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A flexibilização trabalhista surgiu no Brasil em um cenário econômico altamente desfavorável, à época da tomada do poder pelos militares, no ano de 1964, em que a economia encontrava-se ameaçada pela inflação crescente, herdada do governo de Juscelino Kubitscheck, e alterou o foco do Direito do Trabalho. Enquanto anteriormente todas as normas e debates voltavam-se à proteção cada vez maior do trabalhador e a assegurar a consolidação do princípio da continuidade da relação de emprego, após a adoção das primeiras medidas flexibilizadoras pelo governo ditatorial, o foco passou a ser o empregador, ao qual foram conferidas novas prerrogativas de utilização do poder diretivo patronal.

Essa mudança deve-se, em parte, à percepção de que um cenário trabalhista favorável, com alto índice de ocupação e efetivação dos direitos e garantias dos trabalhadores, perpassa, necessariamente, por empregadores economicamente saudáveis. Uma vez que estes determinam a abertura ou o fechamento dos postos de trabalho, bem como a continuidade da ocupação dos já existentes, é necessária por parte do Direito do Trabalho atenção também às suas necessidades, as quais foram pouco (ou nada) contempladas pelas normas anteriores à flexibilização.

É nesse contexto que o ordenamento jurídico brasileiro passa a contemplar a mitigação do protecionismo característico do arcabouço normativo trabalhista nos momentos em que a conjuntura econômica e social demandar a adaptação deste às diferentes realidades que envolvem as relações de trabalho – em especial as de emprego – de acordo com as necessidades de trabalhadores e empregadores naquele momento: a flexibilização trabalhista.

Após a promulgação da Constituição Federal de 1988, o direito privado passou por uma fase de humanização, época em que o país vivenciava o crescimento da “flexibilização negativa” (priorização do crescimento do capital em detrimento dos direitos obtidos pelos trabalhadores ao longo do desenvolvimento do Direito do Trabalho), o que causava uma grande contradição jurídica, uma vez que a “flexibilização negativa” não é compatível com a nova ordem constitucional instaurada, a qual alçou a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho ao status de fundamentos do Estado Democrático de Direito.

A própria Constituição, contudo, tratou de sanar essa contradição ao acolher a flexibilização como forma de promoção da dignidade do trabalhador e trazer em seu texto três hipóteses em que ela poderia ser utilizada, quais sejam: a possibilidade de redução salarial mediante acordo ou convenção coletiva (artigo 7º, inciso VI), a possibilidade de redução da jornada de trabalho mediante acordo ou convenção coletiva (artigo 7º, inciso XIII) e a possibilidade de aumento da jornada para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento mediante negociação coletiva (artigo 7º, inciso XIV).

Necessário notar que essa inovação constitucional não era acompanhada pelo restante do conjunto normativo trabalhista existente no Brasil à época, em especial a Consolidação das Leis do Trabalho. Inspirada na Carta del Lavoro, editada na Itália pelo Gran Consiglio Del Fascismo, a CLT fora orientada pela preocupação em dar tratamento autoritários à relações coletivas de trabalho e à ação sindical, e conserva até hoje institutos que lhe são característicos copiados do fascismo italiano.

Essa constatação, contudo, não leva automaticamente à conclusão que de tais institutos, pelo simples fato de serem adotados pelo ordenamento fascista, sejam deletérios ao direito brasileiro; mas sim, à conclusão de que a nossa legislação trabalhista não sofreu as revisões necessárias ao longo de sua vigência para garantir que o direito continue acompanhando as mudanças sociais, bem como que as normas possuam a eficácia pretendida pelo legislador no momento de sua criação. Assim, ocorre com bastante frequência no Brasil a insegurança jurídica causada a empregados e empregadores por lacunas nas normas trabalhistas vigentes.

A ausência de revisões e melhoramentos constantes, causados, em parte, por um temor existente em relação ao termo “reforma trabalhista”, que adquiriu conotação pejorativa ao longo dos anos, faz com que existam, atualmente, dispositivos celetistas cuja aplicação se encontra prejudicada (como o artigo 62, da Consolidação, que dispõe acerca das exceções da obrigação em realizar o controle da jornada de trabalho) ou aspectos corriqueiros das relações de trabalho que não possuem nenhum regulamento legislativo a respeito (como a terceirização).

Referenciadas lacunas demandam, portanto, a atuação ativa do Poder Judiciário – por meio da especializada Justiça do Trabalho – em preenchê-las, o que ocorre com bastante

frequência até o momento. Dotada de poder normativo desde sua concepção, quando era um órgão administrativo desvinculado do Poder Judiciário, a Justiça do Trabalho é órgão de grande importância para a efetiva garantia aos trabalhadores dos direitos conquistados. Apesar de atuar de forma por vezes controversa, não se pode negar a importância do protagonismo da Justiça do Trabalho na defesa dos direitos dos trabalhadores e na garantia da efetividade das normas trabalhistas, ainda que essas normas sejam criação sua ante à ausência de disciplina legislativa completa a respeito (por exemplo, a extensão do benefício da estabilidade provisória às empregadas gestantes no contrato de trabalho por prazo determinado).

Nesse contexto nasce, também, a demanda pela flexibilização das normas trabalhistas. Geralmente tratada como um mecanismo essencialmente negativo, a flexibilização das leis trabalhistas é uma saída viável, no contexto brasileiro, às controvérsias existentes nas relações de trabalho. É indiscutível que o referido instituto possui natureza deveras dúbia e pode, facilmente, ser utilizado de forma a garantir a recuperação e o crescimento econômico-financeiro das empresas mediante a retirada dos direitos conquistados pelos trabalhadores – o que não pode ser tolerado.

Dessa forma, o debate mais produtivo acerca da flexibilização trabalhista seria para discutir as formas como se daria sua implementação, respeitando-se os limites impostos pela Constituição Federal e explorando as possibilidades que o instituto possui de alçar as relações de trabalho do Brasil a um novo nível, em que a autocomposição amigável entre empregados e empregadores prevalecerá sobre a intervenção estatal irrestrita atualmente existente.

O aludido debate perpassa, necessariamente, por um diálogo com a sociedade, sem, por outro lado, ignorar a construção jurisprudencial a respeito dos temas a serem tratados. A flexibilização trabalhista positiva deve ser implementada considerando as reais necessidades de empregados e empregadores, o que demanda uma participação ativa destes no processo de construção das possibilidades de adequação das normas, mas não pode desconsiderar a construção jurisprudencial existente em torno do tema, sob pena de se criar nova situação de insegurança jurídica, a qual demandará nova intervenção do Poder Judiciário.

As medidas propostas na atual reforma trabalhista, tidas como flexibilizadoras, encontram seus grandes defeitos em afastarem-se desse debate. Ao ignorar o que empregados e empregadores habitualmente já praticam em seu cotidiano, os precedentes da Justiça do Trabalho, e não refletirem os reais anseios de empregados e empregadores, algumas das medidas encontram-se fadadas à ineficácia, ao aumento da insegurança jurídica, e a não solucionarem as controvérsias a que se propõem.

Nesse contexto, é imperioso que se reconheça a flexibilização trabalhista como uma realidade mundial, que veio para mostrar de forma definitiva que as relações de trabalho, apesar de serem tratadas de forma protetiva e tutelar pela nossa legislação, não são imutáveis, estando em constante e acelerada mutação de acordo com a evolução da sociedade. É necessário, também, que os debates voltem-se para as relevantes questões referentes à sua implementação no Brasil, de forma a garantir que a mesma seja implementada com a maior eficácia possível (ou seja, fomentando a recuperação e o crescimento econômico das empresas sem retirada de direitos do trabalhadores), respeitando os limites constitucionais existentes.