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A) EIXO 2 DINÂMICA FAMILIAR: CONFLITOS E SOLUÇÕES

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O exercício da paternidade está intimamente relacionado às questões de gênero, sobretudo à construção do que é ser homem e ser mulher em nossa sociedade, por sua vez determinada pelo poder e pela divisão sexual do trabalho ao longo de nosso processo sócio-histórico. Vivemos em um processo de questionamentos desses lugares construídos e na busca de igualdade nas questões de gênero, dentre as quais a saúde sexual e reprodutiva e a parentalidade são temas cada vez mais freqüentes, agora com a inclusão masculina na discussão de seus direitos e deveres nessa área.

Na paternidade, essa discussão tem colocado em pauta, principalmente, a responsabilidade masculina pelos cuidados com os filhos uma vez que, como já discutido, a responsabilidade financeira e autoridade moral já são aspectos assumidos tradicionalmente pelo homem no seu exercício de ser pai. Como ilustra Velásquez (2006):

La paternidad es una relación social compleja, que va más allá del hecho de engendrar un ser humano y que generalmente comprende otras dimensiones, como las de proveer económicamente, ejercer autoridad, proteger, formar y transmitir valores y saberes de padres a hijos e hijas. Asimismo, la participación masculina en la crianza y cuidado de sus pequeños es un aspecto que también se considera central en el ejercício de la paternidad cuando se extienden los valores democráticos en la familia y se busca el logro de una mayor equidad de género. (p.168)

Segundo a autora, há uma forte relação entre a masculinidade e a paternidade, já que “una forma de ser padre tiene que ver con una forma de ser hombre” (p. 155). Assim, se na masculinidade hegemônica não se incentiva a expressão dos sentimentos e a responsabilidade masculina está baseada no trabalho remunerado e externo ao ambiente doméstico, pode-se compreender porque a paternidade tradicional está baseada na responsabilidade econômica e na autoridade moral sobre a família.

Aspectos como a expressão da afetividade e o companheirismo já se configuram como dimensões bastante citadas nas pesquisas recentes, principalmente nos resultados obtidos com as novas gerações. Alguns autores têm destacado que muitas vezes os sujeitos mais jovens tendem a assumir práticas de paternidade não-tradicionais ou ‘em transição’, em consonância com a ‘nova paternidade’ (Hegg, 2004; Gallardo & cols., 2006; Martinez, 2006; Villamizar & Rosero-Labbé , 2005).

Mas, como já exposto anteriormente, a responsabilidade pelo cuidado com os filhos ainda é pouco compartilhada entre pais e mães. A participação masculina ainda é parcial e descontínua quando comparada às mulheres, mesmo quando elas também possuem atividade profissional externa ao lar. Em nossa pesquisa também encontramos tais resultados, pois grande parte dos participantes reconhecia que durante o relacionamento conjugal sua esposa era mais responsável pelos cuidados parentais. Por outro lado, também encontramos homens que, durante o casamento, se consideravam mais participativos que as próprias esposas, situação que se manteve após a separação pois vários pais se queixam da pequena participação materna.

Diante da diversidade de atuações dos homens e das RS identificadas nessa pesquisa podemos destacar, tal como Hegg (2004), que não se pode falar em paternidade, mas em paternidades, uma vez que são plurais as formas de relacionamento e responsabilização assumidas pelos pais.

Quando avaliamos as RS identificadas nos grupos, verificamos vários aspectos tradicionais, como a responsabilidade, a orientação e correção e o pai provedor. Ao mesmo tempo, identificamos a presença de discursos e práticas que indicam que a expressão da afetividade e o companheirismo são aspectos também importantes. Por outro lado, ainda timidamente e somente no GS, aparece o elemento Igual à Maternidade. A partir da teoria, podemos identificar os elementos estáveis e mais ‘duros’ da representação – autoridade moral e financeira sobre a família – mas também verificar a emergência de conteúdos que são mais flexíveis e indicativos de mudanças na representação – a afetividade e, principalmente, o elemento Igual à Maternidade – que ainda estão mais periféricos. Nesse caso podemos considerar que a afetividade é indicativa de mudança porque, na maioria das vezes, a vivência da paternidade com seu próprio pai era mais rígida e menos afetiva. Além disso, diversos pais relataram suas dificuldades e esforços para se relacionar de forma mais íntima, principalmente com suas filhas, indicando suas dificuldades nesse processo.

As RS de maternidade também indicam esse movimento: os conteúdos mais estáveis dizem respeito aos aspectos biológicos e de centralidade e superioridade da mãe, além da maternidade não ser vista como opção feminina, mas como um imperativo. Por outro lado, elementos que indicam mudanças periféricas são aqueles relacionados à maternidade ser Igual à Paternidade.

O convívio de diferentes elementos, indicando inclusive contradições dentro das mesmas representações também foi encontrado quando os sujeitos representaram o que é

ser ‘pai e mãe’. Nesse ponto há maior convívio de elementos diversos, demonstrando como a guarda paterna faz os homens pensarem e construírem, conjuntamente, suas representações, em um processo dinâmico e contínuo. Ser pai e mãe, mas sem substituir a mãe porque ela é central no desenvolvimento dos filhos, é uma representação que remete às RS tradicionais de maternidade dos grupos. Nesse ponto, também aparecem conteúdos tradicionais da divisão de gênero, quando os homens relatam haver atividades específicas ou mais propícias de serem realizadas pelo pai e outras cuja responsabilidade deve ser materna. Por outro lado, elementos de transição podem ser observados nos discursos de que tanto o pai quanto a mãe podem ser responsáveis, da mesma forma, pelos filhos.

O debate sobre a participação masculina é amplo e diversas ações estão sendo desenvolvidas por associações, institutos de pesquisas e ONGs diversas, buscando incentivar e envolver os homens nas questões relacionadas à sua saúde e ao exercício da paternidade.

Por exemplo, podemos citar o Instituto PAPAI1, no Recife: trata-se de uma ONG feminista que desenvolve ações educativas, informativas e políticas junto a homens e mulheres, objetivando desconstruir a cultura machista, bem como desenvolver estudos e pesquisas no campo dos estudos de gênero e masculinidades. O Instituto Promundo desenvolve ações de intervenção, pesquisa e capacitação nos campos de gênero e saúde e prevenção da violência contra a mulher, com a implementação de programas que buscam promover comportamentos e atitudes mais igualitárias entre homens jovens. O Instituto ECOS é uma ONG que atua na consolidação dos direitos sexuais e reprodutivos de mulheres, jovens e adolescentes, abordando a gravidez na adolescência, masculinidades, participação juvenil e prevenção de doenças sexualmente transmissíveis, uso de drogas e violência. A Associação de Pais Separados – APASE – também é uma ONG que desenvolve atividades voltadas à igualdade de direitos entre homens e mulheres após a separação e divórcio, principalmente no que diz respeito à guarda dos filhos. Recentemente, a APASE esteve fortemente envolvida na aprovação da Lei 11.698, de 13 de junho de 2008, que altera alguns artigos do Código Civil para instituir e disciplinar a Guarda Compartilhada.

Segundo o texto da Lei:

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Maiores informações sobre as instituições citadas nessa sessão em seus respectivos sites:

Art. 1º. Os arts. 1.583 e 1.584 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil, passam a vigorar com a seguinte redação:

"Art. 1.583. A guarda será unilateral ou compartilhada.

§ 1o Compreende-se por guarda unilateral a atribuída a um só dos genitores ou a alguém que o substitua (art. 1.584, § 5o) e, por guarda compartilhada a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns. "

A redação anterior da lei não esclarecia quais os tipos de guarda que poderiam ser definidos, apenas indicando que, em caso de separação ou divórcio, a guarda deveria ser acordada entre os pais e, caso não houvesse consenso, o juiz a atribuiria a quem tivesse melhores condições de obtê-la. Na nova redação da lei, quando não houver consenso entre os pais o juiz aplicará, sempre que possível, a guarda compartilhada.

Os dados já discutidos anteriormente demonstram que, na vigência da lei anterior, a guarda materna era preponderante - apenas 5% das separações e 6% dos divórcios resultavam em guarda paterna formalizada, segundo o IBGE (2006). Nesse sentido, devemos lembrar alguns aspectos que contribuem para que apenas uma pequena parte dos homens solicite ou obtenha a guarda: no senso comum circula fortemente o discurso de que os filhos, principalmente quando pequenos, devem ficar aos cuidados das mães, que são consideradas mais habilidosas e centrais para o desenvolvimento infantil. Lembramos que esse ideário é confirmado nas pesquisas desenvolvidas por Ramires (1997) e Ridenti (1998). Em nossa pesquisa também pudemos constatar a idealização e centralidade materna em dois momentos: quando o casal optou pela primeira guarda ser materna, justificada pela idade dos filhos e, ao assumirem a guarda, quando os pais foram questionados por amigos e familiares sobre sua capacidade de cuidar dos filhos.

Alguns autores também vêm discutindo a Síndrome de Alienação Parental (Navarro, 2007; Segura, Gil & Sepúlveda, 2006), situação na qual o detentor da guarda cria obstáculos e conflitos para que o outro genitor se relacione com o filho, muitas vezes difamando sua imagem ou impedindo visitas. Como discutem os autores:

Sin embargo, hay situaciones en las que existen obstaculizaciones por parte de uno de los progenitores a las relaciones de sus hijos e hijas con el otro progenitor que desembocan en el Síndrome de Alienación Parental, una de las formas más sutiles de maltrato infantil, casi desconocida hasta ahora, pero que está cobrando vigencia día a día y que produce un grave daño en el bienestar emocional y en el desarrollo de los menores que lo sufren. (Segura, Gil e Sepúlveda, 2006, p.117)

Como relembrado por Féres-Carneiro (1998), os interesses dos filhos devem se sobrepor aos conflitos do casal: “quem se separa é o par amoroso, o casal conjugal. O casal parental continuará para sempre com as funções de cuidar, de proteger e de prover as necessidades materiais e afetivas dos filhos” (parágrafo 25).

Com essa nova legislação, é possível que assistamos a modificações nas relações familiares após a separação ou divórcio. Em nossa pesquisa, Sidney já agia em um princípio de guarda compartilhada, já que seus filhos passavam períodos semelhantes na casa do pai ou da mãe. Mas nos demais aspectos de divisão de responsabilidades (financeiras e educativas), Sidney queixou-se da pequena participação de sua ex-esposa e se considerava o principal responsável pelos filhos. Nesse sentido, lembramos que a nova lei dispõe sobre a similitude de direitos e deveres parentais, situação que, na opinião de Sidney, não ocorria.

Também é possível que, ao representar a paternidade com elementos não tradicionais, mesmo que incipientes, os pais contribuam com o exercício da paternidade das próximas gerações que, convivendo com modelos mais permeáveis e menos rígidos, poderão estabelecer novos sentidos para suas práticas parentais.

Escolhemos, para essa pesquisa, um grupo pouco estudado pela literatura e pudemos observar mudanças em relação ao exercício tradicional da paternidade, já que Dantas, Jablonski e Féres-Carneiro (2004) analisaram diversas pesquisas nas quais o distanciamento no relacionamento pai e filho após a separação (sendo a guarda materna) é bastante freqüente. No nosso caso, a aproximação foi desejada e, mesmo não formalizando a guarda, esbarrou em diversas barreiras impostas pelo grupo social.

Outras configurações familiares também têm buscado ampliar seus direitos em relação à paternidade e maternidade, lutando contra preconceitos e solicitando sua inclusão nas políticas públicas e legislações. Como exemplo, podemos citar a legalização civil das uniões homoafetivas e a parentalidade desejada por esses casais e até mesmo por pessoas solteiras, seja através da concepção utilizando tecnologias reprodutivas, seja através da adoção.

Como citado por Negreiros e Féres-Carneiro (2004):

É importante manter uma postura crítico-reflexiva e não preconceituosa sobre as novas configurações familiares, na medida em que as novas famílias estão abrindo mão de uma dimensão maniqueísta, que opõe masculino e feminino, o que sem dúvida pode contribuir para o estabelecimento de uma nova ótica e de uma nova ética das relações entre homens e mulheres no contexto sócio-familiar contemporâneo. (p. 45)

A família monoparental masculina é apenas mais uma forma de organização familiar que, dentro das contínuas transformações nos valores e modos de vida contemporâneos, foi considerada como uma vivência satisfatória pelos homens entrevistados. Novos estudos envolvendo outros componentes dessa rede social - como as ex-esposas, filhos e demais familiares - podem ser desenvolvidos, de forma a trazer novas informações sobre o exercício da paternidade nesse contexto específico da separação/viuvez ou em outros contextos da conjugalidade ou de pais solteiros. Ouvindo homens e mulheres, esses estudos podem contribuir para um efetiva divisão das responsabilidades parentais, com a qual os ganhos poderão ser percebidos por todos os envolvidos.

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