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CONSIDERAÇÕES FINAIS

CONSELHO X ÍNDICE DE CAPACITAÇÃO X AUTONOMIA

GRÁFICO 11 – TIPOS DE DECISÃO, POR ANO E CONSELHO

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho objetivou revisitar e ampliar o conhecimento sobre o caráter da autonomia da sociedade civil na contemporaneidade face às mudanças ocorridas na relação entre Estado e sociedade civil brasileira nas últimas décadas. Tendo como referente empírico três conselhos gestores de políticas públicas do município de Concórdia/SC, o foco esteve voltado para a investigação dos efeitos que as práticas participativas, incorporadas a partir da Constituição de 1988, produziram sobre a autonomia das organizações da sociedade civil em relação ao Estado. Mais precisamente, como essas dimensões são expressas e percebidas pelos atores relevantes que atuam no interior dos espaços participativos. Em termos gerais, a intenção foi averiguar se, e em que medida, a relação estabelecida entre sociedade civil e Estado, frente ao contexto de participação social em espaços institucionalizados, – aqui notadamente os conselhos gestores – tem contribuído para ampliação da democracia na sociedade brasileira.

Os conselhos gestores foram escolhidos como objetos empíricos por possuírem uma legislação própria e uma regulamentação legal que define a participação da sociedade civil como obrigatória, independente da configuração política da administração municipal. Já o município de Concórdia foi escolhido como cenário da pesquisa por apresentar histórico de grande mobilização social e ativa participação associativa.

A partir das análises desenvolvidas ao longo deste texto, pôde-se resgatar e confirmar a tese de que a autonomia é um conceito relacional, processual e interativo, e conformado pela natureza dos vínculos estabelecidos no interior da sociedade civil e desta com o Estado em um dado contexto histórico. O exame dos processos estabelecidos no interior dos conselhos, juntamente com as análises do perfil dos conselheiros e das entidades representativas da sociedade civil, ratificam que a autonomia só pode ser devidamente compreendida quando investigada sob o prisma das interações estabelecidas entre as pessoas, os grupos e as instituições.

Assim, por ser um conceito de caráter eminentemente relacional, o exercício da autonomia é impactado por uma série de fatores de ordem pessoal, social e institucional, fatores inscritos em contextos conjunturais e estruturais. Para efeito da pesquisa, alguns fatores foram priorizados, a exemplo da conjuntura social, econômica e política do município de Concórdia, do desenho institucional dos conselhos, do perfil sócio-econômico e da trajetória política dos conselheiros, do perfil

das associações e de sua capacidade de articulação em redes. A interconexão entre estes fatores permite dizer, seguindo análise de Lüchmann (2002a) referente aos diferentes desenhos institucionais das novas experiências participativas que, embora seja possível estabelecer uma escala, na qual, o aumento da combinação entre as variáveis corresponda a um aumento nas chances de sucesso do exercício da autonomia no interior das experiências participativas, isso não significa que haja barreiras intransponíveis para práticas autônomas em realidades com outras configurações. Independente disso, o que se observa é que a autonomia é um conceito relacional e contextual.

Dito isto, podemos concluir que a autonomia, compreendida na sua fluidez e mutabilidade, interpela os modelos analíticos rígidos e absolutos. Os achados desta dissertação, embora ainda preliminares diante da necessidade de sofisticação teórica e metodológica, sugerem que a autonomia deva ser apreendida na sua transversalidade, pressupondo diferentes níveis ou graus na capacidade de relação e de proposição, em detrimento de abordagens que prevêem ausência de relação, como as perspectivas de autonomia entendidas a partir da antítese ou de uma radical distinção entre sociedade civil e Estado que, determinaram como ilegítimas as relações entre estas duas esferas para o processo de construção da democracia forjado durante pelo menos duas décadas no Brasil. Como vimos, o debate dos anos de 1970 e 1980 tinha, na autonomia, a categoria central de distinção da sociedade civil que, ajustado ao terreno da espontaneidade e do voluntarismo, trazia a contribuição dos movimentos sociais para o centro das reflexões.

Embora seja relevante e inegável o papel dos movimentos sociais para a democracia, o questionamento trazido neste trabalho repousa sob os moldes que a discussão tomou na medida em que, ao se defrontar com outro manequim, o figurino da autonomia praticamente saiu de cena. As mudanças no cenário brasileiro no período de redemocratização marcaram quase que o abandono completo da referência a autonomia. O enviesado da discussão foi tão profundo, que se julgou mais conveniente obliterar o debate acerca da autonomia, na medida em que estava marcado por um entendimento refratário aos olhares mais predispostos ao diálogo e ao reconhecimento das possibilidades e dos limites das diferentes perspectivas teóricas acerca das configurações e dos papéis da sociedade civil e do Estado.

Deste modo, as informações mapeadas e analisadas nesta dissertação desafiam e interpelam abordagens teóricas centradas, exclusivamente, em uma variável explicativa, instigando a busca de novas frentes teóricas e analíticas, bem como a superação de abordagens

dicotomizadas que restringem a compreensão acerca da democracia, da participação e da autonomia em contextos institucionais.

O formato cambiante e flexível exige, não somente, a mobilização de uma série de variáveis analítica e procedimentos metodológicos, como também um olhar transversal sobre estes. Parte deste esforço foi realizado neste trabalho e pode-se afirmar a partir do caso de Concórdia que não existe uma autonomia, mas sim autonomias, sendo a relação, a interação, a mutabilidade os elementos generalizáveis desta noção. Portanto, os tipos de autonomia aferidos indicam diferentes tipos de relações, conformando uma noção sócio-histórica que se transforma no tempo e no espaço.