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Guarda paterna e representações sociais de paternidade e maternidadede

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Academic year: 2021

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1. INTRODUÇÃO

Segundos dados do IBGE (2003), 17,7% das famílias brasileiras são constituídas por homens ou mulheres com filhos que vivem sem a presença do cônjuge/companheiro. Na literatura, tais famílias são chamadas de monoparentais e são um dos efeitos do aumento do número de divórcios e separações e das mulheres e homens solteiros ou viúvos que cada vez mais criam seus filhos (biológicos ou adotivos) sem necessariamente constituir ou manter um relacionamento conjugal. Esse é um fenômeno crescente e indica que algumas organizações familiares estão obtendo maior visibilidade no cenário contemporâneo, como uniões estáveis, homoafetivas, famílias reconstituídas ou recompostas, entre outras tantas possíveis, inclusive algumas cada vez mais conquistando direitos que antes eram restritos aos casamentos civis.

Santos e Oliveira (2005) assinalam que, ao falar de família, é importante situar de qual família se fala, de que época, cultura e condições sócio-econômicas, pois a forma como se concebe a família é socialmente construída. Segundo as autoras:

Predomina na definição americana a imagem de família nuclear na qual outras gerações são incluídas apenas para traçar a árvore genealógica. Por outro lado, entre os italianos e outros povos latinos entende-se família de forma mais ampla, incluindo tias e tios, primos, avós. Estes tendem a envolver-se nas tomadas de decisões familiares e compartilham estreitamente os pontos de transição do ciclo de vida familiar. A definição de família para os chineses, por sua vez, inclui todos os ancestrais e descendentes. Tudo o que se faz leva em conta o conjunto inteiro das gerações, trazendo orgulho ou vergonha para toda a linhagem. (p. 51)

No Brasil, por muito tempo, o modelo nuclear era o mais aceito e a divisão sexual do trabalho prescrevia que o homem deveria prover o sustento da família e a mulher possuía a responsabilidade pelo cuidado com a casa e filhos. Essa divisão também está adquirindo novos contornos, com o número cada vez maior de casais que possuem dupla renda e outros em que a mulher é a principal provedora da casa, ou até casais em que a esposa tenha um trabalho externo e o homem cuide da casa e filhos.

Algumas estatísticas confirmam essas mudanças. O IBGE divulgou que, em 2005, 28,5% das famílias brasileiras já eram chefiadas por mulheres (IBGE, 2006). Dentro desse percentual, 18,5% das mulheres contam com o cônjuge, mas assumem a responsabilidade financeira da família. Apesar do quadro apresentado, uma pesquisa recente com homens que estavam em situação de desemprego há mais de um ano indicou que, para estes, perder

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o papel de provedor provocou bastante desconforto, embora reconhecessem a importância feminina no orçamento doméstico e no mercado de trabalho (Jimenez & Lefévre, 2004).

Esses dados confirmam que as instituições familiares, ao longo da história, estão sujeitas a transformações. Alguns autores assinalam que a família nuclear urbana e a instituição casamento passam por momentos difíceis e que profundas mudanças sócio-econômicas e culturais “trouxeram o casamento contemporâneo a um estado caracterizado como de crise, principalmente dado o aumento do número de separações”, como aponta Jablonski (2005, p. 94). O mesmo autor, ao analisar a chamada “crise do casamento contemporâneo” através dos dados do IBGE, constatou que o número de casamentos registrados em cartório diminuiu 12% e o número de divórcios triplicou nos últimos anos. Mas, apesar dessa “crise”, o próprio autor realizou uma pesquisa com jovens solteiros e verificou que 86,1% dos entrevistados pretendiam se casar nos próximos 10 anos (Jablonski, 2005).

O crescimento do número de separações e divórcios é considerado por Grzybowsky (2002) como um dos diversos fatores que contribuem para a crise e mudança da família, pois gera diversas transformações e uma reorganização da estrutura familiar, “de caráter singular (famílias monoparentais) ou conjugal (famílias reconstituídas/recasadas)” (2002, p. 40).

Biasoli-Alves (2000) analisa que as mudanças na instituição familiar e casamento não devem ser tomadas como “crise”, pois a família, ao longo da história, nunca foi uma instituição estável na sua estrutura e nos papéis desempenhados pelos seus membros (homens, mulheres, jovens e crianças). A autora se propôs a estudar a família a partir do relato da história de mulheres de várias gerações, desde 1890 até o final do século XX. Através desses relatos, ela analisou as configurações familiares em seus padrões de comportamentos, rotina de vida e modos de funcionamento em épocas diferentes, e verificou que, apesar do século XX ter se caracterizado por constantes alterações em valores, práticas e papéis, também podem ser evidenciadas continuidades em todos esses aspectos, mesclando valores tradicionais e novos.

1.1. Relações de gênero, maternidade e paternidade

Com a entrada maciça da mulher no mercado de trabalho, os lugares de homens e mulheres dentro da família e da sociedade foram questionados. Para Velásquez (2006),

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diversas mudanças sócio-culturais e econômicas contribuíram para que esse questionamento ocorresse: o controle da natalidade através dos métodos contraceptivos, a diminuição do número de filhos, os maiores níveis de escolaridade da população, a inserção cada vez maior da mulher no mercado de trabalho e o alto índice de desemprego dos homens.

O movimento feminista, principalmente na segunda metade do século XX, se dedicou a denunciar a situação de opressão imposta a muitas mulheres, que ficaram confinadas por séculos quase que exclusivamente ao ambiente doméstico, servindo a marido e filhos. A luta contra a violência física, sexual e psicológica sofrida por elas nesse modelo patriarcal, aliada à busca de igualdade de direitos e oportunidades frente aos homens produziram importantes conquistas femininas, tais como a ampliação da presença feminina no mercado de trabalho – embora ainda existam cargos e setores quase que exclusivamente ocupados por mão de obra masculina (Nader, 1997).

O debate em torno da situação feminina se ampliou e gerou um campo de estudos em torno das relações de gênero (Madeira, 1997; Oliveira, 1997). Nas palavras de Madeira:

A categoria gênero torna mais nítida a compreensão das formas e dos conteúdos que vêm tomando as relações entre as gerações, de onde vêm ocorrendo as mudanças e permanências dos ‘papéis sexuais’ na socialização de crianças e adolescentes e, o mais importante, apontando mecanismos de ruptura ou de revisão das hierarquias de gênero.(1997, p. 8)

Torrão (2005) assinala que o conceito de gênero foi criado de forma a opor-se ao determinismo biológico nas relações entre os sexos, inaugurando uma perspectiva social e relacional. Assim, o conceito: “pode lançar luz sobre a história das mulheres, mas também a dos homens, das relações entre homens e mulheres, dos homens entre si e igualmente das mulheres entre si, além de propiciar um campo fértil de análise das desigualdades e das hierarquias sociais” (p. 129). Utilizando a perspectiva de Scott, o autor evidencia que a categoria gênero abrange o homem e a mulher em suas múltiplas conexões, hierarquias, precedências e relações de poder.

A partir do gênero pode-se perceber a organização concreta e simbólica da vida social e as conexões de poder nas relações entre os sexos. (...) Pois o gênero se preocupa com a consolidação de um discurso que constrói uma identidade do feminino e do masculino, que encarcera homens e mulheres em seus limites, aos quais a história deve liberar. (p. 136)

O uso do termo gênero como categoria de análise, diferente do termo sexo (que se refere a aspectos biológicos associados ao masculino e ao feminino) se propõe a pensar a

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elaboração cultural que cada sociedade e cada época constroem para os modelos sexuais de homens e mulheres. Assim, podemos pensar as relações de gênero como uma “construção cultural e social, e como tal, representa um processo contínuo da produção de lugares de poderes do homem e da mulher em cada cultura e sociedade” (Oliveira, 1997, p. 04).

Na literatura, encontramos vários autores que analisam o modelo masculino e feminino a partir da perspectiva de gênero, considerando-os como construções sócio-históricas e ressaltando que esses modelos atuais já foram diferentes em outras épocas e em outros contextos culturais (Badinter, 1985; Belotti, 1975; Madeira, 1997; Oliveira, 1997).

O padrão masculino hegemônico pressupõe a relação assimétrica entre gêneros, um dos pilares do patriarcado. Tal padrão reúne características como a virilidade, o controle da afetividade, a manutenção de vínculos afetivos distanciados em relação aos filhos e à esposa, a independência financeira e emocional, a competitividade, a exigência constante de sucesso, entre outras características de um universo masculino onde é permitido apenas vencer, dominar, decidir (Barbosa, 1998; Da Matta, 1997; Garcia, 1998; Medina, 1992; Muszkat, 1998; Nolasco, 1993, 1997; Velásquez, 2006).

Uma das esferas mais valorizadas e cobradas socialmente é o comportamento sexual masculino. O homem deve ter uma vida sexual satisfatória e intensa, desde a sua iniciação sexual. Nesse sentido, resultados interessantes são destacados por Olavarria (1999) numa série de entrevistas com homens, com o objetivo de explorar a construção do modelo de masculinidade. Nos relatos dos entrevistados, verifica-se que a iniciativa na esfera sexual é estimulada e apreciada desde a infância, sendo considerada uma prova da verdadeira masculinidade. O autor demonstra que no padrão preconizado para o masculino ocorre uma dissociação entre o afeto e a sexualidade, sinalizando que ser homem significa obter o maior número de conquistas sexuais sem o estabelecimento de qualquer vínculo afetivo. Assim, as dicotomias sexo/rua e afeto/casa aparecem marcadas, assim como a polarização público x privado, que por muito tempo foi determinante na distribuição do espaço para homens e mulheres na sociedade (Giffin, 1994).

O modelo tradicional de masculinidade e conseqüentemente de paternidade “implica em uma figura masculina que provê o sustento da família, que se mostra forte e com poder de decisão nos momentos de crise, que comanda a família nas questões de caráter instrumental” (Trindade, 1993, p. 538). Esse modelo tradicional é herança do patriarcado e reforça o distanciamento afetivo entre pai e filho. Ao homem são delegadas as responsabilidades pelo sustento da família e exemplo moral e à mulher as

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responsabilidades de educação e cuidados com os filhos. Tradicionalmente, então, da mulher “espera-se uma postura receptiva, submissa, reações emotivas e sua realização na esfera privada” (Nader, 1997, p. 92).

Rocha-Coutinho (1994) ilustra como as meninas, desde cedo, aprendem o que é ser mulher, sendo encorajadas a desempenhar seus futuros papéis no lar e na família. Desta forma, características como ser prestativa, organizada, tolerante e compreensiva são ensinadas e valorizadas. Além disso, a maternidade passa a ser um elemento fundamental da feminilidade, como descreve Nader (1997). A maternidade liga-se ao ideal da família burguesa, sendo a mulher a guardiã do lar e responsável pela educação dos filhos. Ser mãe, esposa e dona de casa era considerado o destino natural das mulheres no Brasil até a década de 60/70, reforçado pelo discurso higienista reproduzido por revistas, igrejas, família, medicina, entre outras instituições sociais, como bem exemplificam Bassanezi (1997) e Matos (2003).

Mas nem sempre a maternidade foi central na constituição do modelo feminino. Badinter (1985), ao analisar a sociedade francesa dos séculos XVII a XIX, verificou que a mulher não só podia não querer ser mãe como também poderia assumir isso publicamente sem qualquer sanção. Algumas mulheres citadas pela autora pertenciam à alta sociedade e declaravam que não estavam dispostas a sacrificar seu lugar e posto na corte ou simplesmente abdicar de sua vida social e mundana para criar filhos.

Ela destaca a metade do século XVIII como um período no qual começaram a surgir uma série de discursos e movimentos médicos, morais, educativos e filosóficos que ressaltavam a importância da devoção materna no cuidado dos filhos. A autora ressalta que, naquele momento de pós Revolução Industrial era importante reverter os altos índices de mortalidade infantil. Assim, a responsabilidade materna seria a de cuidar e transformar as crianças em adultos trabalhadores e com boa índole, sendo esse discurso intensamente reforçado pela Igreja, por filósofos, médicos e pelo Estado. Então as mulheres se voltaram para o cuidado infantil (em um movimento que durou séculos para se estabelecer fortemente), passando a cumprir um papel central e indispensável na família e obtendo um reconhecimento social que quase nunca era alcançado. De adorno do lar a mulher passaria a ter a nobre função de gerar, amamentar e educar os futuros cidadãos.

Essa situação se solidificou a tal ponto que hoje verificam-se várias referências no cotidiano considerando o amor materno como natural e inerente à natureza feminina. Trindade (1993) assinala que, tradicionalmente, existe uma supervalorização do papel

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materno no desenvolvimento infantil, enquanto o papel paterno é colocado como algo secundário e de menor importância para o equilíbrio social e afetivo dos filhos, sendo o pai valorizado apenas no papel de provedor.

A tomada de consciência do papel do homem na procriação e posterior ascensão do patriarcado também foi uma construção histórica, sendo que, inicialmente, as sociedades se organizavam de forma matrilinear. Segundo inúmeras pesquisas relatadas por Dupuis (1989), “enquanto ignorava-se a existência da paternidade, era impensável organizar a sociedade em função do pai. Como a função procriadora era reconhecida apenas na mulher, a primeira organização social foi matrilinear” (p. 41).

De acordo com o autor, essa tomada de consciência durou milênios para se estabelecer e não provocou, de imediato, uma revolução social. Gradualmente, a partir das grandes guerras, objetivando a conquista de territórios e de poder, os homens passaram a se tornar os senhores da sociedade como chefes de família, reis ou deuses. Toda a estruturação da sociedade passou a girar em torno do sexo masculino e, embora inicialmente os tios maternos tivessem grande influência sobre os bens e decisões familiares, posteriormente foram os maridos que passaram a exercer esse papel, comandando esposa e filhos e consolidando o patriarcado tal como o conhecemos.

Com isso diversas modificações ocorreram na estrutura da sociedade: a família passou a ser organizada em função do grau de parentesco; uma nova moral religiosa se estabeleceu, com a marginalização dos cultos orgiásticos e a masculinização do sacerdócio; a sexualidade feminina passou a ser ordenada em função de sua relação com o marido.

Como ilustra Dupuis (1989):

Do ponto de vista social, é o estabelecimento, na família, de uma autoridade absoluta que antes não parece ter existido. O pai, tendo-se arrogado a propriedade da esposa e dos filhos, dispõe do direito de vida e morte sobre estes últimos. (...) A mulher, obrigada a dar filhos ao marido, é forçada a uma fidelidade absoluta, geralmente sob pena de morte. (...) Enquanto os homens conservam sua liberdade tradicional, a educação das moças impõe-lhes a submissão, a fidelidade ao esposo, o espírito de sacrifício. Uma ética da união conjugal reina sobre a nova sociedade. (p. 153).

Historicamente, o patriarcado e os modelos tradicionais de masculinidade propiciaram a desvalorização do feminino. Ser homem passou a estar vinculado diretamente à autoridade moral e financeira sobre a família e os filhos, à comprovação da virilidade e ao distanciamento das características ditas femininas, como a expressão da afetividade, por exemplo.

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Alguns autores discutem que as características da masculinidade hegemônica propiciam maior vulnerabilidade aos homens e mulheres: eles pelo maior risco de morbi-mortalidade em diversas situações como falta de cuidado com a saúde, envolvimentos em situações de violência como autores ou vítimas, abuso de álcool e outras drogas; elas pela exposição a situações de violência física, psicológica e sexual, além de outras formas de dominação e assujeitamento (Sabo, 2000).

Em pesquisa realizada com profissionais de saúde mental (homens e mulheres), Palácios (1997) identificou representações sociais predominantemente tradicionais de masculinidade e feminilidade: para o termo feminilidade, as principais palavras referidas foram beleza, doçura e delicadeza. Já para a masculinidade foram encontradas as palavras fortaleza, virilidade e atividade. Dessa forma, a autora reconhece que, no padrão ocidental, os homens são representados a partir de qualidades como fortaleza e capacidades cognitivas; já as mulheres são representadas pela beleza e suas capacidades afetivas. Tais representações, compactuadas e partilhadas no campo social, culminam por marginalizar homens e mulheres quando estes não cumprem as expectativas sociais nas esferas públicas e privadas, respectivamente.

Os dados da autora ainda indicam que as demandas para tratamento em saúde mental também obedecem a essa dicotomia público/privado, já que se relacionam com as expectativas sociais para cada sexo: as mulheres buscam auxílio para questões afetivas, angústias, somatizações, dificuldades sexuais, solidão, insatisfação com seu papel e conflitos com seu companheiro; os homens demandam auxílio para questões relacionadas ao trabalho, estresse, dificuldades sexuais, angústias, perda de status e solidão. Por isso, a autora ressalta a importância da categoria gênero, das representações sociais de feminino e masculino baseadas nas concepções estereotipadas e suas implicações na prática profissional, preocupação também mencionada por Trindade (1999) no âmbito da paternidade e maternidade.

1.2. Divisão das tarefas domésticas e dos cuidados parentais: um exercício possível?

A inserção maciça das mulheres no mercado de trabalho e sua (ainda em andamento) busca por igualdade de direitos e deveres com os homens possibilitaram o questionamento dos lugares sociais destinados a cada sexo. Arilha, Ridenti e Medrado

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(1998) relatam que os homens não ficaram fora desse movimento. Apesar de inicialmente impulsionados pelos movimentos feminista e homossexual da década de 60, os autores ressaltam que os estudos sobre a masculinidade ganharam espaço e possibilitaram a reflexão sobre a condição masculina, questionando os lugares de poder impostos pelo modelo hegemônico e buscando outras formas de os homens se relacionarem com o sexo oposto, com outros homens e consigo mesmo.

Com a revisão do papel masculino, os homens passaram a ser cobrados por sua participação na realização das tarefas domésticas. Mas esse movimento não ocorreu sem conflitos. Um exemplo da dificuldade em reorganizar as responsabilidades domésticas pode ser ilustrado pelo estudo de Roazzi (1999), que realizou um estudo com sujeitos de classe baixa, divididos em moradores de uma favela e de um conjunto habitacional, buscando identificar qual o nível de concordância de homens e mulheres sobre a participação masculina em certas tarefas domésticas. O autor verificou que:

Dentre as tarefas onde se aceita a participação masculina estão as que se realizam principalmente fora de casa e se referem à educação e ao lazer dos filhos. De certo modo, estes tipos de tarefas não mexem tanto com a concepção tradicional do papel masculino por serem tarefas que têm a conotação de gratificação e prestígio, além de não deixarem de ser papéis externos à própria unidade do lar (p. 232).

Essa representação foi identificada tanto no grupo masculino quanto no feminino, o que levou o autor a concluir que uma divisão igualitária de tarefas dentro de casa está longe de ser alcançada, pois “só poderemos pensar numa real divisão de tarefas domésticas... quando estas atividades forem consideradas apenas como necessárias para o bem-estar de quem habita uma casa” (Roazzi, 1999, p. 233).

A pesquisa de Siqueira (1997) corrobora essa afirmação: ela investigou o cotidiano familiar de um casal no qual, de comum acordo, a mulher exercia atividade remunerada fora de casa e o homem cuidava dos filhos e das tarefas domésticas, por considerarem que esse arranjo, naquele momento, correspondia às expectativas e necessidades da família. O pai entrevistado relatou que, apesar de dividir as atividades domésticas em femininas (cozinhar, limpar, cuidar dos filhos) e masculinas (realizar consertos e reformas), ele realizava ambas porque eram ‘atividades da casa’, importantes para o bem-estar da família, e, assim, não sobrecarregava sua mulher. A esse respeito, Braz, Dessen e Silva (2005) também obtiveram dados que demonstram que um bom relacionamento marital favorece o compartilhamento das atividades domésticas e cuidados com os filhos.

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domésticas, esta é vista como um auxílio ou concessão à mulher, demonstrando que essa responsabilidade ainda é considerada feminina (DeSouza, Baldwin & Rosa, 2000; Maridaki-Kassotaki, 2000; Perlin & Diniz, 2005). Mesmo que considerem importante a divisão dessas tarefas, os homens ainda resistem a realizar determinadas atividades, demonstrando dificuldades em assumir o cotidiano doméstico como parte da conjugalidade (Sutter & Bucher-Maluschke, 2008).

Muitas vezes, as próprias mulheres tendem a assumir essa responsabilidade ou colocar empecilhos à atuação masculina no ambiente doméstico, pois, mesmo que indiretamente, elas preservam um lugar social que ainda confere poder e prestígio (Bertollo, Vieira, Trindade, Milani & Brasil, 2007; Welzer-Lang, 2001). Apesar disso, elas sentem-se sobrecarregadas pois, mesmo ampliando sua participação no mercado de trabalho (antes restrita às mulheres das classes populares) ainda se cobram e são cobradas pelo bom andamento da casa e dos filhos (Biasoli-Alves, 2000).

Segundo Velásquez (2006), tradicionalmente a paternidade envolve aspectos como a provisão econômica, exercício da autoridade, proteção da família e transmissão de valores aos filhos. Mas, na busca de relações igualitárias entre homens e mulheres, o envolvimento masculino no cuidado com os filhos passou a ser uma expectativa bastante presente. Só que essa também é uma área na qual a divisão igualitária, apesar de algumas mudanças, ainda está longe de ser alcançada.

Wagner, Predebon, Mosmann e Verza (2005) investigaram a divisão das funções desempenhadas por progenitores de classe média na criação e educação dos filhos em idade escolar. Encontraram dois grupos principais: no Grupo I (49% da amostra) a mãe era considerada a principal responsável por essas atividades e no Grupo II (51%) ambos os pais participavam dos cuidados. Mesmo com mais da metade da amostra alegando dividir igualitariamente as tarefas pesquisadas, o percentual de responsabilidade das mães ainda é bastante alto, sendo as atividades de auxílio às tarefas escolares e cuidados com a alimentação as mais mencionadas como realizadas pela mãe. Segundo os autores, no grupo I verifica-se o predomínio da divisão tradicional de funções familiares, com indicação de participação nula do pai nas tarefas de higiene e alimentação dos filhos e com baixa indicação da mãe como principal responsável pelo sustento econômico dos filhos. No grupo II podem-se identificar algumas mudanças nessa divisão, indicando uma tendência ao compartilhamento dessas atividades, de forma a atender melhor as demandas educativas e de cuidado dos filhos. Ainda assim, os autores ressaltam que as mudanças nos papéis e

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funções familiares são descontínuas, necessitando de contextualização sobre as necessidades e possibilidades de cada família.

1.3. Alguns estudos internacionais sobre a paternidade

Na década de 90 iniciou-se um movimento para inclusão dos homens na esfera da saúde reprodutiva. A Conferência Internacional de População e Desenvolvimento, realizada no Cairo, em 1994, ressaltou a importância da participação masculina e sua mudança de comportamento no que diz respeito à disseminação de doenças sexualmente transmissíveis, principalmente a AIDS, e ao controle da reprodução feminina, além da participação masculina nos cuidados com os filhos (Arilha & cols., 1998; Unbehaum, 2000). Recentemente, para além da esfera da saúde sexual e reprodutiva do homem, estudos sobre o exercício da paternidade vêm ganhando cada vez mais espaço no meio acadêmico.

Na literatura podemos destacar alguns estudos sobre a paternidade realizados em diversos países. Nos Estados Unidos pode-se citar a pesquisa sobre expectativas paternas de Mackey, White e Day (1992) e sobre envolvimento paterno nos cuidados parentais realizada por Bonney, Kelley e Levant (1999). Os primeiros autores entrevistaram pais objetivando verificar, através de um questionário onde os sujeitos distribuíam pontos, em ordem de importância, algumas possíveis motivações para a paternidade. Nos resultados, 44,6% dos homens alegaram motivações psicológicas, tais como satisfação emocional ou o fato de um filho proporcionar laços amorosos e diversão para o pai. Já 19,4% dos homens responderam ter motivações sociais, como o desejo da esposa em ter um filho e a expectativa de amigos e familiares para que isso aconteça. Identifica-se, com esses dados, que a expressão das motivações psicológicas para a paternidade está mais visível, sendo que a esfera afetiva passa a ser demonstrada publicamente, ilustrando um rompimento com o modelo tradicional de distanciamento pai-filho.

Os dados de Bonney e cols. (1999) indicam que a “aprovação materna” foi um elemento considerado relevante para que os homens tivessem uma maior aproximação de seus filhos, aliados a outros fatores como a adoção de papéis sociais de gênero e papéis parentais diferentes dos tradicionais. Ou seja, se o papel paterno é visto de uma maneira mais liberal, considerando a proximidade em relação aos filhos como um aspecto

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importante e se existe uma aprovação social para que essa aproximação ocorra, os homens, então, vivenciam essa paternidade de forma “liberal”, na definição dos autores.

Na França, Frascarolo, Chillier e Robert-Tisson (1996) entrevistaram homens franceses buscando identificar qual o modelo de paternidade adotado por eles. Os modelos foram classificados pelos autores a partir de um questionário que visava identificar ‘novos’ e ‘velhos’ pais, através da quantidade e qualidade das tarefas desenvolvidas por eles junto aos filhos. No discurso dos novos pais os modelos de paternagem e maternagem eram considerados de igual importância para o desenvolvimento das crianças.

Devreux (2006) também realizou um estudo sobre as implicações práticas dos homens nas responsabilidades parentais, utilizando dados da pesquisa Emprego do Tempo. Realizada anualmente na França há mais de dez anos, a pesquisa investiga quais as atividades profissionais, domésticas, sociais, parentais, lúdicas, entre outras, realizadas durante um dia, por homens e mulheres. Analisando os dados, a autora constatou que, ao longo dos anos, pouco se progrediu em termos de inserção masculina nos afazeres domésticos. Quando não possuem filhos, os homens participam com 37% do trabalho na família; com a chegada do primeiro filho esse percentual cai para 34% e, com o segundo filho, os homens ampliam discretamente seu cuidado com os filhos e diminuem o tempo com o serviço doméstico. Para a autora, isso demonstra o caráter inconstante e reversível da participação masculina na rotina de manutenção da casa e no cuidado com os filhos. De certa forma, apesar do discurso da ‘nova paternidade’, os homens continuam a escolher em que momento e em quais condições se ocupam dos cuidados parentais, enquanto para as mulheres essa não é uma escolha, mantendo a desigualdade de gênero:

Nesse contexto em evolução, os homens se revelaram mais e mais ofensivos para obter, em nome da igualdade entre os sexos, uma igualdade de direitos parentais com as mães, sem zelar por instaurar uma igualdade de responsabilidades parentais com relação a suas filhas e filhos em suas práticas cotidianas. (Devreux, 2006, p. 608)

Da mesma forma, os dados obtidos em uma população masculina na Grécia (nos contextos urbano e rural) demonstraram que, apesar do discurso sobre compartilhar tarefas presente em parte dos homens entrevistados, seu envolvimento nas atividades de cuidado parental ainda era pequeno (menor ainda no grupo rural), além de ser considerado um auxílio à esposa e não uma divisão igualitária de responsabilidades (Maridaki-Kassotaki, 2000). Para esses homens, a paternidade é considerada uma atividade prazerosa que a partir da gestação já propicia a emergência de sentimentos como amor e felicidade, mas

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que também demanda esforço psicológico e financeiro para cumprir os novos papéis assumidos a partir do nascimento dos filhos.

Em Portugal, três gerações foram entrevistadas e a autora constatou que o pai da primeira geração foi concebido como pouco presente, autoritário e com baixo envolvimento emocional com os filhos (Balancho, 2004). Já o pai da geração atual tende a ser visto (por ele mesmo, por seu pai e por seu filho) como compreensivo, presente, não autoritário e lúdico, o que, segundo a autora, indica a concepção de um pai ‘renovado’, envolvido com novas práticas na relação pai-filho.

Considerando a grande relação existente entre masculinidades e a paternidades, também podemos citar alguns estudos nessas áreas desenvolvidos na América Latina. Villamizar e Rosero-Labbé (2005) investigaram as representações sociais de paternidade e maternidade de homens e mulheres na cidade de Bogotá, Colômbia. Identificaram três grupos de resultados, que nomearam de tendência tradicional, em transição e de ruptura. Na tendência tradicional, os homens representavam a paternidade através da responsabilidade em prover a família e as mulheres referiam-se à maternidade como plenitude e realização pessoal. No grupo de transição, existia uma maior aproximação dos homens em relação aos seus filhos, participando de sua criação, destacando os sentimentos positivos associados à paternidade e não somente seu papel como provedor; as mulheres relatavam que a maternidade era uma experiência gratificante, mas buscavam conciliar com outros projetos de vida, embora ainda houvesse referências ao instinto materno. Os relatos incluídos na categoria ‘ruptura’ foram identificados principalmente nos sujeitos de maior nível sócio-econômico e escolaridade. Nesse grupo, identificou-se a participação masculina no cotidiano doméstico antes mesmo da paternidade, e após o nascimento, relatos de aproximação afetiva com os filhos e envolvimento nos cuidados parentais. Já as mulheres revelaram-se satisfeitas com a maternidade e buscavam formas de conciliá-la com sua vida profissional, através da divisão de tarefas com o companheiro.

Hegg (2004) discute os resultados de algumas investigações realizadas em alguns países da América Central (Costa Rica, Nicarágua, El Salvador e Honduras) acerca das representações de masculinidade e paternidade. O autor ressalta que os estudos relacionando masculinidade e paternidade ainda são poucos e recentes, enfocando, principalmente, aspectos relacionados à saúde sexual e reprodutiva do homem. Hegg também identifica três grandes grupos de representações de masculinidade e paternidade, com uma classificação semelhante à exposta por Villamizar e Rosero-Labbé (2005), já

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citada. Neste caso são: paternidade tradicional, paternidade moderna e paternidade em transição. A paternidade tradicional ainda é dominante nos países pesquisados (50,67% dos homens, sendo 60,5% em Honduras) e está presente principalmente entre os homens acima de 50 anos, mas o autor observa que esta vem perdendo sua hegemonia e amplitude para a paternidade moderna (veiculada por 39% dos homens no total). Na paternidade tradicional estão presentes as concepções referentes à autoridade masculina sobre a família, responsável por prover materialmente e manter a disciplina dos filhos, sendo que para obter o respeito dos filhos o pai não deve se portar de maneira muito carinhosa ou compreensiva. Na paternidade moderna, predominante entre os mais jovens e entre os homens de Costa Rica (45,2%), a função de provedor é vista de maneira semelhante a outras funções, como oferecer afeto, e o cuidado com os filhos deve ser partilhado entre pai e mãe. A paternidade em transição ilustra os movimentos de mudança nas representações, encontrando-se a convivência de aspectos da paternidade tradicional e moderna.

As diversas formas de exercício da paternidade também foram identificadas por Muzio (1998) nas pesquisas realizadas em Cuba: paternidade tradicional (autoridade moral e disciplinadora, provisão financeira e eventual participação nos passeios familiares e brincadeiras com filhos), paternidade com manifestações de mudanças (acrescentam-se ao pai tradicional as funções de acompanhar tarefas escolares e atividades como banho, alimentação, cuidados com saúde e transporte dos filhos para as atividades diárias) e pai não tradicional (compartilhando funções com a mãe). Segundo a autora, as formas de assumir a paternidade dependem de variáveis como idade, zona de residência urbana ou rural, personalidade, relacionamento amoroso ou conjugal; as gerações mais jovens tendem a adotar um modelo não tradicional de maternidade e paternidade, principalmente por casais com semelhante escolaridade e inserção profissional.

No México, Velásquez (2006) investigou o processo de construção identitária da masculinidade e sua relação com o exercício da paternidade em homens, pais, de nível sócio-econômico médio-alto, com esposas também inseridas no mercado de trabalho e filhos em idade escolar. Para eles, a responsabilidade familiar é um elemento fundamental na masculinidade e refere-se à questão econômica e à responsabilidade pelos cuidados e educação dos filhos. Ela se inicia na adolescência – responsabilidade com sua família de origem – e continua no relacionamento conjugal – responsabilidade pela esposa e filho. Mesmo quando as esposas possuíam uma remuneração maior, os homens entrevistados

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enfatizavam que eles deviam ser os principais provedores da casa, o que, em algumas situações, gerava situações de conflito no relacionamento e divisões assimétricas nas demais atividades, como as tarefas domésticas e cuidados com filhos.

Também trabalhando com a população mexicana, Martinez (2006) identificou que ainda se mantém a preferência dos homens por ter filhos do sexo masculino, justificada pela maior facilidade de relacionamento que o pai possui com o filho, transmitindo a ele suas experiências como homem e pelo desejo de perpetuar seu nome. Os dados da autora também indicam que a orientação e educação dos filhos são aspectos importantes na paternidade. Os pais dos setores populares tendem a utilizar mais punições verbais e físicas do que os da classe média, que, por sua vez, priorizam o diálogo como forma de educar os filhos, mas também não descartam os castigos com restrição de atividades e, em último caso, as punições físicas.

No Chile, o trabalho de Gallardo, Gómez, Muñoz e Suárez (2006) abordou as representações sociais de paternidade de jovens universitários sem filhos, constatando a inclusão da questão afetiva na paternidade atual. Aspectos considerados positivos na paternidade tradicional foram mantidos (como atuar como figura de autoridade e assegurar qualidade de vida aos filhos), enquanto os aspectos negativos (rigidez, distanciamento afetivo) foram deixados de lado.

Os resultados de quatro investigações realizadas com homens chilenos também foram discutidos por Olavarria (2001). Os aspectos tradicionais da paternidade estavam presentes nas concepções de paternidade identificadas: para eles ser pai significava ter responsabilidade pelos filhos, sendo um guia, orientador e também provendo suas necessidades. Para os homens de classe média, aparecem as preocupações com a escolarização e inserção profissional dos filhos; nas classes populares, o desejo de ter uma vida com melhorescondições materiais que a sua ou de seus próprios pais. A aproximação afetiva, o diálogo e o companheirismo são características que nem sempre eram tão evidentes na relação pai-filho em sua família de origem, mas hoje são aspectos valorizados na vivência de paternidade dos homens entrevistados.

La paternidad obliga a los varones a asumir responsabilidades para con los hijos y la pareja, que le señalan en gran medida su trayectoria futura: deberá proveerlos, entregarles protección, ser su autoridad, darles cariño, enseñarles. Responsabilidades con las cuales soñaron algunos varones antes de constituir su propia familia y que fueron sentidas como una importante obligación una vez que se tiene hijos. (Olavarria, 2001, p. 84)

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Na Venezuela, o estudo de Mora, Otálora e Recagno-Puente (2005) buscou identificar as representações de ser pai, ser mãe e ter filhos para homens e mulheres de diferentes organizações familiares (casais com filhos e sem filhos, famílias monoparentais e famílias extensas). Para as mulheres, ser mãe é considerado um dom divino, aspecto ressaltado de forma idealizada pelas mulheres que possuem filhos e por aquelas que não podem tê-los por questões biológicas. As mulheres sem filhos (por opção) ressaltam que a maternidade não é um projeto de curto prazo, pois requer maturidade e estabilidade por parte da mulher e até mesmo do casal. Já os filhos são vistos como uma fonte de gratificação e realização pessoal, apesar das responsabilidades e modificações nos planos profissionais que a maternidade traz para algumas mulheres. Além disso, os filhos representam um projeto de vida e de continuidade, pela possibilidade de ser companhia para os pais no futuro e aparecem referências à centralidade do filho no relacionamento conjugal, mesmo que não seja suficiente para manter o relacionamento ou evitar a separação. Para os homens, a paternidade é vista como um projeto de vida (embora não central), que exige grande responsabilidade e é encarada como a possibilidade de ter uma relação melhor que a vivida com seu próprio pai. Além disso, o filho impulsiona a busca por diferentes condições de vida, mesmo que para isso sejam necessários alguns sacrifícios (não somente financeiros), pois a educação e a profissionalização dos filhos são uma preocupação constante para esses pais.

Os dados de Fuller (2000), obtidos junto a homens peruanos, indicam que a responsabilidade material e moral pela família e filhos é um elemento central na paternidade: “ser padre es ser responsable y ser responsable significa reconocer públicamente la obligación de formar, orientar y proveer” (p. 51). Os filhos são uma prova cabal da masculinidade e virilidade e também são vistos como aqueles para os quais o pai transmite valores e conhecimentos, perpetuando o nome paterno e da família. A autora ressalta que um verdadeiro homem assume os aspectos domésticos e públicos da masculinidade:

Así, la paternidad es doméstica por cuanto constituye una familia y mantiene a una pareja junta. En este sentido, es definida por el amor, la característica que define el lazo familiar, y por la responsabilidad, el lado nutrício de la masculinidad. Es pública en tanto el rol del padre es proveer a la familia con los recursos materiales y simbólicos que acumula en la esfera pública y sobre todo vincular a sus hijos con el domínio público, al transmitirles las cualidades y valores que les permitan desenvolverse en el mundo exterior. (p. 46)

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A paternidade também comporta a realização de sacrifícios - que neste contexto significam os esforços diários dos pais para prover e educar os filhos, oferecendo o “máximo de si”; a dimensão da afetividade, pois a paternidade também está ligada aos sentimentos de amor e carinho na relação com o filho; e a figura de autoridade, já que o pai deve educar e corrigir seus filhos. Além disso, os homens entrevistados reconhecem que, devido às suas demandas de trabalho, não conseguem participar mais ativamente dos cuidados com os filhos, apesar de almejarem maior aproximação, buscando uma relação diferente da estabelecida com seu próprio pai.

A pesquisa de Balzano (2003), realizada na Argentina, também identificou que os pais da geração atual se comparam com seus próprios pais ao avaliarem a forma de educação escolhida para seus filhos. A maioria dos homens entrevistados revelou que seu estilo de criação possuía diferenças positivas em relação à educação recebida: buscavam oferecer maior liberdade aos filhos, mas sem deixar de impor limites e restrições em seu comportamento, de forma a ampliar a comunicação, a expressão de afeto e de companheirismo no relacionamento pai e filho.

Segundo Mora (2005) os estudos sobre paternidade indicam que está em andamento um processo de transformação do modelo patriarcal, baseado no homem provedor, responsável e dominante na família. Esse modelo em transformação possibilita uma maior proximidade emocional dos homens nas relações com os filhos, além do compartilhamento das responsabilidades e maior envolvimento nos cuidados parentais, o que provoca novas definições na constituição familiar.

De certa forma, esse grupo de estudos sobre paternidade aqui relatados já ilustra essa convivência entre valores tradicionais e novos no exercício da paternidade, explicitando até mesmo diferenças intergeracionais nas formas de envolvimento do homem na paternidade, como indicam as pesquisas de Balzano (2003), Hegg (2004) e Martinez (2006). Tal como ressaltado por Hegg (2004), podemos falar em paternidades, no plural, pois há diferentes formas de representá-las e exercê-las.

1.4. O campo de estudos da paternidade no Brasil

Navarro (2007) discute que, por muito tempo, os estudos e investigações sobre relacionamento parental se centravam principalmente na relação mãe-filho, com pouca ênfase na paternidade, contribuindo para que a maternidade ocupasse um lugar central no

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desenvolvimento dos filhos e até mesmo promovendo a culpabilização materna quando havia alguma dificuldade nesse processo. Ao mesmo tempo, a paternidade foi considerada como secundária no desenvolvimento psicológico dos filhos, sendo as conseqüências da ausência paterna os aspectos mais ressaltados.

Quando voltamos nosso olhar sobre a produção nacional verificamos que, da mesma forma, a paternidade já era estudada na década de 50, portanto antes da eclosão do movimento feminista, mas relacionava o pai ausente com a delinqüência e fracasso escolar dos filhos, principalmente de camadas sociais mais pobres (Giffin, 2005).

Pesquisas recentes desenvolvidas no Brasil confirmam que as referências à maternidade eram mais freqüentes que à paternidade, tanto em revistas e publicações jornalísticas, quanto na literatura científica ou outros meios de comunicação. Através da metodologia da análise de conteúdo, Rodrigues (2000) toma como objeto de estudo uma revista publicada especialmente para orientar os pais no cuidado com os filhos, desde a gravidez até o crescimento dos mesmos. Comparando exemplares da revista da década de 1960 e 1990, a autora assinala que a figura materna aparece com um número muito maior de referências do que a paterna, principalmente nos artigos que ilustram os primeiros anos de vida da criança e essa maior quantidade de citações independe do ano de publicação da revista. À medida que a idade da criança vai aumentando, a participação masculina vai sendo mais citada, mas ainda não ultrapassa as referências à figura materna.

Outra pesquisa (Rodrigues & Trindade, 1999) verificou como era descrita a participação de pais e mães em um Manual de Psicologia do Desenvolvimento bastante conhecido e utilizado na formação de psicólogos na década de 70. As autoras indicam que a presença da figura paterna também era pouco expressiva. Novamente a mãe aparecia em maior número, com uma responsabilidade acentuada no desenvolvimento da criança. Nas palavras das autoras:

Isso demonstra, mais uma vez, a supervalorização do papel da Mãe no desenvolvimento infantil tendo como contrapartida a subvalorização do Pai. Ironicamente, o Pai só esteve significativamente mais presente nos textos quando se discutiam as conseqüências de sua ausência. (p. 155)

Levandowski (2001), ao realizar um levantamento sobre a literatura internacional sobre paternidade no período de 1974 a 1999 (indexada à base de dados Psyclit), constatou que há uma incidência em média três vezes maior de estudos sobre maternidade do que sobre paternidade e isso também se repete em relação à maternidade e paternidade

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adolescentes. A autora também verificou que, ao longo do período estudado, essa situação não se modificou.

Alguns estudos revelam como a participação masculina é pouco enfatizada também nos meios de comunicação, com uma subvalorização da paternidade no cuidado com os filhos. Essa questão é ilustrada por Medrado (1998a), que realizou uma pesquisa sobre os repertórios de masculinidade transmitidos pela mídia através da propaganda televisiva. O autor verificou que homens e mulheres representavam papéis bem definidos nos comerciais, com uma cristalização dos papéis masculinos ligados ao mundo do trabalho e femininos ligados ao cuidado infantil. Um pequeno número de peças publicitárias invertia esses papéis, mas nesse caso o homem não aparecia cuidando dos filhos e sim como educador moral e provedor financeiro (numa propaganda de seguros). Assim:

Os repertórios sobre masculinidade que compõem as mensagens publicitárias associam-se, quase exclusivamente, a um padrão heteroerótico de relações e apontam para uma configuração tradicional de relacionamento em que há uma excludente divisão de papéis: homem como provedor-protetor ou líder instrumental da família e a mulher como dona-de-casa, dependente afetiva e líder expressiva da família. (Medrado, 1998a, p. 157)

Hennigen (2003) também analisou comerciais publicitários veiculados pela televisão referentes ao Dia dos Pais no ano 2000, identificando como o tema paternidade encontrava-se retratado nesse tipo de mídia. A autora escolheu um comercial específico, no qual um homem, desajeitadamente, trocava as fraldas de seu filho no fraldário de um shopping center, sendo que as pessoas que transitavam no lugar demonstravam reprovação ou riam da situação.

Impulsionados pela reflexão sobre o papel masculino, surgem também no Brasil estudos sobre a ‘nova paternidade’, que se desenvolve baseada em uma aproximação entre pai e filho, com uma relação afetiva exteriorizada e o envolvimento do pai nos cuidados diários de saúde, higiene e alimentação dos filhos. Essa nova paternidade não surge sem conflitos, é cheia de avanços e retrocessos, mas está se constituindo em um modelo de paternidade possível aos homens.

Entre os estudos brasileiros realizados recentemente na área, algumas áreas de interesse podem ser destacadas: o envolvimento paterno durante a gestação, parto e nascimento, a participação nos cuidados com os filhos, as expectativas e sentimentos relacionados à paternidade, o relacionamento pai e filho durante a conjugalidade e após a separação, as representações sociais de paternidade e maternidade, entre outros temas. A seguir, uma pequena explanação sobre alguns estudos e pesquisas desenvolvidos na área,

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demonstrando a diversidade de temas e formas de abordagem e, também, os resultados obtidos até então.

Dentre os autores que investigaram a participação paterna durante a gestação, Piccinini, Silva, Gonçalves, Lopes e Tudge (2004) entrevistaram homens cujas companheiras estavam no terceiro trimestre da primeira gestação. Eles, em conjunto com suas companheiras, participavam do Estudo Longitudinal de Porto Alegre: da Gestação à Escola, coordenado pelo Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Nas entrevistas, os pais relataram que se sentiam envolvidos afetivamente e materialmente com a gestação da companheira. O apoio emocional e material à gestante, o acompanhamento às consultas e exames e o envolvimento nos preparativos para a chegada do bebê foram as formas mais citadas de participação paterna na gestação. Ao relatarem as preocupações com a gravidez, os homens até citaram as questões financeiras, mas estas não foram predominantes.

Esse dado contesta a visão tradicional do pai como provedor material e pode indicar uma mudança nos significados do papel paterno para esse grupo de sujeitos. Os homens entrevistados também expuseram que o envolvimento paterno na gestação ainda encontra algumas barreiras, como a dificuldade colocada pelas equipes de saúde para os homens assistirem ao parto de suas companheiras. Os autores enfatizam que é necessário que as equipes de saúde estejam preparadas para lidar com esse maior interesse dos pais na gravidez e parto, evitando ações pautadas em estereótipos e preconceitos.

Levandowski e Piccinini (2006), em outra etapa, também analisaram dados desse estudo longitudinal, mas selecionaram a amostra incluindo pais adolescentes e adultos. Investigaram quais as expectativas desses homens em relação à paternidade e encontraram diversos elementos positivos, com os pais imaginando-se presentes e atenciosos em relação aos filhos, ressaltando a questão da afetividade e do companheirismo e, apesar de aparecerem preocupações em cumprir o papel paterno com sucesso, os participantes revelaram-se otimistas com seu futuro desempenho. Outras expectativas mencionadas pelos pais foram a participação nos cuidados iniciais com o bebê e a orientação e aconselhamento do filho quando ele crescer. A paternidade também foi vista como provocando o aumento da responsabilidade masculina e redução da liberdade, citada tanto pelos pais adolescentes quanto adultos.

A opinião materna sobre a participação masculina no parto foi investigada por Motta e Crepaldi (2005). Através dos relatos das parturientes, as autoras categorizaram

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alguns tipos de participação paterna: a presença passiva do acompanhante, que não conseguia se envolver ativamente no trabalho de parto e possuía dificuldades em lidar com os sentimentos de ansiedade propiciados pelo trabalho de parto, além de não ter informações adequadas sobre esse processo; a referência familiar, na qual a ansiedade ainda estava presente, mas o homem conseguia oferecer apoio emocional à parturiente; e o acompanhante ativo, que conseguiu oferecer “segurança e conforto à mulher de forma autônoma e espontânea” (p. 09). As autoras ainda enfatizam a importância do apoio e orientação da equipe de saúde ao homem que acompanha o trabalho de parto, propiciando uma participação mais efetiva, mas, também, respeitando os limites e desejos do homem naquele momento, já que o acompanhamento do parto é um direito e não uma obrigação paterna.

Bornholdt, Wagner e Staudt (2007) identificaram as expectativas de homens que acompanhavam a gravidez de seu primeiro filho. As autoras observaram que, mesmo aguardando o parto acontecer para efetivamente se sentirem pais, os homens entrevistados revelaram seu desejo em aumentar sua proximidade e participação já durante a gestação e posteriormente no desenvolvimento dos filhos. Além disso, a preocupação com o sustento econômico da família estava bastante presente nas entrevistas desses pais, indicando que a paternidade, para eles, é pautada tanto em aspectos afetivos e de participação nos cuidados com os filhos quanto no aspecto tradicional de provedor financeiro, mesclando elementos tradicionais e novos da paternidade.

Tronchin e Tsunechiro (2006) pesquisaram a vivência de homens cujos filhos nasceram prematuramente, necessitando de cuidados especiais na Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN) e, posteriormente, em casa. Para os participantes, o fato de ter um filho nascido prematuramente provocou sentimentos de insegurança e até mesmo de surpresa e a internação do filho na UTIN desencadeou reações de choque, incredulidade e sofrimento. Esses pais relataram que tornar-se pai trouxe maior responsabilidade e seriedade, possibilitando transformações em suas vidas. Assim, os autores discutem que, numa situação difícil como a internação do filho na UTIN, a equipe de saúde deve estar preparada para inserir e tranqüilizar o pai no contexto hospitalar, fornecendo apoio emocional para minimizar sua insegurança e sofrimento frente à situação.

Outro grupo de pesquisas caracterizou a participação paterna no cuidado com os filhos. Silva e Piccinini (2007) utilizaram o conceito de envolvimento, que engloba a interação com os filhos, disponibilidade física e psicológica e responsabilidade em garantir

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cuidados e recursos para o filho. Ao entrevistar pais com filhos em idade pré-escolar, os autores verificaram que a satisfação era um elemento presente no discurso daqueles homens, que se avaliavam como bons pais e destacavam o relacionamento afetivo com os filhos como uma dimensão importante da paternidade. A responsabilidade pela criação dos filhos era considerada uma atividade compartilhada com a esposa, mas eles reconheciam que sua participação nos cuidados básicos dos filhos era irregular, principalmente devido ao trabalho. Assim, os autores identificaram que as demandas externas de trabalho dos pais influenciavam diretamente em sua interação com os filhos, tornando-se um obstáculo para que os participantes aumentassem seu envolvimento nesse cotidiano.

Dados semelhantes foram encontrados por Unbehaum (2000), que entrevistou homens de camadas médias urbanas, com filhos e vivendo maritalmente. Ela verificou que a participação masculina nas atividades doméstica e nos cuidados com os filhos estava relacionada à rotina profissional e disponibilidade no trabalho dos pais e, utilizando esse argumento, os próprios homens consideravam que cabia a eles decidir quando e como participar.

Por outro lado, Toneli e cols. (2006) entrevistaram casais de classes populares e encontraram práticas mais igualitárias na divisão das tarefas domésticas e no cuidado com os filhos. Mas, mesmo partilhando essas responsabilidades, um dos casais considerava que a participação masculina era menos efetiva que a feminina, como um auxílio à esposa, embora ela estivesse inserida no mercado de trabalho e ele, desempregado, cuidasse da casa e dos filhos.

A paternidade participativa foi conceituada por Sutter e Bucher-Maluschke como “aquela que subentende o cuidado e o envolvimento constante no cotidiano dos filhos – nos domínios da alimentação, higiene, lazer e educação” (2008, p. 75). Entrevistando homens de classe média, pais de crianças com até oito anos de idade, as autoras verificaram um maior envolvimento paterno nos cuidados com os filhos, de maneira compartilhada com a mãe, embora existissem queixas de cansaço (principalmente quando os filhos ainda eram bebês). Ainda assim, alguns pais se colocavam em posição secundária em relação à mãe nos cuidados parentais, considerando-as mais detalhistas e centrais para o bem-estar dos filhos. Já outros defendiam uma maneira própria de cuidar dos filhos, se avaliando como mais práticos e lúdicos, sem a necessidade de reproduzir as atitudes maternas (nesse caso reclamavam que as companheiras questionavam sua capacidade de cuidado com os filhos). A paternidade é vista como uma passagem para a vida adulta, que

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aumenta a responsabilidade e o investimento profissional devido à necessidade de prover materialmente e proteger a família - apesar de haver questionamentos dessa função de provedor. Nos dados obtidos também sobressaem os aspectos relacionados aos cuidados com os filhos, o envolvimento afetivo e a decisão de participar de todas as etapas de desenvolvimento do filho, procurando disponibilizar maior quantidade de tempo para ficar com ele.

Em diversas pesquisas, os aspectos tradicionais da paternidade são ressaltados pelos entrevistados, mas, de uma forma geral, elementos ligados à afetividade, relacionamento e participação no cotidiano do filho também são identificados, ilustrando mudanças e flexibilizações das responsabilidades paternas frente aos filhos, mesmo que ainda haja predominância materna em algumas esferas. Os dados de Freitas, Coelho e Silva (2007), entrevistando pais com filhos até o início da fase escolar, também evidenciam essa convivência de aspectos referentes ao pai tradicional e à ‘nova paternidade’:

O modelo de paternidade em que o homem mantém-se distante da vivência da gestação, assumindo-se como pai pela função de provedor, convive com o do homem que busca ser um ‘novo pai’, cujo vínculo afetivo é valorizado desde a gestação, representando possibilidades efetivas de rupturas como modelo tradicional de pai (p. 143)

Para os homens entrevistados por Bustamante (2005), um bom pai é “alguém que assuma o filho, o que implica ser provedor e estar presente em sua vida” (p. 399). Apesar do papel de provedor ser o mais importante para esses sujeitos, a proximidade afetiva, mesmo com a falta de tempo, também foi considerada fundamental. Estar presente significava mostrar a realidade para os filhos e impor limites. Para eles, os pais devem estar preocupados em manter a integridade física e emocional de seus filhos, pois são modelo para a sua formação moral; já as mulheres complementariam esse papel, assumindo os cuidados corporais dos filhos. Na discussão dos dados, a autora verificou que homens e mulheres possuem formas diferenciadas de cuidar dos filhos, baseadas na divisão sexual do trabalho. Há um predomínio do papel tradicional do pai: deve ser provedor, ser autoridade, estar perto dos filhos, sem necessariamente participar dos cuidados com a criança, pois os próprios pais se colocavam em um papel secundário quando o assunto era o cuidado com os filhos.

Para os participantes entrevistados por Braz e cols. (2005), um bom pai é caracterizado a partir de três grandes grupos de valores: emocionais (afetividade, bondade e suporte emocional), de personalidade e conduta (suporte material, honestidade e

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participação nas atividades domésticas e parentais) e valores de socialização (orientação e disciplina). Aspectos semelhantes são ressaltados ao caracterizar uma boa mãe: ela deve orientar e conduzir os filhos, ser afetiva e participativa, oferecer suporte emocional e ser responsável pelas atividades domésticas e cuidados com os filhos.

Entrevistando homens que constituíam famílias nucleares e monoparentais (com guarda materna dos filhos), Ramires (1997) encontrou resultados que revelavam o desejo de participação masculina nos cuidados com os filhos, denominado pela autora como a capacidade de ‘maternar’. Os pais enfatizavam a importância de um bom relacionamento com seus filhos, ampliando o diálogo e evitando posturas autoritárias e distantes como as de seus pais. Os homens separados também relatam sentimentos de frustração por não estarem diariamente com os filhos embora, em algumas situações, o relacionamento entre pai e filhos tenha melhorado após a separação. Alguns pais indicam o ‘monopólio materno’ como uma barreira para se aproximar, mas também é recorrente a concepção de que a mãe é mais importante na criação e no desenvolvimento dos filhos.

A opinião materna e o incentivo para que o homem participe dos cuidados com os filhos também parece ser um elemento fundamental para que ocorra seu maior envolvimento e satisfação nessa tarefa. Nesse sentido, os dados analisados por Crepaldi, Andreani, Hammes, Ristof e Abreu (2006) indicaram que a maioria das mulheres considerava o pai como participante nos cuidados com os filhos e tão afetuoso quanto elas nesses contatos. As principais atividades realizadas pelos homens junto com os filhos eram relacionadas aos aspectos lúdicos (45% das respostas), aos cuidados com higiene e alimentação realizados na presença da mãe (35%) e os mesmos cuidados realizados apenas pelo pai (20%). Dessa forma, as autoras ressaltam que, apesar da participação paterna em atividades junto com os filhos, nem sempre estas se relacionam aos cuidados básicos, que ainda permanecem como uma responsabilidade na maioria das vezes assumida pela mãe.

Perucchi e Beirão (2007) entrevistaram mulheres separadas e responsáveis pelo sustento da casa. Para elas, a paternidade significava participar dos cuidados com os filhos, estar presente e ser educador, com pouca referência à concepção tradicional de provedor. Foi possível verificar que algumas mulheres sentiam-se sobrecarregadas por assumir funções que, anteriormente, eram de responsabilidade do marido, evidenciando uma distribuição de funções maternas e paternas baseadas na divisão tradicional de gênero:

As construções de gênero, baseadas no modelo patriarcal, ficaram evidentes na fala das informantes, relacionando a maternidade à sensibilidade e à submissão e a paternidade à

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força e à atividade. O pai continua a ocupar, nessas concepções, um lugar de respeito e de autoridade sobre a família. (p. 63)

Já na pesquisa de Grzybowsky (2002), apesar das dificuldades financeiras relatadas, as mulheres não se queixavam dessa sobrecarga pois, como discute a autora, continuaram a desempenhar uma função que era anterior à separação e tradicionalmente assumida pelas mulheres: cuidadora da casa e dos filhos.

Pais que freqüentavam uma unidade básica de saúde em Florianópolis acompanhando suas companheiras nas consultas de seus filhos foram entrevistados por Resende e Alonso (1995). Nas entrevistas, os homens relataram seu interesse e efetiva participação nos cuidados com a criança em relação à alimentação, saúde ou limpeza - embora em certas atividades alguns deles se considerassem menos “jeitosos” do que a mãe, como quando a criança chorava muito sem motivo aparente ou na troca de fraldas. Segundo eles, nessas situações as mães sabiam como atender as necessidades dos filhos sem machucá-los. Os participantes também indicaram que, às vezes, sentiam-se discriminados pelas próprias companheiras ou profissionais dos postos de saúde, o que dificultava seu maior envolvimento no cotidiano infantil.

Essa e outras pesquisas já citadas revelam que uma das dificuldades para os homens ampliarem seu envolvimento com os filhos acontece também na relação com a companheira ou mãe de seus filhos e profissionais de saúde. Nesse sentido, verifica-se que tanto as mulheres quanto os profissionais que atuam na assistência à gravidez, partos e cuidados infantis muitas vezes apresentam comportamentos baseados em concepções tradicionais de maternidade e paternidade (Carvalho, 2003; Resende & Alonso, 1995), mesmo quando os homens já demonstram um envolvimento mais efetivo ou informam que a proximidade afetiva e os cuidados com o filho são importantes para eles. Como demonstra Fonseca (1998): “os estudos sobre paternidade estão trazendo à tona as condições criadas pela sociedade para facilitar ou dificultar o envolvimento de homens na vida familiar” (p. 192).

A maternidade e a paternidade, a partir da perspectiva das representações sociais, também foram tema de diversos estudos por um grupo de pesquisadores da Universidade Federal do Espírito Santo. Trindade (1993) entrevistou a clientela atendida no Serviço de Aconselhamento Genético da universidade, com suspeita de problemas nessa área, abortos repetidos sem causa clínica ou receio de ter filhos com algum problema genético devido a precedentes familiares. As representações sociais de maternidade das mulheres desse grupo

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envolviam os elementos Identidade Feminina, Dádiva Divina, Supervalorização da Mãe, Realização Pessoal, Filho Biológico, Sacrifício e Filho Normal. Já os homens representavam a paternidade como Pai Provedor, Realização Pessoal, Identidade Masculina, Filho Normal e Filho Biológico. A autora discute que tais representações remetem aos padrões tradicionais de maternidade e paternidade e alguns elementos são mais presentes de acordo com as situações vivenciadas pelos homens e mulheres (presença ou ausência de filhos sem problemas genéticos e dificuldades para engravidar e/ou manter a gravidez).

Outros estudos sobre a representação de maternidade e filho biológico no contexto de infertilidade também encontraram referências aos elementos tristeza, incompletude, frustração e autoconceito negativo (Trindade & Enumo, 2002), além da importância atribuída ao filho biológico (Borlot & Trindade, 2004).

Em outra investigação, ao entrevistar homens adultos de diferentes gerações, Trindade, Andrade e Souza (1997) encontraram os seguintes elementos das representações de paternidade: Afeto, Relacionamento Positivo, Atributo, Orientação e Provedor. Apesar de identificarem elementos mais ligados à afetividade entre pais e filhos, os autores ressaltam que, no cuidado com os filhos, a divisão de atividades entre pais e mães ainda permanece arraigada às concepções tradicionais. Entre os adolescentes entrevistados por Trindade e Menandro (2002) as concepções de paternidade englobavam elementos como prover as necessidades dos filhos, educar, dar carinho e atenção. Já a maternidade envolvia cuidar, dar carinho e sacrificar-se pelo filho, além da mãe ser considerada a figura mais importante para o filho.

As pesquisas desenvolvidas sobre o tema paternidade, tanto no Brasil quanto em outros países, possuem diversos enfoques, mas, de uma maneira geral, trazem alguns pontos em comum para reflexão. A paternidade, nesse grupo de pesquisas, quase sempre foi relatada como uma vivência desejada pelos homens, que participaram, algumas vezes de maneira mais tímida, dos preparativos e cuidados com a companheira e filhos durante a gravidez, parto e nascimento. Além disso, muitas pesquisas demonstram que o homem está buscando também se envolver nos cuidados com os filhos, embora ainda de maneira parcial e descontínua – tal como ocorre no auxílio masculino nas tarefas domésticas, já discutido anteriormente. Os modelos de paternidade vivenciados englobam aspectos tidos como tradicionais na paternidade, tais como o pai provedor e educador moral, ao mesmo tempo em que emergem discursos e práticas valorizando o relacionamento próximo e

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afetivo entre pai-filho e a participação paterna nos cuidados com a criança. Por outro lado, para que efetivamente o homem se envolva nos cuidados e criação dos filhos, parece que alguns fatores devem estar presentes, tais como a valorização e incentivo à participação paterna por parte das companheiras, familiares, profissionais e amigos.

1.5. Teoria das representações sociais

Como já exemplificado, diversos autores têm utilizado a Teoria das Representações Sociais para estudar temas como relações de gênero, saúde reprodutiva, maternidade e paternidade (Borlot & Trindade, 2004; Gallardo & cols., 2006; Palacios, 1997; Villamizar & Rosero-Labbé, 2005; Trindade, 1993; Trindade & cols., 1997).

O fenômeno e a Teoria das Representações Sociais foram inicialmente estudados por Sérge Moscovici, na década de 60, em um trabalho que objetivou compreender a apropriação da população francesa dos conceitos da psicanálise em suas questões cotidianas (La psychanalyse, son image et son public, publicada originalmente em 1961). Partindo da crítica à psicologia norte-americana e sua tradição behaviorista e da crítica às representações coletivas propostas por Durkheim, Moscovici propôs a mudança do foco da análise, passando a considerar “como um fenômeno o que anteriormente era visto como um conceito” (2005, p. 45).

As representações coletivas propostas por Durkheim abrangiam uma cadeia de formas intelectuais que ocorriam na sociedade, incluindo ciência, religião, mito, emoções, modalidades de tempo e espaço, mas, para Moscovici (2005), elas possuíam um caráter estático; a representação coletiva, então, se colocava como uma realidade que se impunha aos indivíduos (Herzlich, 2005). Com a proposta das representações sociais (RS), Moscovici conseguiu articular a influência recíproca da estrutura social e de seu autor, demonstrando que a representação social “é um modo de pensamento sempre ligado à ação, à conduta individual e coletiva, uma vez que ela cria ao mesmo tempo as categorias cognitivas e as relações de sentido que são exigidas” (Herzlich, 2005, grifos no original, p. 59).

Assim, diferentemente de Durkheim, Moscovici considerou as RS como fenômenos dinâmicos e plásticos, que possibilitam mudanças nos sistemas de pensamento de forma a dar sentido às vivências cotidiana em cada contexto histórico, político, científico e humano (Moscovici, 2005).

Referências

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