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Histórico de Ocupação e Organização Social: o município de Concórdia/SC

OS CONSELHOS GESTORES NO MUNICÍPIO DE CONCÓRDIA

2.1 Histórico de Ocupação e Organização Social: o município de Concórdia/SC

a) Histórico de ocupação e de desenvolvimento econômico e político do município de Concórdia

Até a primeira metade do século XIX, o oeste catarinense, assim como as demais cidades que compõem o estado de Santa Catarina, era habitado por grupos nativos “subdivididos em Kaingang, Xokleng e

Carijó” (COMASSETTO et al., 2006, p. 152) que viviam

fundamentalmente da caça, da pesca e de pequenas hortas cultivadas no entorno de suas tribos. A chegada do colonizador europeu e o conseqüente processo de ocupação promoveram o etnocídio e genocídio dos grupos nativos, tanto pelo confronto violento quanto pela transmissão de doenças trazidas pelos colonizadores. A estratégia utilizada para avançar pelo território contou com a captura e a servidão de alguns nativos que, após meses de cativeiro, receberam títulos militares e a incumbência de assistência aos colonizadores no desbravamento do território. O conhecimento nativo da mata e as trilhas abertas para o acesso aos seus bens de sobrevivência “permitiram o desenvolvimento de mecanismos para o reconhecimento da região, [...] posteriormente apropriado pelos invasores e pelo exército que abriram as vias de ligação do Sul com o centro do país” (Ibidem, p. 159).

Os caminhos abertos pelos nativos serviram aos tropeiros que seguiam do Rio Grande do Sul para a cidade de Sorocaba, na província de São Paulo, lugar em que ocorria, anualmente, a feira de gados em que eram comercializados couro e mulas, estas servindo ao trabalho extrativista nas minas de ouro na comarca de Minas Gerais. A utilização das mulas na extração exigia o permanente deslocamento para abastecimento do mercado no sentido sul-sudeste, sendo que a partir de 1820 novos caminhos foram abertos entre o oeste dos estados de Santa Catarina e Paraná, para evitar a cobrança de mais tributos no trajeto da Estrada Real. Este movimento permitiu que, através dos diversos lugares de repouso, se formassem pequenos povoados que mais tarde se tornaram cidades44. Portanto, depois do extermínio dos indígenas o processo de ocupação desta região teve prosseguimento com o

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Amador (2006, p. 175) afirma que “o processo de ocupação não vem do litoral e nem do Sul e sim de São Paulo” sendo que os “bandeirantes vinham para o sul do país para adquirirem mulas para o transporte, gados e índios.”

tropeirismo, sendo o caboclo45 o habitante característico de grande parte do oeste de Santa Catarina (AMADOR, 2006, p. 177).

Com a conclusão da construção da Estrada de Ferro São Paulo – Rio Grande em 1910, a prática do tropeirismo declinou frente a novas formas de transporte, sendo que as populações que trabalhavam com o gado no Rio Grande do Sul migraram para o oeste catarinense para trabalharem na extração de madeira e erva-mate e em pequenas plantações, formando pequenos povoados. As populações caboclas, por terem a base de sua economia ancorada nas atividades de subsistência, “não visavam, através de seu trabalho enriquecer, mas ter uma vida simples. Devido a sua condição social e econômica, utilizava a erva- mate como mercadoria de troca” (COMASSETTO et al., op. cit., p. 162).

A construção da estrada de ferro, além da mudança no perfil sócio-econômico implicou também em modificações no aspecto étnico e cultural que desencadeou, alguns anos mais tarde, a Guerra do Contestado (1912-1916). Este conflito marcou a luta pela posse da terra pelos caboclos que ali viviam e que foram expulsos por causa de sua edificação e posterior doação do governo (das terras em que habitavam) à companhia construtora como parte do pagamento pelas obras. A estrada de ferro, bem como a concessão de lotes, faziam parte dos esforços adotados pelo governo imperial para modernizar o país, introduzindo “na região novas forças econômicas ligadas ao modelo monopolista que se instalava na República” (AMADOR, op. cit., p. 178).

Proclamada a República, o governo firma contratos com companhias colonizadoras e faz investimentos de divulgação na Europa das possibilidades de aquisição de terras e de oportunidades de trabalho existentes no Brasil, abrindo caminho para a imigração, sobretudo italiana e alemã. “Os imigrantes eram vistos como uma força de trabalho potencial para o modelo agroexportador dependente, que devia substituir a mão-de-obra escrava” (COMASSETTO et al., op. cit., p. 166). Portanto, os brancos europeus que aqui chegaram vieram para substituir a população cabocla que não se inseria social, cultural e economicamente nos moldes de produção exigidos pelo modelo de desenvolvimento adotado no Brasil. Sua produção, fundada sobretudo

45 Para Amador (2006) o caboclo é fruto da miscigenação de portugueses, índios e negros. Para Poli (apud COMASSETTO et al., 2006) o caboclo era fruto do cruzamento de indivíduos já miscigenados e sua conceitualização é de cunho mais social e econômico do que racial. Para Renk (apud COMASSETTO et al., Ibidem), caboclo foi o termo utilizado pelos europeus para designar a população mestiça.

na economia de subsistência, não atendia aos padrões de produção, acumulação e lucro desejados para o país.

Assim é que, a partir de 1920, a região que atualmente forma o município de Concórdia começa a receber os primeiros migrantes, filhos de imigrantes italianos que habitavam o Rio Grande do Sul. As companhias colonizadoras ofereciam as terras da região do oeste de Santa Catarina como alternativa às famílias que viram as suas terras serem inviabilizadas produtivamente devido ao aproveitamento inadequado do solo que gerou o seu depauperamento46.

O migrante europeu, tendo posse legal da terra, procedeu à expulsão do caboclo, este considerado um intruso (Ibidem, p. 165). Este contexto, forçosamente gerou o confronto entre europeus e caboclos, os quais divergiam em suas concepções de vida. Os migrantes que vieram para o Brasil com o intuito de enriquecer e de produzir para gerar excedentes para a comercialização,

Julgam-se superiores pelo fato que seu trabalho produz, em mercadorias, uma escala maior do que os caboclos [...] que não via o trabalho como uma forma de enriquecer materialmente, mas como instrumento com o qual produz e reproduz a sua sobrevivência. Assim, não havia partilha nem tampouco disputa pelas terras ocupadas por caboclos (Ibidem, p. 169-170).

O que se percebe é que Concórdia não se constituía em “um vazio demográfico no início da atuação das companhias colonizadoras” (Ibidem, p. 169), mas era habitada, até o século XIX, por uma população indígena que foi dizimada. Posteriormente, o território foi sendo ocupado pelos caboclos47 que viviam da economia de subsistência e recebendo, após a Guerra do Contestado, grande contingente de descendentes imigrantes italianos e alemães que culturalmente se

46 A literatura cita principalmente as companhias Sociedade Territorial Mosele, Eberle, Ahrons

& Cia., Empresa Colonizadora e Pastoril Teodoro Capelle e Irmão, Colonizadora Brum e Luce & Rosa Companhia Ltda. As terras adquiridas por estas companhias (cerca de 6 milhões

de acres) foram dadas a empresa Brazil Development & Colonization Company como parte do pagamento pela construção da estrada de ferro (COMASSETTO et al., op. cit., p.167). 47 Em julho de 2007 a Prefeitura Municipal de Concórdia, através da Assessoria de Comunicação Social, organizou e publicou o livro Retratos da População de Concórdia: os

afrodescendentes, livro composto de retratos e de pequenos relatos de afrodescendentes

moradores do município. A compilação é fruto dos trabalhos realizados na Semana da Consciência Afro-Brasileira realizada na cidade em 2005 e 2006 e tem o claro intuito de evidenciar que a história e a cultura do município de Concórdia não são compostas exclusivamente pelos descendentes de brancos europeus.

inserem na lógica mercantil. É a partir deste modelo de desenvolvimento que, em 29 de julho de 1934, a colônia de Concórdia se emancipa do município de Cruzeiro48.

Até a década de 1940, a produção dos migrantes estava voltada para o trabalho familiar de extração de madeira e de erva-mate. Na pequena propriedade, núcleo da produção econômica, também se cultivava mandioca, batata doce, arroz, feijão, milho e trigo e se criava animais, principalmente aves, suínos e bovinos que, com o aumento da produção e geração de excedentes, começaram paulatinamente a serem comercializados. O milho produzido servia de ração e a comercialização, notadamente de suínos, começou a ganhar espaços nos mercados paulistas e fluminenses, produção esta transportada pela ferrovia (POLI, 1999, p. 64). Deste modo, o desenvolvimento da agroindústria alimentícia em Concórdia, especialmente da empresa Sadia S.A. fundada em 1944, teve sua gênese na produção primária realizada na pequena propriedade rural do migrante europeu (AMADOR, op. cit., p. 185).

A partir de 1950, com a implantação da Sadia, a produção de Concórdia começa a ganhar projeção nacional. A produção agrícola ganha contornos mais modernos e a cidade começa a se urbanizar. Nos anos de 1960, o parque industrial da cidade é composto por 132 estabelecimentos, sendo o período em que teve início o fenômeno do êxodo rural, intensificado nas décadas seguintes49 (BILIBIO et al., 2006, p. 191).

A partir das décadas de 1970 e 1980 ocorrem novas transformações econômicas, sociais e políticas advindas do avanço do processo de industrialização baseado na agroindústria. A modernização agrícola gerou uma crise na economia camponesa local, especialmente no setor da suinocultura.

A introdução do sistema de parceria/integração modifica a relação do pequeno produtor com a agroindústria. Segundo Rossari (2006) o sistema de integração

É a forma pela qual as agroindústrias planejam suas atividades para garantir matéria-prima (aves e suínos) em quantidade,

48 Concórdia até 1934 fazia parte do município de Cruzeiro (atual município de Joaçaba), sendo criada no dia 12/07/1934 pelo Decreto nº 635 e emancipada no dia 29/07/1934. Disponível em: <www.concordia.sc.gov.br>. Acesso em: 13 de março de 2008.

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De acordo com Bilibio et al. (2006), na década de 1950 a cidade de Concórdia ocupava o 11º lugar em desenvolvimento no estado de Santa Catarina e no fim da primeira metade da década de 1960 o município é o 7º em arrecadação.

qualidade e segurança de disponibilidade. Nesse sistema, o produtor entra como a propriedade agrícola, instalações físicas, equipamentos e mão-de-obra e as empresas monitoram a produção, fornecem assistência técnica, medicamentos e compram a produção. No caso da avicultura fornecem as aves recém nascidas (ROSSARI, 2006, p. 102)

Visando atender as exigências do sistema de parceria e da qualidade da produção para exportação, os pequenos produtores tiveram que dinamizar e melhorar a sua produção, adquirir novos equipamentos, melhorar as instalações físicas, utilizar novas técnicas e sementes selecionadas. A adesão de máquinas e insumos industrializados na produção foi facilitada pela abertura de linhas de crédito bancário aos pequenos produtores que não foram compensados pelos ganhos em produtividade, já que “parte das unidades camponesas de produção passaram a ter dificuldades de competir nesse mercado. Mesmo tendo feito alguns investimentos para modernizar sua produção, muitos camponeses não conseguiam atingir níveis competitivos de produção e produtividade” (POLI, 1999, p. 66).

A situação foi agravada pela queda e oscilações dos preços e do consumo da carne suína, que associada ao pagamento dos financiamentos a juros altos, levou grande parte dos proprietários à bancarrota e a conseqüente venda dos seus bens para arcarem com as dívidas (Ibidem). Tal situação foi ainda agravada pelo episódio da Peste Suína Africana50 que levou ao extermínio vários rebanhos de suínos suspeitos de contaminação pela doença.

O episódio da peste suína teve fim, mas a crise continuou e a resultante foi que a produção independente praticamente desapareceu e parte significativa das unidades camponesas de produção foi desintegrada, gerando o deslocamento de grande contingente populacional para a zona urbana das cidades-pólos da região oeste. Os números apresentados Tabela 1, página seguinte, são indicativos das transformações demográficas do município.

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O acontecimento da Peste Suína Africana é controverso, mas de acordo com Poli (1999, p. 69) a suspeita é que “a suposta peste foi uma estratégia para a eliminação definitiva da produção autônoma de suínos na região”.

TABELA 1 – DENSIDADE DEMOGRÁFICA DO