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Críticas à flexibilização trabalhista

4 LIMITES E POSSIBILIDADES DA FLEXIBILIZAÇÃO TRABALHISTA NO BRASIL

4.2 Críticas à flexibilização trabalhista

Nos amplos debates tratados acerca da flexibilização trabalhista ao longo de sua construção histórica, este instituto foi tratado por relevante parcela dos doutrinadores e acadêmicos como um retrocesso.

Tal ponto de vista sustenta-se no pressuposto que o caráter protetivo da norma trabalhista deve sobrepor-se a qualquer interesse de ordem econômica, pelo o que nenhuma situação financeira desfavorável justificaria a mitigação das garantias protetivas concedidas aos trabalhadores. Neste sentido, veja-se lição de Alice Monteiro de Barros 140:

... a gênese do Direito do Trabalho, por várias razões e principalmente pelo seu conteúdo normativo, possui, sem dúvida, um sentido político-econômico refletido de forma clara não só nas leis que dispõe sobre matéria salarial, mas também naquelas disciplinadoras das licenças, dos descansos e das férias, além de outras, pois nesses períodos, a empresa necessitará de mais empregados para manter os níveis de produção. Lembre-se, entretanto, que, não obstante essa vinculação estreita com a economia, o Direito do Trabalho é motivado, essencialmente, por objetivos de ordem político-social, que visam a corrigir as diferenças, elevando o nível social da classe trabalhadora, como imposição da solidariedade, que nos torna responsáveis pela carência dos demais.

Argumentam os defensores dessa corrente que o argumento de que a existência de um regramento que oferte maiores garantias aos trabalhadores implica em amarras para a atuação dos empregadores, sobretudo em período de crises econômicas, privilegia os interesses daqueles que multiplicam riquezas por meio da exploração da força de trabalho de

140 BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 2006. p. 82.

empregados hipossuficientes, de forma que a mitigação dessas normas protetivas serviria apenas aos interesses do capital, não trazendo nenhum real ganho aos trabalhadores 141.

Veja-se entendimento de Carlos Roberto Cunha 142 a este respeito:

... frequentemente coloca-se o ordenamento legislativo trabalhista como impeditivo do desenvolvimento econômico. Grave equívoco histórico, no mínimo. O direito do trabalho surgiu exatamente para proteger o trabalhador, já que pela simples regra do mercado de trabalho se converte em mera mercadoria. O direito do Trabalho, ao valorizar o trabalhador e o trabalho, valoriza a sociedade como um todo.

O entendimento ora explanado é complementado por Ipojucan Demétrius Vecchi143, quando este afirma que o trabalho não pode ser entendido predominantemente sob o ponto de vista utilitarista ou econômico por ser um pilar da sociedade, uma forma por meio da qual a pessoa humana busca a sua dignidade. Dessa forma, não pode o trabalho ser maleável para agradar aos custos do empregador e mudanças sociais como um todo. Complementa o autor, asseverando que a flexibilização não é uma saída legítima a ser utilizada por um Estado democrático de direito, mas sim a busca de políticas públicas de emprego, de crescimento, de inclusão e de distribuição de renda que alcancem as pessoas forma do sistema, bem como garantir a efetividade das normas constitucionais que asseguram os direitos humanos fundamentais.

Acrescenta Ipojucan Demétrius Vecchi 144:

A valorização do trabalho, assim, não significa apenas o seu aspecto econômico, mas também o seu aspecto ético, demonstrando que o trabalhador é fator de desenvolvimento não só de riquezas, mas também da própria personalidade humana, visto que o trabalho deve possibilitar a pessoa humana, em sua atividade, acabe por imprimir no mundo um pouco de sua individualidade e de sua contribuição social.

Há, também, críticas no sentido de que a demanda por flexibilização surge da ineficiência econômica, da desarmonia entre o capital e o trabalho. Oscar Ermida Uriarte 145,

141 PEDRO, Bruno Lessa Pedreira São. Flexibilização do Direito do Trabalho: avanço ou retrocesso? Disponível em: <http://www.ambito- juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=12742#_ftn18>. Acesso em: 04 dez. 2016. 142 CUNHA. Carlos Roberto. Flexibilização de direitos trabalhistas à luz da Constituição Federal. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2004. p. 16-17.

143 VECCHI, Ipojucan Demétrius. Noções de Direito do Trabalho: um enfoque constitucional. 2. ed. v.1. Passo Fundo: UPF, 2007.

144 Id.

145 URIARTE, Oscar Ermida. A flexibilidade. São Paulo: LTr, 2002.

propagador desta corrente ideológica, sustenta que a incapacidade do sistema econômico de manter os postos de trabalho existentes e criar novos, leva seus cultores a culpar o Direito do Trabalho, colocando-o como um dos obstáculos à sua ação. Prossegue o autor afirmando:

É claro que essa pretensão conta com o beneplácito de muitos setores empresariais que acreditam ter chegado a hora de praticar uma espécie de “revanche patronal”: recuperar muitos direitos ou benefícios que foram sendo reconhecidos no decorrer de quase todo o século XX.

Nessa ordem de ideias, Oscar Ermida Uriarte, ao complementar o raciocínio explanado, diz que as parcelas trabalhistas afetam somente, em média, 10% do custo total da produção de uma empresa, pelo o que seria mais correto a classe empregadora empreender esforços no sentido de flexibilizar os outros 90% do custo da produção, do que os 10% utilizados para o custeio das verbas trabalhistas 146.

Martan Parizzi Zambotto 147, por sua vez, acrescenta:

Levando em conta esta linha de pensamento, verifica-se que não pode o direito do trabalho ser suprimido e esmagado pela atual modernização e constantes mudanças sociais que vêm ocorrendo, pois o trabalho não é mercadoria, a qual em determinada época pode ser mais ou menos valorizada. O trabalho não é uma mera mercadoria a ser negociada, e sim um dos maiores pilares de uma sociedade, pilar este que é uma verdadeira fonte de dignificação da pessoa humana, pois de nada adiantaria a economia estar muito bem e o trabalhador muito mal, pois isso iria contra o princípio fundamental da dignidade humana, princípio em torno do qual todo nosso ordenamento jurídico se molda, e nunca nenhum ato deve ser valido sobre a perspectiva da lei atentar direta ou indiretamente a este princípio.

Por fim, argumentam os doutrinadores e acadêmicos desfavoráveis à flexibilização das normas trabalhistas que esta é o primeiro passo na implementação da total desregulamentação do direito do trabalho, fenômeno componente da agenda neoliberal que milita em favor da redução do custo operacional das empresas em detrimento dos direitos sociais de seus empregados. Neste sentido, veja-se lição de Ipojucan Demétrius Vecchi 148:

Medidas legislativas de âmbito nacional e internacional caminharam para o lado da flexibilização das relações de trabalho, sobretudo no que tange aos critérios de admissão, pagamento de salário, compensação de jornada e ainda os de alteração,

146 URIARTE, Oscar Ermida. A flexibilidade. São Paulo: LTr, 2002.

147 ZAMBOTTO, Martan Parizzi. Os limites e os riscos da flexibilização das normas trabalhistas. Disponível em: <http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=12541&rev;>. Acesso em: 04 dez. 2016.

148 VECCHI, Ipojucan Demétrius. Noções de Direito do Trabalho: um enfoque constitucional. 2. ed. v.1. Passo Fundo: UPF, 2007.

suspensão e rescisão do contrato de trabalho. A flexibilização, tal como é apregoada hoje, é um primeiro passo na trajetória de total desregulamentação do direito do trabalho, fenômeno que faz parte do receituário neoliberal que propugna pela diminuição do custo operacional e pela destruição dos direitos sociais.

Há que se destacar, ainda, que os críticos da flexibilização trabalhista constroem seus raciocínios com base no pressuposto de que os empregados sempre, não importa qual o contexto social ou econômico no qual estejam inseridos, estão em situação de hipossuficiência em face de seu empregador, de forma que o fomento à negociação entre essas partes queda prejudicado, uma vez que os mesmos não se encontram na condição de igualdade necessária para que a negociação seja, de fato, uma negociação, e não apenas a imposição de vontade do mais forte sobre o mais fraco 149.

Assim, observa-se que os argumentos contrários à flexibilização das normas trabalhistas fundam-se, em parte, numa premissa de antagonismo entre empregados e empregadores, os quais são tratados como pessoas com objetivos divergentes e inconciliáveis e que, portanto, não podem ter em suas mãos o controle da relação que mantém entre si. Tal visão é extremamente prejudicial às relações de emprego, uma vez que culminam no afastamento de empregados e empregadores, os quais tornar-se-ão incapazes de resolver as eventuais divergências existentes por meio da autocomposição amigável e demandarão, cada vez mais, a interferência do Estado e do Poder Judiciário nas relações de emprego.

Essa concepção, contudo, é rejeitada por aqueles que defendem a flexibilização trabalhista como um mecanismo de melhora das relações de trabalho contemporâneas, sob os fundamentos a seguir demonstrados.