CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho se caracterizou como uma pesquisa de caráter exploratório que buscou analisar os desafios teórico-políticos que se põem no cenário das políticas de internacionalização da educação superior pública no Brasil, a partir do estudo da política institucional de internacionalização de uma universidade de recente implantação, a Universidade Federal do ABC. Nesse passo, foi possível identificar as tendências que impactam a construção da universidade do século XXI.

Na prática, a UFABC apresenta acordos de cooperação solidária na pesquisa e no ensino, por meio de convênios de cooperação bilaterais e da participação em redes de pesquisa, o que ocorre muito mais por conta das iniciativas empreendedoras de seus professores e, em particular, de seus agentes de internacionalização. Ademais, os fundamentos teórico-políticos que permeiam sua política institucional de internacionalização advêm de uma lógica de mercado, conforme recomendada pelas agências multilaterais e que está explícita em seu documento orientador, o PDI 2013- 2022, e se inspira no modelo de instituição de educação superior das World Class Universities, confirmando a avaliação de Teodoro e Jezine (2012 p. 15) de que “as orientações do Banco Mundial são inspiradas nos princípios de mercado, sob as proposições da privatização e da descentralização das funções públicas, e pautadas pelo paradigma tecnoeconômico, que conduz alianças entre empresas na formação de redes.” A partir da Constituição Federal de 1988, do Brasil, a educação passou a ser vista como um direito humano, mas agências multilaterais como Banco Mundial e OMC a propõem como mera mercadoria. Nesse sentido, há um duelo incansável de viabilização de processos de privatização da educação superior e, em contrapartida, de sucateamento e depreciação das instituições públicas, tendo como estratégias para tal intento o sufocamento dos orçamentos e das condições de trabalho dos professores, retirada de bolsas para pesquisa e desenvolvimento das ciências, entre outros problemas.

Pode-se perceber, na análise das entrevistas com os atores da UFABC aqui pesquisados – gestores da administração superior (3) e agentes de internacionalização (5) –, tanto a percepção das especificidades do projeto da instituição na qual estão inseridos quanto os interesses e desafios gerados nas suas relações com a região do ABC no quadro do processo de internacionalização. De outro lado, e contraditoriamente, o papel da Universidade Federal do ABC concernente ao acesso se realiza em boa medida, dados os números de estudantes advindos da escola básica

pública que ingressam por meio de políticas de inclusão, tendo em vista que a principal forma de ingresso é pelo ENEM/ SISU – assim, pode-se dizer que a UFABC possui uma característica popular quanto ao acesso.

As análises das questões abordadas nas entrevistas indicam que os propósitos de rompimento com as matrizes político-institucionais tradicionais que tanto permeiam o contexto da educação brasileira e que estão presentes nos documentos que fundam a UFABC surgem em meio a ambiguidades que dificultam a perseguição dos objetivos de construção de um modelo institucional fora dos padrões. Como observamos na prática, a trajetória dessa instituição caminha em meio a ciclos viciosos da tradição.

A política de internacionalização da UFABC apresenta propósitos bem definidos e relevantes de trabalhar para o avanço tecnológico e científico de excelência, da região e do país, segundo o modelo das universidades de classe mundial, levando-a a focar investimentos em cursos e processos de participação na internacionalização que não conseguem romper os traços de elitismo que historicamente constituíram o sistema nacional de educação superior. Esse aspecto é evidenciado em seu projeto original e em sua prática institucional - a busca por se tornar uma universidade de classe mundial -, que se volta, não prioritariamente, para a inclusão e o resgate de saberes populares, mas às pesquisas em inovação tecnológica e à aproximação com as empresas para se posicionar melhor na economia mundial.

Ainda que a política de internacionalização da UFABC seja uma política interna, portanto orgânica e institucionalizada, a análise dos dados das entrevistas com os atores responsáveis pelo processo de internacionalização está demasiadamente dependente, de um lado, das possibilidades de mobilidade trazidas pelo Programa Ciência Sem Fronteiras e das iniciativas de seus professores (eventualmente de seus estudantes) nos contatos e nas redes internacionais de pesquisa, e, de outro, da modelagem proposta para as universidades de padrão internacional.

Desse modo, a política de internacionalização da instituição não se constitui, em sua prática institucional e na matriz curricular, em perspectiva contra hegemônica, o que se deve, em boa medida, aos modelos avaliativos utilizados pelo MEC que incidem sobre as instituições de educação superior indistintamente - seja em relação às novas IES federais seja com as que buscam implantar novo modelo como a UFABC -, que respondem a elementos de identidade e critérios de desempenho exógenos de universidade. Tais encaminhamentos apresentam a ambiguidade que aqui foi tratada como uma dialética local/global que preserva um modelo dominante de IES e inibe as

potencialidades do modelo que se propõe alternativo. Por isso, é possível identificar nas entrevistas analisadas a ambiguidade entre o projeto político-institucional original, de cariz contra hegemônica em larga medida, e a política interna de institucionalização de natureza adaptativa aos modelos internacionais. No que concerne à política de internacionalização, apesar da boa novidade de se estruturar organicamente, ela se orienta pela força do padrão de uma internacionalização competitiva, inibindo processos mais amplos de cooperação acadêmica e científica que implicariam uma atuação mais proativa, por exemplo, na América Latina e na reordenação das desigualdades que se apresentam na geopolítica mundial do conhecimento.

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