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Os obstáculos à produção imobiliária e o papel do incorporador

1. CAPITAL, ESPAÇO URBANO E A PRODUÇÃO HABITACIONAL: MARCO

1.3. O setor imobiliário e a produção capitalista da habitação

1.3.1. Os obstáculos à produção imobiliária e o papel do incorporador

Segundo Ribeiro (1997), o capital investido na produção imobiliária encontra duas barreiras que dificultam a sua valorização: a questão fundiária e a capacidade de compra da demanda. Com base na análise do ciclo de reprodução do capital, que envolve a transformação do capital dinheiro (D) em capital mercadoria (M) e sua reconversão em capital dinheiro acrescido da mais valia (D’), o referido autor conclui que a primeira barreira (a aquisição da terra) impõe-se no princípio do ciclo, ou seja, na mutação do capital dinheiro em mercadoria. Já a questão da solvabilidade da demanda constitui-se como um entrave na fase final do ciclo: a realização da mercadoria. Assim sendo,

A reprodução do capital investido na produção imobiliária apresenta características tais que, por um lado, a conversão do dinheiro em meio de produção – solo (D – M) não é assegurada, por outro lado, a duração do período total de rotação (D – D’) pode comprometer a taxa de lucro. (TOPALOV, 1979 p. 54)

O “problema fundiário”, como denomina Ribeiro (op.cit. p.86), emerge da propriedade privada da terra. Como meio de produção necessário para a concretização de qualquer atividade econômica 16, a terra, na condição de propriedade privada, possibilita ao seu proprietário exigir uma participação na divisão da mais-valia produzida no setor – a renda fundiária, sem que este tenha contribuído para sua geração. A terra é, portanto, um meio de produção de alto custo.

Nos demais setores de produção de mercadoria, este problema é superado quando o capitalista, ao dispor de uma quantia relevante, realiza a compra do terreno e fixa aí a sua unidade produtiva. Entretanto, no setor imobiliário, tal problema se faz recorrente, dado a constante necessidade do solo para a produção do imóvel. Tem–se aí a primeira dificuldade relacionada ao uso do solo imposta ao capital imobiliário. Uma das soluções encontradas pelo setor é a formação de um banco de terras para construções futuras. Isso, porém, implica a disposição de uma quantia relevante de capital, que ficará imobilizada por um intervalo de tempo. Ainda que disponha de tal quantia, o capitalista não pode ter acesso a grandes extensões de terra, visto que a propriedade privada da terra acarreta “o enorme parcelamento do uso do espaço”. (op.cit., p. 89)

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De acordo com Harvey (1980 p. 135), “o solo e as benfeitorias são mercadorias das quais nenhum indivíduo pode dispensar. Não posso existir sem ocupar espaço; não posso trabalhar sem ocupar um lugar e fazer uso de objetos materiais aí localizados”.

Uma outra dificuldade que se impõe diz respeito às características do terreno. Não basta ao empresário imobiliário apenas dispor de terras. Estas têm de possuir atributos locacionais que possibilitem ao agente econômico a geração de lucros. Em outras palavras, o terreno urbano deve oferecer acesso aos efeitos úteis de aglomeração. Caso não ofereça no momento da transação, é seguro que, na visão do capitalista, tal localização será alvo de investimentos futuros em infraestrutura urbana, geralmente provida pelo Estado, o que garantirá a sua valorização. (Ibidem)

Encontrar solos adequados à construção imobiliária, especialmente a que se destina à produção de moradias, é, pois, uma tarefa cada vez mais difícil para os empresários imobiliários nos dias atuais. Além do adensamento construtivo presente nos grandes centros urbanos, sobretudo nos bairros mais valorizados, outros fatores contribuem para o agravamento desta situação. Disposições legislativas que regulam o crescimento urbano de algumas áreas e a especulação imobiliária são alguns exemplos. Somando-se a estes, a existência de atividades não-capitalistas fixadas em pontos estratégicos da cidade. É o caso dos pequenos comerciantes e artesãos, que se recusam a vender a sua propriedade pela condição de permanecer como trabalhadores livres. Esta situação particular atribui “conteúdos sociais à propriedade privada contraditórios com as leis que regem a produção capitalista de mercadorias”. (op.cit., p. 88)

A limitação da oferta de solos aumenta ainda mais o poder de monopólio dos proprietários fundiários, que, como vimos anteriormente, estipulam seus preços de acordo com os sobrelucros passíveis de serem obtidos com o uso do terreno. Os capitalistas, por outro lado, adotam certas práticas de atuação com a finalidade de se apoderar de tais sobrelucros gerados no setor. Estas práticas serão estudadas mais adiante.

Para Ribeiro (op.cit), as dificuldades existentes na aquisição do solo urbano são responsáveis pela não-industrialização do setor, tornando a produção da moradia “descontínua no tempo e no espaço”. (Idem, p. 89) A respeito desta questão, o estudo realizado por Vargas (1983) sobre processo de construção habitacional nos fornece uma visão mais ampla. Para o autor, a dependência do solo para a realização do produto habitação dificulta a sua padronização, devido às qualidades diferenciadas de cada terreno. Além disso, a rotatividade da mão-de-obra característica do setor e o deslocamento geográfico da obra, que também dificulta a permanência dos operários na empresa, impedem o aperfeiçoamento do trabalho e, consequentemente, o aumento da produtividade.

Entretanto, o autor aponta como um dos fatores decisivos para a manutenção do caráter manufatureiro da produção imobiliária o papel secundário realizado pela atividade da construção civil na geração de lucros – estes oriundos majoritariamente da alta taxa de exploração da força de trabalho. Os ganhos mais relevantes estariam concentrados na comercialização do produto, momento em que são incorporadas as vantagens provindas da localização do terreno.

A não-industrialização do setor é um dos fatores que, na opinião de Ribeiro (op.cit.), influem na conformação da segunda barreira imposta ao ciclo de reprodução do capital imobiliário, a solvabilidade da demanda. Este fator contribuiria para o aumento dos preços cobrados nos imóveis. Com relação ao produto habitação especificamente, a proletarização do trabalhador constitui-se como um outro fator, na medida em que este passa a depender de um salário para adquirir os bens imprescindíveis à sua reprodução. De posse do salário, o trabalhador somente pode alcançar as suas necessidades imediatas de consumo, o que faz com que ele esteja “em condições de pagar a sua habitação na mesma proporção de seu consumo”. (TOPALOV, 1978, p.56) Por este motivo, o período de circulação deste produto tende a ser muito longo.

Frente aos obstáculos encontrados para a acumulação do setor, surge a figura do promotor imobiliário ou incorporador, “agente suporte de um capital de circulação que financia a produção e a comercialização”. (RIBEIRO, op.cit., p. 99) Em outras palavras, o incorporador é o responsável pela reunião de empréstimos financeiros que constituirão um capital autônomo capaz de financiar o processo produtivo e a venda do imóvel. É o incorporador que, ao gerir o capital de circulação, decide as características gerais do empreendimento, comandando a conversão do capital dinheiro em terreno, primeiramente, e, logo após, em edificação. No esquema abaixo, elaborado por Lacerda (1990 p.41), fica clara a posição central exercida pelo incorporador diante dos demais agentes no circuito de produção do imóvel:

Figura 1: As etapas do processo de produção da moradia e os agentes envolvidos. Fonte: LACERDA (1990)

Perante a Lei n. 4.591 de 16 de dezembro de 1964, o incorporador tem o papel de coordenar o processo produtivo e assumir os encargos da comercialização e entrega do produto. Conforme consta no artigo 29,

Considera-se incorporador a pessoa jurídica ou física, comerciante ou não, que embora não efetuando a construção, compromissa e efetiva a venda de frações ideais de terreno objetivando a vinculação de tais frações a unidades autônomas, a edificações a serem construídas ou em construção sob o regime condominial, ou que meramente aceite proposta para efetivação de tais transações, coordenando e levando a termo a incorporação e responsabilizando-se conforme o caso, pela entrega a curto prazo, preço e determinadas condições de obras concluídas.

Assim, sendo, fazem parte de suas atribuições: i) a concepção do empreendimento nas diversas esferas - técnica, legal, econômica, operacional, entre outras; ii) a análise conjuntural do mercado; iii) a escolha do terreno; iv) a definição da forma de capitalização necessária para o financiamento da construção do produto e de seu consumidor; v) a contratação das equipes técnicas e da urbanização, se necessário; vi) a sistematização do processo de vendas; vii) a fiscalização dos serviços; viii) a entrega das unidades e administração dos processo jurídicos e financeiros necessários a este fim. (RIBEIRO, op.cit., p. 93-94)

Segundo Botelho (2007 p.66), além da regulação jurídica, outros dois fatores contribuíram para o estabelecimento da função do incorporador no país: “a emergência de um capital bancário de empréstimo e uma diferenciação espacial, como base para o surgimento de sobrelucros de localização”. Sobre esta afirmação, duas observações podem ser feitas: i) o tipo de relação firmada entre o incorporador e

o agente financeiro ocasionará diversas formas de atuação no espaço urbano; ii) os sobrelucros de localização poderão ser apropriados pelo incorporador, a depender da relação estabelecida com o proprietário fundiário. O comportamento deste personagem central da produção imobiliária diante dos demais agentes econômicos que compõem o processo será estudado no item a seguir.

1.3.2. O incorporador, o proprietário fundiário, o construtor e o financiador: