• Nenhum resultado encontrado

O objetivo que moveu esta dissertação foi identificar as mudanças no produto imobiliário que significassem a incorporação de inovações, buscando visualizar a implementação desta condição tanto no campo arquitetônico quanto urbanístico. Para isso, iniciamos nosso percurso pelo entendimento das questões centrais que cercam a produção do espaço na sociedade capitalista. Por meio dos trabalhos de Harvey (2003, 2006), entendemos como o espaço é moldado para servir à sede de acumulação do capital. Vimos como a necessidade contínua de ampliação dos mercados para a garantia de maiores lucros faz com que as empresas instalem as suas estruturas produtivas em novos locais. Neste ínterim, surge a questão da localização nos centros urbanos, categoria fundamental na determinação dos ganhos relacionados a cada setor produtivo. Buscando aprofundar o nosso entendimento sobre a importância da localização para o capital - em especial o capital imobiliário, recorremos aos trabalhos que discorrem sobre a renda fundiária. A partir deste enfoque, vimos como esta questão se faz central e definidora no mercado de habitações, tornando-se uma referência para o estabelecimento do preço do produto, de sua forma arquitetônica, e do público alvo.

Munidos deste aporte teórico, partimos para a averiguação do produto local. Constatamos como a atuação do setor imobiliário foi dirigida às localizações que tradicionalmente concentraram as classes de maior poder aquisitivo na cidade, bem como os investimentos públicos em infraestrutura e a instalação de serviços qualificados. Vimos também como a regulação urbanística realizada pelo Estado contribuiu para o incremento da valorização do solo em determinadas áreas. Esses fatores combinados – ou seja, a ação das esferas pública e privada – estabeleceram um território diferenciado, social e espacialmente, onde as bases de concentração de investimentos de cada tipo de agente imobiliário se encontram bem definidas.

Neste contexto, sucessivos arranjos institucionais no âmbito da política habitacional foram delineados. Após um longo período sem uma intervenção pública efetiva neste campo – mais precisamente desde o fim do Banco Nacional de Habitação, novas condições emergem com o governo Lula (2003 – 2010). É neste período que, através da implementação de uma política de distribuição de renda e

criação de empregos, o país alcança uma relativa estabilidade econômica. No lastro desta conjuntura, são disponibilizados mais créditos para a produção habitacional, em conformidade com o novo sistema de provisão habitacional que começou a vigorar. Diante das boas perspectivas, novos arranjos também são formulados pelo setor imobiliário, que vislumbrava outras formas de captação de recursos para a produção, além dos fundos públicos. Destacamos a sua aproximação com o mercado financeiro. É com o capital advindo da entrada de novos investidores, por meio da venda de suas ações na bolsa de valores, que as grandes incorporadoras são impelidas a um processo de expansão de seus mercados, visando dar continuidade ao seu ritmo de acumulação.

Ao aportarem na cidade, estas empresas promovem modificações no funcionamento do mercado local. Como vimos, os preços fundiários são acrescidos devido a esta nova concorrência. Há também a formação de novos arranjos produtivos – as joint ventures, firmando a associação entre os agentes imobiliários locais e externos, prática que visa à troca de expertise. Entre tais mudanças, salientamos, neste trabalho, a introdução de novas referências de produtos. Um novo conceito, o condomínio clube e sua variação mais luxuosa – o resort, começa a ser produzido na cidade.

Conforme demonstramos, os condomínios verticais desenvolvidos na cidade vêm sofrendo modificações em sua estrutura, fato apontado por vários autores. O processo foi aqui melhor caracterizado a partir de análise direcionada para o bairro de Boa Viagem. Tomando em conta aspectos locacionais, observamos as diferenças nas concepções de produto em cada setor estudado, bem como as tendências que abrangem toda a produção, ao longo do período examinado. São elas: a redução nas áreas úteis oferecidas nas unidades habitacionais; o incremento espacial da esfera condominial – representada pela ampliação da área de lazer; e o aumento dos níveis de verticalização, ou seja, ganhos de escala nos edifícios habitacionais, oriundos de uma situação de valorização fundiária - ocasionada pela disputa por sobrelucros entre proprietários e incorporadores – e permitidos pelos marcos regulatórios que dispõem sobre o uso e a ocupação do solo na cidade. Estas mudanças foram encontradas nas três áreas pesquisadas, em variados graus segundo as diferenças de localização.

Com base na observação do estoque edilício produzido, avaliamos o caráter de inovação proposto em dois casos lançados na cidade nos últimos anos, frutos da ação de uma incorporadora de base local e outra de procedência externa. Averiguamos que as principais mudanças se dão com relação à escala do empreendimento: o

condomínio vertical passa a ser formado não apenas por uma única torre, mas por várias, divergindo do padrão utilizado pelo mercado local para a classe de médio-alto padrão. Este mesmo aspecto é tratado pelos dois empreendimentos de modo diverso: enquanto em um é assumida a característica de conjunto – caso do Le Parc, no outro são utilizados artifícios para driblar uma possível rejeição do público local quanto a esta concepção. Quanto às demais características do objeto arquitetônico, os empreendimentos tendem muito mais à continuação de tendências que já se manifestam no bem moradia do que à sua contraposição. Nesta perspectiva, ressaltamos que a inclusão de novos equipamentos na área de lazer condominial pode ser interpretada como um processo que vem ocorrendo de modo gradual no produto imobiliário, conforme demonstram as análises realizadas para a produção dos anos 1980-2007. Noutros termos, a prática de dotar o condomínio de funções e serviços antes desenvolvidas apenas no espaço público – na rua – tem se tornado cada vez mais frequente.

Continuando a reflexão sobre a forma que vem assumindo o produto imobiliário, temos de considerar a influência da violência urbana - fato que ocupa um espaço considerável na mídia nacional - na evolução das formas de moradia. Como consequência, a circunstância vem levando os agentes imobiliários a oferecerem produtos que se assemelham a verdadeiras fortalezas, a fim de resguardar seus consumidores dos “males urbanos”. Não é por acaso que a adjetivação “ilha de magia” é utilizada pela propaganda publicitária para qualificar um dos casos estudados. Na perspectiva de alguns autores, a conformação adotada é categorizada como enclave. Para estes, a introdução destas ilhas de opulência contribui de modo decisivo para a fragmentação e segregação da malha urbana. Devido ao limite temporal que condicionou a produção desta pesquisa, o estudo dos impactos sociais e urbanísticos advindos da inserção de tal modelo na cidade não constituiu objetivo da pesquisa. Ainda assim, a questão é de suma relevância, e merecedora de análises futuras.

Além da situação de isolamento - usualmente associada à ideia de proteção - ressaltada pela propaganda midiática, o apelo à proximidade de espaços verdes, como o manguezal, foi bastante notado nos materiais publicitários coletados, de ambos os casos. Esta ocorrência denota não apenas a tentativa de valorização e preservação de um ecossistema antes desprezado pelas elites, mas principalmente a criação de uma nova imagem para a área perante este público, criação esta amparada em altos investimentos para garantir a sua ampla veiculação. Embora não tenha sido nosso foco de análise, tais observações nos permitem identificar uma outra forma de

inovação presente na atuação das incorporadoras responsáveis pela implementação dos projetos estudados: a inovação no marketing dos empreendimentos, transposta pelo emprego de novos recursos com o objetivo de impactar o possível comprador e fazê-lo esquecer que tal área um dia foi local de moradia da população carente. Destarte, ressaltamos este aspecto como um proveitoso campo para pesquisas futuras.

Nossos fundamentos teóricos nos permitiram observar o papel crucial assumido pela renda fundiária na reprodução da divisão econômica e social do espaço, ao estabelecer o direcionamento dos investimentos do capital. Formam-se assim, os locais de ocupação dos guetos burgueses e das comunidades carentes, situação que é materializada pela ação do mercado imobiliário, que consolida a divisão de classes no espaço. A partir da compreensão das bases que regem o seu funcionamento, realizamos nossas análises com relação à inovação para a outra face do produto: seu aspecto locacional no meio urbano. Observamos como cada caso reflete estratégias diferenciadas de obtenção de lucros na aquisição da terra e na operação imobiliária. Vimos que, enquanto um empreendimento concretiza um investimento já presumível em uma área de grande valorização – o Evolution, o outro se dirige a um novo eixo, aparentemente negligenciado pelo setor. A localização do Le

Parc insere-se numa área de moradia de uma população de nível de renda inferior,

podendo, portanto, ser convertida num futuro local de investimentos do mercado, visto a exiguidade de solos anunciada nas áreas nobres. Podemos especular como consequências advindas desta ação, fatos como: i) o deslocamento de populações residentes – que, com a valorização do solo, passam a não conseguir pagar os aluguéis, ou que recebem propostas de venda de seus imóveis; ii) a transformação da paisagem, que até então era conhecida por sua grande concentração de motéis e galpões; e iii) a mudança da tipologia habitacional. É desta forma que o capital imobiliário se apresenta como um indutor de mudanças socioespaciais.

Como apresentado em nossos fundamentos teóricos, a iniciativa de criação de novas localizações é geralmente respalda na ação pública, mais especificamente nas obras de infraestrutura urbana. Nesta lógica, averiguamos que ambos os empreendimentos terão seus entornos beneficiados pelos investimentos do Estado na área da mobilidade urbana, a exemplo das inovações no sistema viário da cidade. O que reforça, portanto, a relação direta dos investimentos estatais com as inovações locacionais da produção imobiliária.

Para concluir, retomamos o princípio proposto por Harvey, de que o espaço é constantemente produzido ou reproduzido para favorecer a acumulação de capital, para a qual os processos de fixação de estruturas e alteração do uso do espaço urbano são essenciais. Assim, entendemos que as inovações do produto – em sua forma arquitetônica e locacional - que daí decorrem também estão, deste modo, intrinsecamente relacionadas a esta finalidade, tornada ainda mais agressiva – no sentido do potencial de transformação do solo - uma vez que são resultado de uma nova configuração de alianças entre os capitais imobiliário e financeiro.