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iii A FUNDAÇÃO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO ABC

ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMIESTRUTURADO AGENTES DE INTERNACIONALIZAÇÃO (AI)

3. Internacionalização pela perspectiva competitiva ou solidária

Como visto na análise a partir da categoria ‘internacionalização da educação superior’ sobre os fundamentos que orientam a política institucional de internacionalização da UFABC, um dos objetivos do PDI 2013-2022 é chamar a atenção para os indicadores de qualidade universitária e faz parte do discurso dos gestores.

A esse respeito, o Sujeito 3 relata: “a UFABC ela tem, eu diria, algumas características muito peculiares que eu acho que são interessantes: primeira, se destaca nos rankings universitários pela questão da internacionalização, né? ” Um dos motivos que justificam tal colocação em primeiro lugar no Ranking Universitário da Folha, na

categoria internacionalização, é o fator de impacto das publicações. Para o Sujeito 3: “em grande parte isso se deve ao fato de que cem por cento dos docentes da UFABC são doutores [...]”, que corresponde a um dos aspectos que definem, segundo documento do BM construído por Salmi (2009), as condições de possibilidade de uma universidade ser de classe mundial: alta concentração de talentos. Condição vista, segundo o Sujeito 2, da seguinte forma:

A meu ver, eu acho que não pode desprezar os rankings e “ah vamos fazer tudo e o que for bom é bom e o que não for bom não é bom”, mas a meu ver eu acho que os rankings eles devem emitir uma melhora, uma excelência da universidade, vamos dizer assim, em todos os aspectos e a gente tem a ambição de ser uma universidade com importância internacional.

De acordo com o documento orientador da universidade, o PDI 2013-2022, a instituição busca se destacar nos rankings pois “deve acompanhar, estudar os mais diversos rankings universitários, desde as avaliações periódicas dos cursos de graduação, pós-graduação pelo MEC e pela Capes, até os rankings internacionais de universidades de classe mundial. ” Também tem como objetivo atingir melhores posições nos rankings nacionais, como o RUF, já citado, assim como nas avaliações do INEP, ENADE e Capes, e nos indicadores específicos CPC e IGC. A justificativa dada pelo Sujeito 2G pela boa colocação nos rankings é que,

Em geral, nos rankings internacionais a gente vai crescendo consequentemente em todos os anos, principalmente porque nossa pesquisa aqui é muito internacionalizada... É de qualidade, hoje em dia para ser pesquisa de qualidade ela tem que ter alguma repercussão internacional.

Nota-se uma posição confinada aos critérios das WCU em relação aos parâmetros de qualidade e de excelência delineadas nos documentos internacionais e trazidos para a realidade da UFABC. O Sujeito 3 corrobora tal posição da seguinte maneira:

Não é um modelo a perseguir. As políticas internas, as decisões, as políticas pelo menos dessa gestão da qual eu participo elas não são políticas decididas, tomadas com o objetivo de melhorar no ranking x ou y. Então, assim, esse é um elemento, a gente olha pra esses rankings, eu diria, tendo um sinal e não entendendo eles como uma verdade absoluta, ele é um dos elementos, os rankings são um dos elementos que permitem a auto avaliação da universidade, mas a gente não acredita que são os elementos únicos nem os principais, são um elemento entre outros, né. E nesse sentido a minha leitura é que não se trata de perseguir o modelo de universidade internacional, mas

desenvolver a UFABC segundo os valores de seu projeto pedagógico que a gente acredita que sejam valores diferenciados, que agregam em relação ao modelo mais tradicional de universidade e a nossa aposta é que quanto mais a gente conseguir implantar esse projeto...porque uma coisa é você ter o projeto, outra coisa é implantar ele, quanto mais a gente conseguir implantar esse projeto mais a universidade vai - quase como um efeito colateral - se destacar nesses rankings. Então, a gente não está conseguindo ranking, mas a gente acha que vai alcança-lo desenvolvendo o projeto pedagógico que a gente tem.

Se tomados os documentos institucionais da universidade e comparados à fala desse Sujeito, percebe-se que há um discurso voltado à cooperação nas propostas e posicionamentos oficiais da universidade; no entanto, a implantação prática desses objetivos e os programas e estruturas desenvolvidos para alcança-los caminham, sim, para um modelo que busca conexão aos mercados, às demandas da economia mundial, em outras palavras, a uma perspectiva de mercado.

Pois a perseguição aos rankings e os resultados apresentados apenas validam o fato de a UFABC ser um modelo de universidade que cumpre com as recomendações do BM e atende aos conceitos propostos por essa instituição sobre internacionalização do terciário.

O propósito se torna fulgente com o discurso do Sujeito 1, que diz o seguinte: “[...] o ranking desafia a tradição, ele desafia a reputação. ” Refere-se o entrevistado à reputação de uma universidade tradicional que é desafiada, desafio que é enfrentado a partir de bons indicadores, que por sua vez se estabelecem a partir de um conceito de excelência que se propõe para uma WCU.

De acordo com Santos, Teodoro e Costa Junior (2016), ao analisarem os critérios de rankeamento frente à onda neoliberal e à criação das novas universidades, esses indicadores têm caráter ideológico, pois representam a perspectiva dos países hegemônicos e, nesse sentido, vão de encontro às necessidades dos países periféricos que dizem respeito à inclusão, à produção de conhecimento que funcione para as comunidades de entorno e para a sociedade brasileira e assim por diante.

É nesse sentido que entendemos que tais critérios e tais indicadores tornam-se, na periferia do capitalismo, um instrumento de dominação. Mesmo que consideremos que o projeto de criação das novas universidades tinha, originalmente, o objetivo de reconfiguração da educação superior pública no Brasil a partir de uma perspectiva contra hegemônica, o que vemos na prática, na UFABC, segundo os discursos de seus

gestores, é que seu projeto institucional cede à palavra de ordem que define o modelo institucional da educação superior do mundo moderno: a World Class Universities.

Neste ponto, é relevante refletir, com Llavador (2012, p. 47), sobre a influência dos interesses da economia e da geopolítica mundial:

Cambiemos de perspectiva, y volvamos al princípio de nuestra breve reflexión. La expresión “indicadores de calidad” aplicada a la educación encuentran su origen en un discurso propio de la economia, y de un tipo de economia especifico, a saber: la economia del sistema capitalista em su fase más reciente y extrema: la economia de de producción y su culminación em la economia de consumo (a la que algunos ya comienzan a llamar, dada su imbricación com lo virtual, economia de ficción). Cuando hablamos, entonces, de indícios, índices o indicadores de calidad educativa estamos hablando, en este orden del discurso o en este discurso de orden, indicadores de producción, consumo y rendimento educativos contables. En definitivo, estamos hablando de la educacion como um modo de producción, pero al hacerlo así ya no estamos hablando (de hecho, estamos dejando de hablar) del sentido de la educacion ni de los fines de la educación em um mundo finito, de fragilidade creciente, mayor cuanto mayor es la aceleración del cambio, y la dificultad de aplicar los “frenos de emergência”. (LLAVADOR, 2012, p. 47)

Discurso dos Agentes de internacionalização

1. Internacionalização da Educação Superior

A função de agente de internacionalização foi criada pela Resolução Consuni nº 063, de 15 de março de 2016, designando atribuições a professores em relação aos cursos de graduação, entre outras atividades. A Resolução dispõe sobre o desenvolvimento de atividades que se relacionam à internacionalização do curso, mediação entre a assessoria de relações internacionais e outras universidades, acompanhamento dos estudantes em seus processos de mobilidade, análise e reconhecimento de disciplinas cursadas em outras instituições, apoio à participação discente em programas de mobilidade e seus devidos planos de estudos. Como perfil, o agente de internacionalização tem necessariamente de ser um professor ativo em alguma das áreas de curso, além de experiência em atividades acadêmicas no exterior, seja por meio da pesquisa, do ensino ou da extensão.

Para Ball (1993, p. 22), “a política como discurso estabelece limites sobre o que é permitido pensar e tem efeito em distribuir “vozes”, uma vez que somente algumas

vozes serão ouvidas como legitimas e investidas de autoridade. ” A fala do Sujeito 7: “Eu esperaria ter um pouco mais de voz [...]”, parece evidenciar justamente essa ausência de voz (de influência, portanto) na formulação e implementação da política de internacionalização, tendo seu trabalho minimizado. Pois inexiste um processo de participação dos Ais. Na CRI e na ARI.

De acordo com os dados coletados com os Ais. Relativos a sua visão sobre a internacionalização da educação superior e a construção da política da UFABC nesse quesito, ainda não se deu a implementação efetiva dessa política interna. Apenas um sujeito, que além de exercer a função de agente atua como gestor de uma área específica, observa que o agente de internacionalização tem o papel ativo de empreendedor no âmbito da RI e CRI. Os demais sujeitos entrevistados, alguns com um discurso mais rigoroso em relação à função exercida enquanto agente de internacionalização, entendem que a primeira fase da política de internacionalização se deu em função do Programa Ciência sem Fronteiras, pois a partir de sua execução muitos estudantes trouxeram acordos interuniversidades, e os agentes foram o apoio para a validação e organização de documentos e créditos disciplinares.

O documento que define a condição de professor doutor para o exercício da função de agente descreve as seguintes pertinências:

a) desenvolver atividades relacionadas à internacionalização do curso, em sintonia com os objetivos de internacionalização da UFABC, que podem ser promovidas por iniciativa própria, conjuntamente com a Assessoria de Relações Internacionais ou outra unidade administrativa ou acadêmica;

b) atuar como interface nas comunicações entre a Assessoria de Relações Internacionais e a Coordenação do curso de Graduação no qual esteja vinculado, participando nos processos de fomento à internacionalização da universidade, tais como acordos de cooperação, intercâmbios específicos, entre outros;

c) efetuar o acompanhamento do processo de mobilidade estudantil e intercâmbio dos discentes da UFABC;

d) Auxiliar discentes participantes de programa de mobilidade na elaboração de plano de estudos;

e) participar da análise técnica dos processos de reconhecimento, aproveitamento e equivalência de disciplinas cursadas em outras instituições de ensino estrangeiras;

f) propor e implementar políticas específicas, no curso ao qual esteja vinculado, para o recebimento de professores, pesquisadores e alunos em mobilidade. (Art.2º RESOLUÇÃO CONSUNI Nº N° 063, de 15 de março de 2016. p. 2)

Os professores na função de AI também desenvolvem, por área de conhecimento, atividade relacionadas à internacionalização como: ministração de aulas em inglês, tradução de páginas em inglês, além de manterem pesquisas singulares, com participação ativa nos circuitos de produção mundial. Porém, a crítica que foi evidenciada no contexto da prática é a inatividade deles em relação à formulação dessa política específica (a produção de texto, nos termos de Ball); eles querem ser mais ativos, ter mais participação, mas não veem movimentos nessa direção entre agentes e assessoria, expondo sua exclusão dos processos decisórios e de participação ativa em reuniões dos conselhos. De uma maneira geral, expõem a dificuldade de fluxo entre as funções, tornando, então, os agentes internacionalização vozes ausentes do processo de construção e de elaboração da produção de texto e, consequentemente, limitando suas práticas em torno da política institucional de internacionalização da UFABC.

O Sujeito 4 foi um dos primeiros professores que tiveram contanto com CsF desde o início da função:

Meu envolvimento com os alunos que saíram pro Ciência sem Fronteira é desde o início, desde o primeiro pessoal que foi pro Ciência, que inclusive acho que foram duas alunas e como era muito novo e ninguém sabia direito o que era aquele Ciência sem Fronteiras, aquele dinheiro que o pais estava dando, vários alunos meus foram para Portugal, que foi onde se conseguiu da noite pro dia contatos com instituições lá que também não sabiam o que fazer com aluno que estava chegando do nada, então Portugal foi um começo, acho que o primeiro ano.

Na visão do Sujeito 6:

[...] cada curso escolhe um mas é mais pra resolver burocracia de...quer dizer, acho que grande parte, mais de 90% do trabalho dos agentes de internacionalização dos cursos hoje em dia está relacionado com a burocracia dos alunos que foram pro Ciências sem Fronteiras, então eu tenho aqui...o que eu resolvo é isso, o aluno foi pra fora...eu estou com uma pasta aqui que é de uma aluna que foi para fora e aí ela fez várias disciplinas fora e aí eu tenho que fazer a equivalência das disciplinas pra ela aproveitar os créditos aqui, se vão substituir disciplinas obrigatórias ou de opções limitadas ou se entram como créditos livres e aí é o agente de internacionalização que resolve isso, e outra função foi coordenar dentro do curso e isso foi uma iniciativa do professor Kamienski de ter um site em inglês

O Sujeito 7 define a prática:

Em geral, a principal demanda de trabalho que eu tenho em relação a isso é avaliar os pedidos dos estudantes que foram fazer algum estágio

no exterior, 99,9% deles dentro do programa Ciência Sem Fronteiras, então eles saíram pra fazer estágios de seis meses, um ano, as vezes até mais que um ano e lá eles tiveram obviamente que cursar certas disciplinas que podem ter sobreposição com o nosso currículo, então muitas vezes eu sou solicitado a avaliar demandas de por exemplo, reconhecer os créditos de disciplinas que eles fizeram lá, liberando a obrigatoriedade de fazer disciplinas que teriam uma sobreposição grande de currículo daqui da universidade.

Houve algumas participações pontuais como a participação dos AI na tradução das páginas da web dos cursos para a língua inglesa, a fim de facilitar o acesso dos alunos estrangeiros às ementas de cursos, carga horária, currículo e demais informações necessárias. O que acaba por isolar cada agente em sua área por não haver tal diálogo, o que os impede de exercer a função integralmente.

O Sujeito 5 tem uma visão diferenciada dos demais sujeitos entrevistados sobre o papel ativo do agente de internacionalização, destacando o empreendedorismo que está previsto no item a) da Portaria supracitada (“[...] que podem ser promovidas por iniciativa própria [...]):

O agente de internacionalização tem uma característica de empreendedor, ele tem que ir atrás da oportunidade, que a gente pode chamar de oportunidade de negócios que seria criar um vínculo de levar um aluno para o exterior e trazer alunos do exterior para cá, e também professores, pesquisas, convênios etc. Então o agente de internacionalização é muito mais do que um sujeito que assina papel, ele está na verdade prospectando negócios,

Perante a análise dessas entrevistas, fica evidente também que o texto é interpretado de maneira singular por cada sujeito, havendo pontos uníssonos marcantes para todos como a interpretação das intenções da universidade, sua inserção no contexto nacional e a relevância da pesquisa. No entanto, professores doutores entrevistados que estão na função de Ais. Veem a função em sua dimensão burocrática de validação e aprovação de disciplinas. Mas validam a importância do AI, mesmo indicando a vontade e a necessidade da participação na formulação e avaliação da política.

Em um segundo momento, quando abordada a temática internacionalização da educação superior, pode-se perceber como cada um compreende e entende os documentos, relevando assim dicotomia entre as práticas dos professores agentes de internacionalização e os gestores no cumprimento do proposto no PDI 2013-2022). Observa-se que existem resistências dos dois campos e em suas relações: entre gestores e agentes, entre os agentes e a Comissão e entre a assessoria. Significa que na arena da

micropolítica de internacionalização da UAFBC os agentes não exercem seu papel com autonomia por não terem oportunidades de discutir, concordar ou expressar as dificuldades, os desafios e suas avaliações sobre a própria prática com os alunos38 e nas experiências de relações com as universidades estrangeiras e as pesquisas desenvolvidas internamente.

A autonomia de trabalho está mais voltada às pesquisas desenvolvidas de forma singular por cada agente, sendo que muitos deles possuem pesquisas ativas que envolvem, em sua grande maioria, mobilidade acadêmica. Engendrando desigualdades como mencionado da análise dos gestores em relação aos alunos, assim como desigualdades entre as áreas, por exemplo, com a concentração maior de bolsas e de mobilidade para alunos de engenharia e física.

O texto que rege a prática da política de internacionalização da UFABC evidencia também falta de interação e diálogo entre a ARI e os agentes de internacionalização, dado que a atuação desta procura seguir o disposto nos documentos e na orientação geral da Assessoria, mas tem de enfrentar e dar solução para questões que se põem no dia do processo de internacionalização, especialmente na relação com os estudantes.