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O papel da interação em pares durante a leitura na compreensão

A interação é importante para dinamizar e estimular a participação ativa dos alunos no processo de ensino e aprendizagem na escola, beneficiando, com isso, a relação entre aprendizado e desenvolvimento. Essa interação pode ser vivenciada em grandes grupos, pequenos grupos ou mesmo em pares de alunos. Ao pesquisarem a interação em pares em situações de produção de textos, Leal e Luz (2001) afirmam que o trabalho em pares pode,

favorecer a tomada de consciência acerca das decisões a tomar, pois idéias conflitantes desautomatizam a tarefa da escrita (...) que a interação pode levar as crianças a trocarem informações e testá-las durante a geração do texto, assim como partilhar estratégias para coordenar as ações durante a atividade (p.29).

Os autores sócio-interacionistas, sobretudo Vygotsky, mostraram a importância da interação das crianças com outras crianças, e dessas com adultos. Vygotsky (1998) defendia que há uma relação direta entre desenvolvimento e aprendizagem; e que existem dois tipos de desenvolvimento: o real e o proximal. O real está relacionado às funções mentais amadurecidas, enquanto que o proximal refere-se ao que a criança é capaz de fazer com ajuda de um adulto ou de crianças mais experientes.

A zona de desenvolvimento proximal define aquelas funções que ainda não amadureceram, mas que estão em processo de maturação, funções que amadurecerão, mas que estão presentemente em estado embrionário. Essas funções poderiam ser chamadas de “brotos” ou “flores” do desenvolvimento, ao invés de “frutos” do desenvolvimento. O nível de desenvolvimento real caracteriza o desenvolvimento mental retrospectivamente, enquanto a zona de desenvolvimento proximal caracteriza o desenvolvimento mental prospectivamente (VYGOTSKY, 1998, p. 113).

A zona de desenvolvimento proximal propicia o acesso ao que “já foi atingindo através do desenvolvimento, como também àquilo que está em processo de maturação (...). Aquilo que é a zona de desenvolvimento proximal hoje será o nível de desenvolvimento real amanhã” (Vygotsky, 1998, p.113).

A distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes (VYGOTSKY, 1998, p. 112).

Quanto ao aprendizado e sua relação com o social, Vygotsky (1998, p. 115) afirma que “o aprendizado humano pressupõe uma natureza social específica e um processo através do qual as crianças penetram na vida intelectual daquelas que as cercam”. Por fim, Vygotsky (1998, pp. 117-118) diz:

Propomos que um aspecto essencial do aprendizado é o fato de ele criar a zona de desenvolvimento proximal; ou seja, o aprendizado desperta vários processos internos de desenvolvimento, que são capazes de operar somente quando a criança interage com pessoas em seu ambiente e quando em cooperação com seus companheiros. Uma vez internalizados, esses processos tornam-se parte das aquisições do desenvolvimento independente da criança.

A importância da interação para o aprendizado, assim como para o desenvolvimento cognitivo de crianças, pode ser vista também em uma pesquisa desenvolvida por Moro (1991), que observou a realização de tarefas por crianças em pequenos grupos. Quanto aos resultados dessa pesquisa, a autora chama a atenção para os avanços cognitivos dos sujeitos a partir do confronto de idéias. Moro (1991) diz que, para haver aprendizagem e desenvolvimento, faz-se necessário o conflito e para que esse ocorra, precisa-se de confrontação de idéias opostas, que são facilmente encontradas nas discussões nos pequenos grupos em especial nas duplas de trabalho.

Essa idéia ganha força ao recordamos, da epistemologia genética, a hipótese de que, para os avanços cognitivos individuais, antes há que haver os conflitos cognitivos. E estes vêm tão-somente do confronto de esquemas ou opiniões ou ações ao menos diferentes e, mais do que tudo, opostas. Estes confrontos apareceriam de modo especial nas trocas interinviduais no pequeno grupo, quando o outro traria a cada indivíduo a possibilidade significativa de expressar, de tomar consciência daquelas diferenças ou oposições (MORO, 1991, p. 40)

Para Davis, Silva e Espósito (1998, p. 50), “o papel e o valor das interações sociais para o conhecimento e para a sala de aula (...) é a de levar seus alunos a se apropriarem do saber escolar”. Esses dizem que “o desenvolvimento cognitivo depende tanto do conteúdo a ser apropriado como das relações que se estabelecem ao longo do processo de educação e ensino”.

Quando se fala em interação social, desloca-se a ênfase das ações – físicas ou mentais – do sujeito, para se ressaltar a ação partilhada, ou seja, processos cognitivos realizados não por um único sujeito e sim por vários. Nesse sentido, interações sociais fazem-se necessárias sempre que não for possível se alcançar, em isolado, a solução para um dado problema: cada aluno deve se incubir de parte do processo de

construção de conhecimentos para que, num esforço conjunto, a solução seja alcançada (DAVIS, SILVA E ESPÓSITO, 1989, p. 52).

Sabendo das diferentes demandas cognitivas ativadas durante o processo de compreensão de um texto e ressaltando as dificuldades apresentadas em alguns momentos pelos leitores principiantes, acreditamos que a interação entre pares pode auxiliar nesse processo, pois, como já foi dito, é a partir da interação com o outro, que vai servir como suporte a esses leitores, que ele poderá dar conta de tarefas que ainda não possui autonomia para realizar.

Nesses momentos de interação, na execução de atividades de compreensão leitora, pode-se criar a Zona de Desenvolvimento Proximal e esta por sua vez permitirá ao leitor menos fluente acessar o que ainda está em processo de maturação.

Davis, Silva e Espósito afirmam que:

A interação com o outro – seja ele um adulto ou uma criança mais experiente – adquire, assim, um caráter estruturante na construção do conhecimento na medida em que oferece, além da dimensão afetiva, desafio e apoio para a atividade cognitiva. A interação social atua, dessa forma, sobre a Zona de Desenvolvimento Proximal, fazendo com que processos maturacionais em andamento venham a se completar, fornecendo novas bases para novas aprendizagens (DAVIS, SILVA e ESPÓSITO, 1989, p.52).

A discussão sobre tal questão, nesse estudo, é de fundamental importância, porque a investigação sobre as atividades propostas nos livros didáticos será feita em dois momentos. No primeiro, será conduzida a análise das obras e, no segundo, a análise de uma situação didática em que o uso do livro se faz presente. A situação analisada era feita em partes, incluindo atividades em grande grupo e em duplas. Como nosso objetivo não é o de avaliar se os alunos já desenvolveram as habilidades / conhecimentos demandados na seqüência, e, sim, refletir sobre o potencial das atividades para gerar aprendizagem, a proposta de que resolvam as questões em dupla é pertinente, pois assim cada aluno poderá contar com o apoio / conhecimento do seu par, sendo capaz de responder perguntas que sozinho não conseguiria.

Consideramos, na verdade, que uma atividade didática é boa, não quando ela é respondida corretamente pelo grupo classe ou quando ela não é acessível aos alunos e, sim, quando ela gera reflexão, ou seja, quando ela é possível de ser resolvida, mas apresenta-se como um desafio, como um problema que, em grupos ou em duplas, possibilitam construção de conhecimentos. Os dados, portanto, foram analisados com base nesse pressuposto.

Podemos dizer, portanto, que o agrupamento em pares contribui para a realização das atividades propostas, na medida em que permite a criação de uma zona de desenvolvimento proximal entre os alunos. Como já dito, no momento da leitura de um texto, é preciso acionar diferentes estratégias para que ele seja compreendido, uma delas é a “decodificação”. Para ler um texto e atribuir-lhe sentido, os alunos terão que fazer as correspondências grafofônicas e acionar outras estratégias como antecipação de sentido, levantamento e checagem de hipóteses, avaliação e controle da compreensão do texto, interpretação de expressões, elaboração de inferências, ativação de conhecimentos prévios dentre outros. Acreditamos que o acionamento dessas estratégias será facilitado no trabalho em pares, favorecendo assim a atribuição de sentido ao texto e conseqüentemente um percentual maior de acertos das respostas nas atividades de interpretação de textos. Por outro lado, como a compreensão de um texto é realizada com base nos conhecimentos prévios relativos aos gêneros ou aos conteúdos, em interação, os alunos podem socializar saberes e chegar a respostas que sozinhos não conseguiriam.

Para darmos continuidade às reflexões, finalizaremos essas considerações apresentando algumas informações sobre o tipo de documento que estamos tomando como objeto de estudo: o livro didático.