando alvo, ela considerou que o apoio de professores e direção a ajudou, mas sentiu vergonha de vir para a escola, apesar de não querer parar de estudar. Apontou a colega Helena como alvo de bullying e relatou o fato de alguns colegas ficarem “mexendo nas coisas” dos outros, ou seja, tocando nas partes íntimas dos colegas.

Luíza, assim como Patrícia, também disse que é vítima de bullying. Tinha 13 anos quando foi entrevistada. Relatou que sofre “zoação” pelo seu tipo de cabelo (crespo) e por trabalhar ajudando a tia. Quando era “zoada”, tentava disfarçar, mas disse que não adiantava e que conversava com as amigas para não sofrer. Disse que revidar é pior, porém batia nos colegas do sexo masculino com a autorização do professor André. Disse que em alguns momentos fazer bullying serve para animar os colegas. Citou Helena como alvo por esta ter sido excluída do grupo e foi citada por Mariana que a considerava mandante de uma agressão verbal sofrida por esta.

A estudante Mariana tinha 11 anos e disse que sofreu bullying tipificado em xingamento por meio de carta anônima na qual ela foi chamada de “dentuça”, “falsa”, “quatro olho (sic)” e com ameaça de agressão física; acreditava que a autora da carta o fez por ordem de Luíza. Vinha sendo chamada de “cara de cachorro” pelos colegas e se

sentia humilhada nessas situações. Pediu ajuda para os pais que vieram reclamar com a direção da escola. Para ela, isso não adiantou nada, pois as crianças denunciadas apenas mudaram o xingamento para “fedorenta” e “cara de hot-dog”.

Já a estudante Cristiane tinha 11 anos e disse que era xingada e que achava que isso era bullying. Não reagia, se calava. Era chamada de “feijão” há algum tempo por um colega e achava que é racismo, porém ela tem olhos, pele e cabelos claros apesar de