• Nenhum resultado encontrado

Texto 4 Covardia explícita (reportagem, p.50)

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Partindo de uma concepção interacionista de leitura nos propomos a fazer uma investigação sobre o gênero reportagem no livro didático. Nosso objetivo recaiu sobre as

habilidades de compreensão leitora. Assim analisamos questões de compreensão de reportagens em livros didáticos destinados a crianças de 4a série e os modos como os alunos lidam com tais questões. O enfoque no livro didático deu-se por acreditarmos que esse é um recurso muito utilizado pelo professor em sala de aula. Pensamos também em observar o uso de uma seqüência na escola, para entendermos como os alunos lidam com tais questões. Desse modo, os seguintes objetivos específicos orientaram tal pesquisa:

● analisar as reportagens presentes em dois livros didáticos destinados a alunos do 5º ano do Ensino Fundamental (4ª série), para analisar se as mesmas são adequadas ao público-leitor do livro didático e identificar algumas estratégias de leitura e conhecimentos que esses textos demandam para a construção de sentidos;

● analisar as questões de compreensão referentes à leitura de reportagens nesses livros didáticos;

e

● analisar as respostas que a crianças dão às questões de compreensão leitora propostas em uma seqüência envolvendo o gênero reportagem num livro didático, investigando que capacidades de leitura demonstram estar mobilizando para dar conta da tarefa.

Para darmos conta de tais objetivos, fizemos um levantamento teórico sobre a temática da compreensão leitora em reportagem. A partir dos estudos sobre o gênero em questão, entendemos que a reportagem é um gênero misto: ora ele se apresenta com estrutura predominantemente narrativa, ora ele se apresenta com estrutura predominantemente argumentativa, e em outros com estrutura descritiva.

As análises do que dizem os autores sobre tal gênero evidenciaram que a reportagem é um gênero ao mesmo tempo da ordem do relatar e do argumentar, dependendo das finalidades dela. As reportagens factuais tendem a focar mais no relato de fatos e as não factuais, na exposição, com defesa de pontos de vista, de uma determinada temática.

As análises das reportagens dos livros mostraram que, ao tratar de uma problemática social, o jornalista dá margem para refutação, e procura sustentar o ponto de vista adotado inicialmente, fazendo uso em alguns momentos de exemplos e depoimentos, além de comentários sobre fatos e temas. Foi observado também que as reportagens inseridas nos livros exigem a elaboração de inferências no processo de compreensão.

Consideramos importante o trabalho com esse gênero em sala de aula para desenvolver nos alunos diferentes habilidades como: discutir temáticas sociais passíveis de refutação; sustentação, refutação e negociação de pontos de vista.

Nas análises das seqüências dos dois livros didáticos foram encontradas ao todo 14 reportagens, sete no livro A (Português: uma proposta para o letramento) e sete no livro B (Construindo a escrita: texto, gramática e ortografia). Nove reportagens são de natureza não- factual, com foco em um assunto, uma temática e não um acontecimento de grande impacto para a população. A reportagem factual foi encontrada cinco vezes.

As reportagens foram retiradas de diferentes suportes textuais (jornais, revistas ou internet). Algumas delas foram retiradas de suportes voltados para o público infanto-juvenil, havendo exploração em alguns momentos desses suportes. Os textos retirados de suportes destinados ao público infantil foram encontrados no livro A.

Quanto à qualidade dos textos analisados pode-se afirmar que, via de regra, eram bem selecionados, com temáticas próprias à idade. No livro A, todos os textos são integrais e autênticos. No livro B foram encontrados três textos adaptados, sem informações sobre os tipos de adaptações feitas.

Nas seqüências analisadas, foi percebido um trabalho que trazia reflexões sobre as características próprias do gênero reportagem, e também do suporte do qual tinham sido retiradas. Com relação ao gênero, foram explorados aspectos referentes à conceituação do gênero; reflexões sobre a manchete e o olho da reportagem, sobre os contextualizadores de tempo e espaço, reflexões sobre a organização do texto em boxes ou colunas; sobre a adequação do vocabulário ao público esperado; a presença de exemplos e depoimentos de entrevistados. Também encontramos reflexão sobre as manchetes e os olhos das matérias e sobre o lead e reflexões sobre como a seleção lexical provoca efeitos de sentido no leitor.

Com relação ao suporte foram realizadas reflexões sobre a organização do jornal em cadernos e o tipo de público esperado para o caderno infanto-juvenil e sobre semanário, com exploração da data e local de publicação. Chamamos a atenção que essas reflexões foram encontradas apenas no livro A.

Além da reflexão sobre o gênero e o suporte foram vistas questões com foco maior no conteúdo textual, com questões de estímulo ao uso de diferentes estratégias de leitura: ativação de conhecimentos prévios sobre o tema, antecipação de sentidos do texto com base no título e na imagem; elaboração de inferências; localização de informações e interpretação de frases e/ou expressões do texto, emissão de opinião sobre o texto, apreensão do sentido global do texto; estabelecimento de relação entre textos; levantamento de hipóteses; previsões

sobre texto, havendo predominância no livro A de questões de elaboração de inferências e de localização de informações, e no livro B de estratégias de relação entre textos. Todos os tipos de questões de leitura encontrados são importantes para formação do leitor estratégico, que lê atribuindo sentido. Alguns desses tipos de questões são solicitados nos exames nacionais de avaliação: o Saeb e o Prova Brasil.

As questões encontradas exploravam também a dimensão argumentativa presente nos textos. Percebemos que houve reflexão de posicionamentos contrários; dos pontos de vista apresentados, das defesas de pontos de vista implícito e explícito; justificativas de ponto de vista defendido e da apresentação de contra-argumentos.

Podemos dizer que as seqüências envolvendo o gênero reportagem foram ricas, contribuindo para a formação de um leitor autônomo e com bom entendimento das características do gênero, principalmente no livro A. Porém, fazemos uma ressalva com relação ao livro B: apenas quatro reportagens inseridas no livro foram alvo de atividades voltadas para desenvolver a compreensão de textos ou as reflexões sobre os aspectos sociointerativos. As demais reportagens encontradas foram utilizadas para trabalhar conteúdos gramaticais.

Como dito anteriormente, os dois livros foram aprovados no PNLD. No guia do PNLD 2004, os livros didáticos “Português: uma proposta para o letramento” e “Construindo a escrita: textos, gramática e ortografia” foram recomendados com distinção. Essa classificação era descrita no documento como as que tinham “suas propostas didático-editoriais com um nível de qualidade perto da excelência” (Brasil, 2003, p.46). Como dissemos, as duas obras contemplaram habilidades importantes, estimuladas a partir de textos de boa qualidade. Mas as diferenças quanto ao que estava sendo priorizado foram grandes e só foram claramente explicitadas em 2007.

No guia do PNLD 2007, o livro didático “Português: uma proposta para o letramento” está classificado no bloco 2 – coleções organizadas por unidade temáticas sensíveis a gênero/tipo de texto. Os livros classificados nesse bloco, “além de levar em conta o tema na organização das unidades, capítulos ou lições, buscam também articular tais temas com o estudo de um ou mais gêneros, suportes, mídias, contextos ou funções da linguagem” (Brasil, 2006, p.111); O livro “Construindo a escrita: textos, gramática e ortografia” está inserida no bloco 5- coleções modulares, organizadas por eixo de ensino. Essas coleções geralmente “dividem-se em partes dedicadas à leitura e produção de textos (orais e escritos) – eixo do uso da língua – e em atividades voltadas ao conhecimento lingüístico (gramática e ortografia) – eixo da reflexão sobre a língua” (Brasil, 2006, p. 259). Vê-se, pois, que as propostas

pedagógicas realmente são diferentes. Embora as duas obras demonstrem preocupação com aspectos relativos aos usos e funções da língua, a ênfase que se dá aos processos de reflexão e inserção nas diferentes práticas sociais é maior na obra A, confirmando, desse modo, as análises feitas no Programa Nacional do Livro Didático.

Salientamos a importância dessa análise mais refinada dos livros, com tal tipo de informação. Desse modo, pode-se auxiliar os professores a realmente entender melhor quais são os princípios de organização da proposta do livro, escolhendo o que melhor se adequa a suas próprias concepções.

Após análise dos livros, fizemos a observação da aplicação de uma das seqüências de um dos livros analisados em sala de aula, para vermos a questão da adequação das perguntas ao nível de escolaridade para o qual elas foram pensadas. A observação da aula e análise das respostas dadas pelos alunos às questões de interpretação escrita evidenciaram que a seqüência aplicada pela docente era adequada ao público e estimulava os alunos a refletir sobre o texto, mobilizando conhecimentos temáticos e conhecimentos sobre o gênero. Percebemos que os alunos se mostraram interessados e participativos durante a execução da atividade, não demonstrando cansaço ou desinteresse. As questões foram consideradas instigantes, pois prenderam a atenção dos alunos, tendo sido respondidas por parte da turma. Desse modo, elas eram acessíveis e desafiadoras: não eram fáceis demais e nem difíceis demais. O trabalho de checagem coletiva das respostas e a continuidade do trabalho, com reflexões orientadas pelas outras seqüências, com certeza promoveriam muita aprendizagem.

Concluímos, desse modo, que o livro A trata de modo pertinente, rico e desafiador o gênero reportagem, podendo ser um recurso propício a aprendizagens, se usado por professores com dedicação e empenho, como a professora que participou da pesquisa. O livro B, apesar de conter bons textos e boas atividades, reduz o trabalho com leitura a apenas duas seqüências, tratando os conteúdos gramaticais de modo desarticulado, sem exploração dos recursos lingüísticos para constituição de sentidos.

Por fim, gostaríamos de reafirmar que o trabalho com a diversidade de gêneros discursivos, com exploração de aspectos composicionais e sociointerativos, conduz os alunos a interagir com os textos de modo mais crítico e autônomo e que, a exploração da dimensão argumentativa dos textos é possível e pertinente nesse nível de escolaridade.