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Limites e da flexibilização trabalhista no Brasil

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Academic year: 2018

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LÍGIA NAVARRO VERAS DE ALBUQUERQUE

LIMITES E POSSIBILIDADES DA FLEXIBILIZAÇÃO TRABALHISTA NO BRASIL

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LIMITES E POSSIBILIDADES DA FLEXIBILIZAÇÃO TRABALHISTA NO BRASIL

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Departamento de Direito Privado da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial à obtenção de diploma de Bacharel em Direito. Área de concentração: Direito do Trabalho.

Orientador: Prof. Dr. William Paiva Marques Júnior.

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Gerada automaticamente pelo módulo Catalog, mediante os dados fornecidos pelo(a) autor(a)

A311l Albuquerque, Lígia Navarro Veras de.

Limites e Possibilidades da Flexibilização Trabalhista no Brasil / Lígia Navarro Veras de Albuquerque. – 2016.

91 f.

Trabalho de Conclusão de Curso (graduação) – Universidade Federal do Ceará, Faculdade de Direito, Curso de Direito, Fortaleza, 2016.

Orientação: Prof. Dr. William Paiva Marques Júnior.

1. Direito do Trabalho. 2. Flexibilização trabalhista. I. Título.

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LIMITES E POSSIBILIDADES DA FLEXIBILIZAÇÃO TRABALHISTA NO BRASIL

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Departamento de Direito Privado da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial à obtenção de diploma de Bacharel em Direito. Área de concentração: Direito do Trabalho.

Aprovada em: ___/___/______.

BANCA EXAMINADORA

________________________________________ Prof. Dr. William Paiva Marques Júnior (Orientador)

Universidade Federal do Ceará (UFC)

_________________________________________ Profª. Drª. Theresa Rachel Couto Correia

Universidade Federal do Ceará (UFC)

_________________________________________ Profª. Msc. Fernanda Cláudia Araújo da Silva

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Em primeiro lugar, não apenas nesse momento, mas em todos os outros da minha vida, agradeço à minha bisavó Cora (In memoriam) e ao meu tio Pinheiro (In memoriam) por terem me proporcionado as oportunidades para chegar até aqui e ensinamentos preciosos de vida que guardo comigo.

À minha amada família por todo o apoio que recebi ao longo da vida. Saibam que minha chegada até aqui e meu desejo insaciável de ir mais longe se deve, em grande parte, aos exemplos que recebi de vocês e à força que me foi transmitida durante a vida pelas maravilhosas mulheres que me criaram. Obrigada à minha mãe, minha avó Elizabeth, minhas tias Rosa e Maria Luiza por terem sempre me dito que eu seria capaz; e ao meu pai, meus irmãos Lara, Igor e Pedro, minha avó Maria José e meus tios pelas palavras de incentivo.

Ao meu namorado José Araújo, que esteve incondicionalmente do meu lado ao longo dos últimos três anos e foi uma grande fonte de apoio e inspiração acadêmica. Se esse trabalho existe hoje é graças às nossas conversas e à sede de conhecimento e vontade de ir além que você me passa. Muito obrigada por toda a força, toda a orientação e todo o amor.

Aos meus colegas do escritório Barros, Martins & Advogados Associados pelos momentos bons e por me ensinarem a amar o Direito do Trabalho. Obrigada pelo voto de confiança, pelo conhecimento repassado, pela paciência na orientação e por terem expandido meus horizontes, me revelando um mundo que eu jamais havia pensado em explorar.

Aos meus poucos e bons amigos pela fonte de conforto e suporte mútuo, em especial àqueles que trilharam junto comigo esse longo e árduo caminho que foi a graduação. Obrigada “Azamiga FD” e amigos do “Grupo Topster” por tornarem os últimos cinco anos tão mais fáceis, mais divertidos e mais bonitos, dentro e fora da Faculdade de Direito.

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Remember your name. Do not lose hope – what you seek will be found. Trust ghosts. Trust those that you have helped to help you in their turn. Trust dreams. Trust your heart, and trust your story. Do not forget your manners.

Do not look back.”

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Investigam-se os parâmetros da flexibilização trabalhista, enquanto instituto utilizado como forma de assegurar a manutenção do emprego, bem como de fomentar a restauração da saúde econômico-financeira das empresas nos momentos de crise econômica, analisando, mais detidamente, além do conceito de flexibilização trabalhista, os motivos pelos quais há demanda pela utilização deste mecanismo no Brasil, tanto pelo viés econômico, como pelos aspectos defasados da legislação trabalhista brasileira; as medidas adotadas pelo poder público como forma de atenuar os efeitos deletérios da crise econômica sobre empregados e empregadores; e quais são os limites e possibilidades de utilização da flexibilização no atual contexto, de maneira que esta seja utilizada sem causar perda de direitos à classe trabalhadora.

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The parameters of labor flexibility are investigated as an institute used to guarantee job retention, as well as promote the restoration of economic-financial health of companies in times of economic crisis, analyzing, more closely, in addition to the concept of labor flexibility, the reasons why there is demand for the use of this mechanism in Brazil, analyzing the economic aspects and also the legal aspects, which are related to the gaps existent at Brazilian labor legal system; the measures taken by the government as a way to mitigate the deleterious effects of the economic crisis on employees and employers; and what are the limits and possibilities of use of the flexibility in the current context, so that it is used without causing loss of rights to the working class.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 11

2 FLEXIBILIZAÇÃO: DELIMITAÇÃO CONCEITUAL, CONSTRUÇÃO HISTÓRICA E CARACTERÍSTICAS ... 14

2.1 Construção histórica da flexibilização trabalhista ... 14

2.2 Conceito de flexibilização ... 19

2.3 Flexibilização negativa ... 21

2.4 Flexibilização positiva ... 23

2.5 Flexibilização e desregulamentação ... 25

3 HORIZONTES DA FLEXIBILIZAÇÃO DAS LEIS TRABALHISTAS NO BRASIL ... 28

3.1 O atual contexto econômico do Brasil ... 28

3.2 A legislação trabalhista constitucional e infraconstitucional brasileira ... 32

3.2.1 Raízes políticas e ideológicas da Consolidação das Leis do Trabalho ... 33

3.2.2 O corporativismo na legislação trabalhista brasileira ... 36

3.2.3 A origem corporativista da Justiça do Trabalho ... 41

3.2.4 A Consolidação das Leis do Trabalho ... 47

4 LIMITES E POSSIBILIDADES DA FLEXIBILIZAÇÃO TRABALHISTA NO BRASIL . 53 4.1 O Estado no centro da flexibilização trabalhista: propostas apresentadas. ... 54

4.1.1 Projeto de Lei n.º 4.330/2004 – Regulamentação da terceirização de serviços ... 55

4.1.2 Projeto de Lei n.º 4.193/2012 – Prevalência da negociação coletiva ... 61

4.1.3 Permanência do Programa de Proteção ao Emprego ... 65

4.2 Críticas à flexibilização trabalhista. ... 69

4.3 Argumentos favoráveis à flexibilização. ... 72

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 77

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1 INTRODUÇÃO

A partir do ano de 2009, o mundo foi abalado por uma grande crise econômica, de magnitude semelhante à Grande Depressão de 1929, iniciada nos Estados Unidos. O cenário de globalização já consolidado mundialmente, inclusive em relação à economia, fez com que essa crise impactasse severamente diversos países, inclusive o Brasil, atingido pela vertiginosa queda dos investimentos internacionais, o que elevou o nível de incerteza acerca da prosperidade econômica.

A resposta do Brasil a esta crise pode ser dividida em duas vertentes, monetária e fiscal, e consolidou o alicerce para o atual momento econômico que o país vivencia. Na vertente monetária, dentre as medidas adotadas, pode-se citar a extensão dos créditos ao setor bancário e a atuação na frente cambial e no comércio exterior, com a redução concomitante dos juros de referência. Já na vertente fiscal, o governo brasileiro elevou generalizadamente os gastos em rubricas permanentes (como aumentos nos salários dos servidores públicos e promessas reiteradas à população de ajustes nos programas sociais e no salário mínimo), com pouco acréscimo nos investimentos de infraestrutura e nenhum alívio na carga fiscal da massa dos contribuintes, além de um aumento exagerado do crédito através dos bancos públicos1.

Essas medidas, apesar de cumprirem o seu papel de minimizar os efeitos da crise de 2009 sobre o Brasil, formaram o alicerce do atual momento de crise econômica e política que o país vivencia, considerada por especialistas a “maior crise do período pós-industrialização” 2.

A materialização do momento de fragilização econômica na esfera trabalhista, é que as conquistas relacionadas ao índice de desemprego obtidas nos últimos anos foram dizimadas e o país se encontra novamente com índice de desocupação superior a 10% (no segundo trimestre de 2016 esse índice atingiu 11,3%, com 11,6 milhões de pessoas

1 ALMEIDA, Paulo Roberto de. A crise econômica internacional e seu impacto no Brasil. 2009. Disponível em: <http://www.institutomillenium.org.br/artigos/a-crise-economica-internacional-e-seu-impacto-no-brasil/>. Acesso em: 05 out. 2016.

2 OLIVEIRA, Graziele; CORONATO, Marcos. Como o Brasil entrou, sozinho, na pior crise da história. 2016. Disponível em: <http://epoca.globo.com/ideias/noticia/2016/04/como-o-brasil-entrou-sozinho-na-pior-crise-da-historia.html>. Acesso em: 10 out. 2016.

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desempregadas 3). Esta magnitude de desempregados tem graves consequências, não apenas econômicas, mas sociais, de longo prazo. As famílias inadimplentes perdem a reputação, o “nome limpo” e a capacidade de obtenção e utilização de crédito no futuro.

E é nesse difícil contexto social e econômico, que o país volta a debater a necessidade de reformas na legislação trabalhista e a adoção da flexibilização trabalhista como forma de garantir para os trabalhadores a criação de oportunidade de ocupação com renda, segurança jurídica e consolidação de direitos; e, para os empregadores, a consolidação de um cenário de fomento ao empreendedorismo e favorável à recuperação financeira.

Segundo o presidente do Tribunal Superior do Trabalho, Ministro Ives Gandra da Silva Martins Filho4, o cenário econômico desfavorável fomenta o debate acerca da reforma da legislação trabalhista em virtude de ser justamente neste período que o sistema legal trabalhista mostra se oferta uma proteção real ou fictícia ao trabalhador. Argumenta o Ministro que “o período de crise não apenas é propício, mas é até exigente de uma reforma legislativa que dê maior flexibilidade protetiva ao trabalhador”, o que se dá por meio da busca de um ponto equilíbrio de justa retribuição ao trabalhador e ao empresário empreendedor.

O governo brasileiro tem sido o protagonista dessa busca, em grande parte em virtude da pressão realizada pela sociedade para a adoção de medidas concretas capazes de restaurar a saúde financeira do país. As diversas propostas de alteração na legislação trabalhista apresentadas até o momento, possuem em comum a ampla liberdade concedida a empregados, empregadores e entidades sindicais de ajustar, mediante negociação coletiva, os termos do contrato individual de trabalho para que este se adeque da melhor forma possível às necessidades das empresas e dos trabalhadores, bem como ao atual contexto econômico e social do país.

A forma como essas mudanças serão realizadas, por outro lado, suscita importantes debates, uma vez que a flexibilização trabalhista é um mecanismo dúbio, de maneira que o modo como ocorrerá sua implementação será o fator determinante acerca de

3 MENDONÇA, Heloísa. Desemprego no Brasil atinge recorde e deve continuar subindo. 2016. Disponível em: <http://brasil.elpais.com/brasil/2016/07/29/economia/1469802574_842001.html>. Acesso em: 10 out. 2016. 4 VASCONCELLOS, Marcos de. Período de crise econômica exige reforma da legislação

trabalhista. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2016-mai-15/entrevista-ives-gandra-silva-martins-filho-presidente-tst>. Acesso em: 21 nov. 2016.

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seu impacto positivo ou negativo sobre a sociedade – especificamente sobre a classe trabalhadora.

Tal reforma, outrossim, não é necessária somente em virtude do momento econômico desfavorável, mas também em razão de as normas trabalhistas há muito demandarem atualizações e adequações em seu conteúdo. Publicada no tumultuado cenário político e econômico mundial dos anos 1940, a Consolidação das Leis do Trabalho, em diversos aspectos, reflete a ideologia corporativista fascista dominante no momento de sua elaboração.

Outra questão a ser abordada é o vácuo legislativo existente em diversos aspectos corriqueiros das relações de trabalho contemporâneas, os quais existem ante a defasagem da Consolidação das Leis do Trabalho e demandam uma atuação ativa do Poder Judiciário no estabelecimento da regulamentação mínima necessária à garantia de segurança jurídica às partes da relação de trabalho. Nessa ordem de ideias, são demonstradas as propostas realizadas pelo poder público com o objetivo de preencher algumas dessas lacunas, fazendo-se uma análifazendo-se crítica acerca da eficácia das mudanças discutidas em relação aos pontos mais relevantes da reforma trabalhista.

Assim, mais do que atribuir um papel de vilão ou de herói ao instituto da flexibilização trabalhista, é necessário analisar e debater a forma como sua implementação será efetuada na atual reforma trabalhista, em vias de ser encaminhada à apreciação do Congresso Nacional. A exposição realizada busca demonstrar que o preenchimento de lacunas legislativas realizadas em descompasso com a construção jurisprudencial já existente acerca do tema e sem diálogo com os setores sociais atingidos, será pouco efetivo e não solucionará as controvérsias a que se propõe.

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2 FLEXIBILIZAÇÃO: DELIMITAÇÃO CONCEITUAL, CONSTRUÇÃO HISTÓRICA E CARACTERÍSTICAS

O atual momento de fragilidade econômica vivenciado pelo país reacendeu o debate em torno das medidas necessárias para restaurar a prosperidade outrora vivenciada. O Governo Federal tem estudado, proposto e realizado reformas em diversos setores e, dentre estas, a que tem acendido os debates mais acalorados é a reforma trabalhista baseada na flexibilização.

Para que se possa realizar uma análise crítica correta acerca deste instituto, faz-se necessário, em um primeiro momento, compreende-lo de forma ampla, estudando como se deu o seu surgimento, o que de fato é a flexibilização trabalhista nos dias de hoje e o que a diferencia de outro instituto que também se encontra no centro da polêmica existente em torno da atual reforma trabalhista: a desregulamentação.

2.1 Construção histórica da flexibilização trabalhista

A origem do Direito do Trabalho remonta à Revolução Industrial, no século XIX. Após anos de exploração desenfreada da força de trabalho do proletariado, em que homens, mulheres e crianças amontoavam-se em fábricas em situação degradante e perigosa, submetidos a jornadas de trabalho superior a 14 horas por dia, a eclosão de greves e revoltas atraiu a atenção do Estado e este, abandonando aos poucos a sua inércia em relação à economia, passou a intervir nas relações de emprego.

Após a formação e consolidação do Direito do Trabalho, no período de 1945 a 1968 as relações entre capital e trabalho mantiveram-se estáveis. Essa estabilidade fez com que este período fosse de grande prosperidade, um tempo de acumulação de capitais em escala jamais vista, viabilizada pela produção massificada em série.

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surgimento de excessos de capacidade de produção, queda de lucratividade, diminuição das taxas” 5.

Para Ricardo Antunes6, os traços característicos da crise estrutural do capital

foram:

1) queda da taxa de lucro, dada, dentre outros elementos causais, pelo aumento do preço da força de trabalho, conquistado durante o período pós-45 e pela intensificação das lutas sociais dos anos 60, que objetivavam o controle social da produção. A conjugação desses elementos levou a uma redução dos níveis de produtividade do capital, acentuando a tendência decrescente da taxa de lucro; 2) o esgotamento do padrão de acumulação taylorista/fordista de produção (que em verdade era a expressão mais fenomênica da crise estrutural do capital), dado pela incapacidade de responder à retração do consumo que se acentuava. Na verdade, tratava-se de uma retração em resposta ao desemprego estrutural que então se iniciava; 3) hipertrofia da esfera financeira, que ganhava relativa autonomia frente aos capitais produtivos, o que também já era expressão da própria crise estrutural do capital e seu sistema de produção, colocando-se o capital financeiro como um campo prioritário para a especulação, na nova fase do processo de internacionalização; 4) a maior concentração de capitais graças as fusões entre as empresas monopolistas e oligopolistas; 5) a crise do welfare state ou do ‘Estado do bem-estar social’ e dos seus mecanismos de funcionamento, acarretando a crise fiscal do Estado capitalista e a necessidade de retração dos gastos públicos e sua transferência para o capital privado; 6) incremento acentuado das privatizações, tendência generalizada às desregulamentações e à flexibilização do processo produtivo, dos mercados e da força de trabalho, entre tantos outros elementos que exprimiam esse novo quadro crítico.

O contexto ora delineado agravou-se em meados de 1973, com a crise do petróleo. Em virtude da inércia das forças políticas então dirigentes, que não empreenderam esforços para fornecer uma resposta rápida e eficaz à desestabilização econômica, a qual causou um vertiginoso aumento nos índices de desocupação no mercado de trabalho.

Não obstante, o mundo, à época, vivenciava um processo de completa renovação tecnológica e reestruturação capitalista, na qual as atividades produtivas foram fortemente impactadas pelos avanços obtidos na microinformática e robótica, pela globalização do mercado e por uma brusca alteração na tipologia das formas do emprego e da mão-de-obra.

Nesse contexto, a competitividade das empresas no recente mercado globalizado atingiu um novo patamar, o que, em conjunto com as inovações tecnológicas, rompeu com o paradigma produtivo anterior e com os mecanismos de regulamentação do trabalho outrora

5 GONÇALVES, Antônio Fabricio de Matos. Flexibilização trabalhista. 2ª ed. Belo Horizonte: Mandamentos, 2007.

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consolidados e ensejou uma grande investida contra a regulamentação estatal e contratual fora do âmbito da empresa que pudesse restringir a autonomia desta e aumentar os custos do trabalho7.

Ademais, a saída do capital produtivo para a especulação financeira, associada ao conjunto de profundas transformações ora analisadas, causou o chamado “desemprego estrutural”. Nesse quadro, os novos modelos de produção não necessitam de muitas contratações para manterem-se em funcionamento, o que enseja a extinção de postos de trabalho e o aumento dos índices de desocupação.

Assim, fortaleceram-se, nesta perspectiva, as correntes neoliberais que propunham a flexibilização do direito trabalhista.

No Brasil, falou-se pela primeira vez sobre flexibilização trabalhista na década de 1960. Pode-se citar como primeira manifestação desse fenômeno a Lei n.º 4.923/1965 responsável, dentre outras coisas, por criar o cadastro permanente das admissões e dispensas de empregados e estabelecer medidas contra o desemprego (como a redução da jornada de trabalho e dos salários, mediante negociação coletiva) e de assistência aos desempregados.

Essa norma surgiu em um delicado momento econômico do país após a tomada do poder pelos militares, quando era necessária a implantação imediata de reformas estruturais para normalizar a situação da economia, ameaçada pela inflação crescente desde meados do governo de Juscelino Kubitscheck. Assim, já no ano de 1964, foi criado o Plano de Ação Econômica do Governo; 1964-1966 (PAEG) 8, do qual fez parte a Lei n.º 4.923/1965.

Nesse mesmo contexto, no ano de 1966, o Estado brasileiro utilizou-se novamente da flexibilização trabalhista, através da Lei n.º 5.107/1966 que instituiu o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS – o qual surgiu para substituir o regime de estabilidade decenal previsto na Consolidação das Leis do Trabalho. A este respeito, Maurício Godinho Delgado9

leciona que:

7 SIQUEIRA NETO, José Francisco. Direito do Trabalho e Flexibilização no Brasil. 1997. Disponível em: <http://produtos.seade.gov.br/produtos/spp/v11n01/v11n01_04.pdf>. Acesso em: 27 set. 2016.

8 PACHECO, Luiz Henrique. Década de 60 e um plano econômico. Disponível em: <http://prosaeconomica.com/2010/08/24/decada-de-60-e-um-plano-economico/>. Acesso em: 11 out. 2016. 9 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 6. ed. São Paulo: LTr, 2007.

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É que a sistemática do Fundo de Garantia não apenas retirou limites jurídicos às dispensas desmotivadas (no sistema do Fundo, repita-se não seria mais possível, juridicamente, o alcance da velha estabilidade celetista), como também reduziu, de modo significativo, o obstáculo econômico-financeiro às rupturas de contratos inferiores a dez/nove anos, substituindo-o pela sistemática pré-constituída dos depósitos mensais do FGTS.

O que se pode observar das medidas analisadas, é que a flexibilização trabalhista surgiu em um cenário econômico altamente desfavorável e alterou o foco do Direito do Trabalho. Enquanto anteriormente todas as normas e debates voltavam-se para proteger cada vez mais o trabalhador e assegurar a consolidação do princípio da continuidade da relação de emprego, com a vigência das Leis n.º 4.923/1965 e 5.107/1966 o foco do Direito do Trabalho brasileiro passou a ser o empregador, ao qual foram conferidas novas prerrogativas de utilização do poder diretivo patronal.

Como ensina Antônio Fabrício de Matos Gonçalves, esclarecendo esta mudança de foco, “... mesmo havendo a exigência da participação sindical, prioriza-se a empresa e não o empregado, marcando a alteração da mudança da lógica do Direito do Trabalho pátrio, em função da conjuntura econômica” 10.

Em seguida, no ano de 1988, foi promulgada a Constituição Federal atualmente vigente, a qual alçou o trabalho ao patamar de Direito Social 11. O Texto Constitucional, noutro giro, instituiu três formas de flexibilização trabalhista: a possibilidade de redução salarial mediante acordo ou convenção coletiva (artigo 7º, inciso VI), a possibilidade de redução da jornada de trabalho mediante acordo ou convenção coletiva (artigo 7º, inciso XIII) e a possibilidade de aumento da jornada para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento mediante negociação coletiva (artigo 7º, inciso XIV).

A partir daí, muitas outras medidas utilizando a flexibilização das normas trabalhistas foram instituídas, advindas não apenas do Poder Legislativo.

10 GONÇALVES, Antônio Fabrício de Matos. Flexibilização Trabalhista. 2ª ed. Belo Horizonte: Mandamentos, 2007.

11 CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988. Art. 6º: São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 10 out. 2016.

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Em 1995, por exemplo, o Ministério do Trabalho editou a Portaria n.º 805, a qual estabelecia os critérios de fiscalização de condições de trabalho constantes em convenções ou acordos coletivos de trabalho. A teor do artigo 4º da referida Portaria, “a incompatibilidade entre as cláusulas referentes às condições de trabalho pactuadas em convenção ou acordo coletivo e a legislação ensejará apenas a comunicação do fato à chefia imediata” 12; ou seja, as partes possuíam autonomia para, mediante negociação coletiva, instituir condições de trabalho incompatíveis com a legislação pátria, sem que este fato importasse na imposição de sanções à empresa.

No ano de 1996, o Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo celebrou convenção coletiva de trabalho que criava o contrato individual de trabalho flexível, com a concessão de maior liberdade para empregado e empregador pactuarem, individualmente, as condições em que se daria a prestação de serviços. A título de exemplo, destaque-se que o referido instrumento coletivo permitia a remuneração do trabalhador em razão do número de horas efetivamente trabalhadas. Posteriormente, doze cláusulas deste instrumento coletivo foram anuladas pelo Tribunal Regional do Trabalho da Segunda Região13.

Também se colhe da jurisprudência consolidada pelos Tribunais Superiores exemplos de medidas flexibilizadoras. A este respeito, podem-se citar duas Súmulas editadas pelo Tribunal Superior do Trabalho, de números 363 e 331.

A Súmula n.º 363 dispõe acerca da impossibilidade de Administração Pública celebrar contrato de trabalho sem o competente concurso público, e determina que nesta hipótese será devido ao empregado apenas o pagamento da contraprestação pecuniária pactuada, em relação ao número de horas trabalhadas e respeitando o valor-hora do salário mínimo, e os depósitos fundiários do período14.

12 MINISTÉRIO DO TRABALHO. Portaria nº 865, de 14 de julho de 1995. Estabelece critérios de fiscalização de condições de trabalho constantes de Convenções ou Acordos Coletivos de Trabalho. Portaria 865, de 14 de

Setembro de 1995. Brasília, 14 jul. 1995. Disponível em:

<http://www.trtsp.jus.br/geral/tribunal2/ORGAOS/MTE/Portaria/P865_95.htm>. Acesso em: 10 out. 2016. 13 VALADÃO, Carla Cirino; TEODORO, Maria Cecília Máximo. A Flexibilização Positiva: uma forma de tutelar e promover a dignidade humana do trabalhador. In: CONSELHO NACIONAL DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO, 23. 2015, Florianópolis. Artigo. Florianópolis: Conpedi, 2015. p. 84 - 103. 14 TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO. Súmula nº 363. Brasília, DF, 21 de novembro de 2013. Diário

Oficial da União. Disponível em:

<http://www3.tst.jus.br/jurisprudencia/Sumulas_com_indice/Sumulas_Ind_351_400.html#SUM-363>. Acesso em: 10 out. 2016.

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A Súmula n.º 331, por sua vez, tem sido objeto de recente debate, em razão de tratar de matéria de grande relevância para o Direito do Trabalho contemporâneo, não regulamentada pela Consolidação das Leis do Trabalho: a terceirização trabalhista.

A referida Súmula, em seu inciso II, traz permissivo que autoriza a terceirização (que é a contratação de empresa interposta para fornecimento de mão-de-obra) de trabalhadores para a execução de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, não apenas para aqueles que executem serviços de vigilância, conservação e limpeza15.

É notório, portanto, que a flexibilização trabalhista não é algo recente ou estranho ao ordenamento jurídico pátrio, sendo instituto acolhido pela Constituição Federal de 1988 e há muito utilizado por diversas esferas normativas como forma de adequação do arcabouço normativo às necessidades de empregados e empregadores.

2.2 Conceito de flexibilização

A flexibilização das normas trabalhistas, é um mecanismo por meio do qual se atenua o rigor e imperatividade que revestem as normas jurídicas no âmbito do Direito do Trabalho, dotando este de “novos mecanismos capazes de compatibilizá-lo com as mutações decorrentes de fatores de ordem econômica, tecnológica ou de natureza diversa exigentes de pronto ajustamento” 16.

A este respeito, leciona Oscar Ermida Uriarte17:

Em termos gerais e no âmbito do Direito do Trabalho, a flexibilidade pode ser definida como eliminação, diminuição, afrouxamento ou adaptação da proteção trabalhista clássica, com a finalidade – real ou pretensa – de aumentar o investimento, o emprego ou a competitividade da empresa.

15TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO. Súmula nº 331. Brasília, DF, 31 de maio de 2011. Diário Oficial

da União. Disponível em:

<http://www3.tst.jus.br/jurisprudencia/Sumulas_com_indice/Sumulas_Ind_351_400.html#SUM-363>. Acesso em: 10 out. 2016.

16 NASSAR, Rosita de Nazaré Sidrim. Flexibilização do Direito do Trabalho. São Paulo: Ltr, 1991. 17 URIARTE, Oscar Ermida. A flexibilidade. São Paulo: LTr, 2002.

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Conforme abordado pela doutrina, a flexibilização nasce como uma forma de mitigar o protecionismo característico do arcabouço normativo trabalhista nos momentos em que a conjuntura econômica e social demandar uma adaptação deste às diferentes realidades que envolvem as relações de trabalho (sendo percebida mais facilmente nas relações de emprego), de acordo com as necessidades de trabalhadores e empregadores naquele momento.

Neste sentido, leciona Vólia Bomfim Cassar, para quem “flexibilizar significa criar exceções, dar maleabilidade à rígida lei trabalhista, autorizar a adoção de regras especiais para casos diferenciados” 18.

Essa demanda por mitigação da característica rigidez do arcabouço normativo trabalhista tem diversas causas, além de crises econômicas e mudanças sociais. Sérgio Pinto Martins aponta, também, o desenvolvimento econômico, a globalização, as mudanças tecnológicas, os encargos sociais, o aumento do desemprego, os aspectos sociológicos e culturais e a economia informal19. Este mesmo doutrinador defende que a flexibilização é “o conjunto de regras que tem por objetivo instituir mecanismos tendentes a compatibilizar as mudanças de ordem econômica, tecnológica, política ou social existentes na relação entre o capital e o trabalho.”

Arnaldo Süssekind20, por sua vez, ao abordar o tema em estudo, discorre acerca da

flexibilização com um maior enfoque na maleabilidade da legislação, senão vejamos:

Com a flexibilização, os sistemas legais preveem formas opcionais ou flexíveis de estipulações de condições de trabalho, seja pelos instrumentos da negociação coletiva, ou pelos contratos individuais de trabalho, seja pelos próprios empresários. Por conseguinte: a) amplia o espaço para a complementação ou suplementação do ordenamento legal; b) permite a adaptação de normas cogentes a peculiaridades regionais, empresariais ou profissionais; c) admite derrogações de condições anteriormente ajustadas, para adaptá-las a situações conjunturais, métodos de trabalho ou implementação de nova tecnologia.

Nesta definição, o doutrinador apresenta um elemento da flexibilização trabalhista não abordado nas definições anteriores: o caráter opcional. Assim, é importante notar que a flexibilização trabalhista não é uma norma que surge para se sobrepor à legislação vigente (o

18 BOMFIM, Vólia Cassar. Princípios trabalhistas, novas profissões, globalização da economia e flexibilização das normas trabalhistas. Niterói: Impetus, 2010.

19 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. 27ª ed. São Paulo, SP: Atlas, 2005.

20 SÜSSEKIND, Arnaldo, MARANHÃO, Délio e VIANNA, José Segadas. Instituições de Direito do Trabalho. 22ª Ed. São Paulo, SP: LTr, 2005. v. 01.

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que inclusive iria de encontro à mitigação da rigidez normativa que esta propõe), mas sim uma alternativa, uma faculdade colocada à disposição dos empregados e empregadores para que estes possam adequar a relação de trabalho existente às demandas oriundas do contexto social existente.

A flexibilização trabalhista também é tratada como uma “possibilidade” por Júlio Assunção Malhadas, cuja definição ressalta, além do viés facultativo, o caráter de acordo de vontades como mecanismo legitimador para a negociação de direitos e deveres inerentes à relação de trabalho. A este respeito, leciona o autor que a flexibilização trabalhista pode ser entendida como:

(...) a possibilidade de as partes – trabalhador e empresa – estabelecerem, diretamente ou através de suas entidades sindicais, a regulamentação de suas relações sem total subordinação ao Estado, procurando regula-las na forma que melhor atenda aos interesses de cada um, trocando recíprocas concessões. 21

As definições enfocadas ressaltam, também, um outro aspecto importante a ser observado a respeito do instituto analisado: a valorização da negociação coletiva como forma de estipular os diretos e obrigações que existirão para empregados e empregadores. Esse elemento é essencial para garantir a efetiva adequação das normas trabalhistas às necessidades das partes envolvidas, uma vez que é a via de diálogo primordial entre empregados e empregadores.

A flexibilização trabalhista é ainda subdividida em duas espécies: a “flexibilização positiva” e a “flexibilização negativa”.

2.3 Flexibilização negativa

A flexibilização trabalhista surgiu no Brasil como uma forma de adaptação das normas trabalhistas ao momento de instabilidade econômica que o país vivenciou no início da ditadura militar. O referido instituto é fortemente marcado pela valorização do princípio da autonomia da vontade, concretizado mediante a negociação coletiva. Da contextualização histórica é possível perceber, também, que a flexibilização surgiu com uma conotação

21 MALHADAS, Júlio Assunção. A flexibilização das condições de trabalho em face da nova constituição. In: Curso de Direito Constitucional do Trabalho. Estudos em Homenagem ao professor Amauri Mascaro Nascimento. São Paulo: LTr, 1991. p 143-154.

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negativa que a acompanha até a contemporaneidade, de assegurar o desenvolvimento das empresas em momentos de instabilidade econômica em detrimento dos direitos trabalhistas garantidos aos empregados.

Desse contexto de surgimento surgiu a concepção desse instituto que passou a ser conhecida como “flexibilização negativa”.

A “flexibilização negativa” é tida como “a regulamentação de direitos mínimos pelas normas heterônomas, oriundas do Estado, com regulamentação dos demais direitos por meio de normas autônomas, oriundas de negociação coletiva e contrato de trabalho” 22. Sob esta definição, a flexibilização trabalhista perde o viés de conciliação de vontades e passa a ser utilizada como forma de exploração da mão-de-obra e precarização do trabalho, passando a ser utilizada como um instrumento propulsor do capital por meio da redução dos direitos trabalhistas. Neste sentido, veja-se a definição atribuída por Antônio Casimiro Ferreira23:

Numa interpretação crítica do conceito, Hermes Costa chama a atenção para a ambiguidade semântica (2008:34) que se lhe encontra associada, sendo nesse registro que utilizo a noção de flexibilidade negativa, entendida como minimização da função tuitiva do Estado e de proteção do direito do trabalho com afastamento dos procedimentos associados à democracia laboral – diálogo social, negociações coletivas, participação dos trabalhadores – visando o objetivo do bom funcionamento do mercado.

Essa acepção do instituto consubstancia uma inversão na prioridade do Direito do Trabalho, a qual passa a ser a valorização do capital em detrimento da proteção do trabalhador hipossuficiente, e predominou no século XX e início do século XXI 24.

Após a promulgação da Constituição Federal de 1988 e o advento do neoconstitucionalismo, a flexibilização adquiriu um novo caráter, o qual passou a ser conhecido sob o termo “flexibilização positiva”.

22 VALADÃO, Carla Cirino; TEODORO, Maria Cecília Máximo. A Flexibilização Positiva: uma forma de tutelar e promover a dignidade humana do trabalhador. In: CONSELHO NACIONAL DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO, 23. 2015, Florianópolis. Artigo. Florianópolis: Conpedi, 2015. p. 84 - 103. 23 FERREIRA, Antônio Casimiro. A sociedade de austeridade: Poder, medo e direito do trabalho de exceção. In: REVISTA CRÍTICA DE CIÊNCIAS SOCIAIS, 95. 2011, p. 119-136.

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2.4 Flexibilização positiva

A Constituição Federal de 1988 tratou dos direitos e garantias fundamentais de uma forma sem precedentes no ordenamento jurídico brasileiro, assegurando a plena inserção destes comandos no topo da pirâmide do ordenamento jurídico brasileiro.

Conforme destacam Luiz Otávio Linhares Renault e Isabela Márcia de Alcântara Fabiano25, o neoconstitucionalismo (tido como a alçada da Constituição ao centro do sistema jurídico, com o seu texto dotado de normatividade, imperatividade e superioridade26), desencadeado pela promulgação da Constituição Federal de 1988, dotou as normas constitucionais de força cogente e eliminou o caráter a ela anteriormente atribuído de documento meramente político e sem qualquer força jurídica. Veja-se:

Outra derivação do neoconstitucionalismo – além do reconhecimento da força normativa à Constituição, que deixou de ser vista e tratada como documento político, sem força jurídica, ou como carta, cujo objeto estava restrito à formação e à conformação do Estado – é a colocação da Lei Fundamental realmente em nível supremo na pirâmide normativa, e não mais apenas em nível retórico. Ela diz; ela se impõe, exuberantemente. Ela é por inteira; e, dentro de si, possui mecanismos eficazes contra a sua despotencialização, inclusive índole ideológica; ela não deixa resto, nem rastros interpretativos secundários, em face da normatividade piramidal.

A superioridade do texto constitucional pautado na promoção da dignidade da pessoa humana e na priorização dos direitos e garantias fundamentais promoveu, dentre outros fenômenos, uma ampla valorização da pessoa humana, rompendo com a dicotomia público-privado vigente anteriormente. Carla Cirino Valadão e Maria Cecília Máximo Teodoro elencam, com base na lição de Ingo Sarlet, três principais consequências da constitucionalização do direito privado: a intervenção imperativa do Estado nas relações privadas; a constitucionalização de princípios e institutos do direito privado; e a migração de valores constitucionais para o âmbito privado, derivando daí a repersonalização do Direito Civil, o qual passou a ter o ser humano como seu centro 27.

25 FABIANO, Isabela Márcia de Alcântara; RENAULT, Luiz Otávio Linhares. Eficácia horizontal dos direitos fundamentais nas relações de emprego – alguma verdade. Revista do TST, Brasília, vol. 77, n. 4, p. 204-230, out/dez 2011.

26 COSTA, Lucas Sales da. Neoconstitucionalismo: definição, origem e marcos. Disponível em: <http://www.conteudojuridico.com.br/artigo,neoconstitucionalismo-definicao-origem-e-marcos,47162.html>. Acesso em: 17 out. 2016.

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Sobressai do contexto aqui construído que o direito privado, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, passou por uma fase de humanização. Enquanto isso, contudo, o Direito do Trabalho vivenciava o crescimento da “flexibilização negativa”, o que causou uma grande contradição jurídica. Em sendo a “flexibilização negativa” a priorização do crescimento do capital em detrimento dos direitos obtidos pelos trabalhadores ao longo do desenvolvimento do Direito do Trabalho, é certo que esta não é compatível com a nova ordem constitucional, a qual alçou a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho ao

status de fundamentos do Estado Democrático de Direito (artigo 1º, III e IV da Constituição

Federal de 1988).

A própria Constituição, contudo, tratou de sanar essa contradição ao acolher a flexibilização como forma de promoção da dignidade do trabalhador e trazer em seu texto três hipóteses em que ela poderia ser utilizada. Neste sentido, discorre Maurício Godinho Delgado28:

A expressão flexibilização das relações de trabalho e compreendida, predominantemente, como termo pejorativo, de maneira a indicar a redução dos direitos trabalhistas. Ocorre que essa mesma expressão pode repercutir em aspectos favoráveis para os trabalhadores. Tanto é assim que a CR/88 autorizou algumas flexibilizações pontuais de normas trabalhistas, mas sempre por meio da negociação coletiva sindical e desde que respeitados os limites constitucionais.

Sob esse ponto de vista, sobressai que a flexibilização trabalhista, em sua acepção positiva, é “a adequação das normas trabalhistas, de acordo com cada situação particular, para proteger o trabalhador e promover a valorização do ser humano, conforme ditam os preceitos constitucionais, mormente o artigo 3º da Carta” 29.

Assim, a garantia dos direitos adquiridos pelos trabalhadores volta a ser priorizada e a “flexibilização negativa” é afastada ante a sua incompatibilidade com os direitos e garantias fundamentais consolidados no Texto Constitucional.

28 DELGADO, Maurício Godinho. O direito constitucional e a flexibilização das normas trabalhistas. In: CONFERÊNCIA DOS ADVOGADOS DO DISTRITO FEDERAL, 6, 2008, Brasília. VI Conferência dos Advogados do Distrito Federal. Brasília: OAB-DF, 2008.

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Incompatível é, também a “desregulamentação trabalhista”, frequentemente confundida com a flexibilização. Para a melhor compreensão do que seja a flexibilização, complementando as informações já fornecidas, necessário é diferenciar os referidos institutos, demonstrando que, apesar de bastante semelhantes, não se confundem.

2.5 Flexibilização e desregulamentação

Um engano comumente cometido quando se trata acerca de flexibilização trabalhista é confundi-la com a desregulamentação. Conforme se demonstrará a seguir, contudo, os referidos institutos não são idênticos.

A flexibilização trabalhista, colocando de forma simplificada, é o ato de dar maleabilidade à legislação trabalhista, adequando-a as necessidades de empregados e empregadores. Dessa maneira, o arcabouço normativo que regula os termos da relação de emprego existe, é vigente e legítimo, porém empregados e empregadores possuem autonomia para negociar de forma diferente do que estabelece a legislação, desde que preservadas as garantias asseguradas constitucionalmente.

Já a desregulamentação pode ser conceituada como a “eliminação ou redução da intervenção do Estado protetor do trabalhador individual e restrição da autonomia coletiva, ambas no limite do politicamente possível” 30. A este respeito, Sérgio Pinto Martins31 dispõe

que:

Não se confunde flexibilização com desregulamentação. Desregulamentação significa desprover de normas heterônomas as relações de trabalho. Na desregulação o Estado deixa de intervir na área trabalhista, não havendo limites na lei para questões trabalhistas, que ficam a cargo da negociação individual ou coletiva. Na desregulamentação a lei simplesmente deixa de existir. Na flexibilização, são alteradas as regras existentes, diminuindo a intervenção do Estado, porém garantindo um mínimo indispensável de proteção ao empregado, para que este possa sobreviver, sendo a proteção mínima necessária. A flexibilização é feita com a participação do sindicato. Em certo casos, porém, é permitida a negociação coletiva para modificar alguns direitos, como reduzir salários, reduzir e compensar jornada de trabalho, como ocorre nas crises econômicas.

Assim, embora os institutos constituam processos semelhantes, que buscam um resultado final comum, qual seja, permitir que as relações de trabalho sejam regulamentadas

30 Ibid. p. 84 - 103.

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pela livre vontade dos participantes preservando-se os direitos garantidos na Constituição Federal32, é patente que a busca por este resultado final é realizada de forma diferente, residindo aí o elemento que diferencia a flexibilização da desregulamentação trabalhista.

Com efeito, a desregulamentação utiliza como caminho para atingir o resultado final que almeja a privação de normatividade, suprindo ou eliminando os dispositivos legais que regulam um determinado instituto ou situação. A flexibilização, noutro giro, implica na manutenção do dispositivo legal que assegura determinado direito ou benefício, porém reduzindo o seu alcance, profundidade ou conteúdo para adapta-lo às necessidades das partes, sem que haja o descarte da norma existente 33.

Necessário destacar, contudo, que a desregulamentação trabalhista não é compatível com os direitos e garantias fundamentais consolidados no texto da Constituição Federal de 1988.

Neste diapasão, desregulamentação prega a não intervenção do Estado nas relações de trabalho por meio da ausência de regulamentação legal. Ocorre que o Estado brasileiro é bastante intervencionista, especialmente no que se refere a medidas fiscais e intervenção no mercado de câmbio, com o fito de regular o cenário econômico para que este seja terreno fértil para a prosperidade das empresas situadas no país. Como exemplo desse tipo de intervenção, Carla Cirino Valadão e Maria Cecília Máximo Tenório34 citam:

No último ano de 2014, o Banco Central intensificou a intervenção no mercado de câmbio. Uma das medidas adotadas foi a compra de dólares com o objetivo de conter o aumento crescente da moeda americana para diminuir a inflação e o endividamento das empresas brasileiras. Além disso, recentemente, o governo injetou capital no mercado e isentou o Imposto sobre Produtos Industrializados para fomentar a indústria.

Esse desequilíbrio entre ausência de intervenção na esfera trabalhista e intervenção protecionista em relação às medidas econômicas que beneficiam o capital acaba

32 MARTINS, Nei Frederico Cano. Os princípios do Direito do Trabalho e a flexibilização ou desregulamentação. Revista da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo 6.1, 2015.

33 COSMÓPOLIS, M. P. La flexibilización en América Latina. In: MALLET, Estevão e ROBORTELLA, Luiz Carlos Amorim (Orgs.). Direito e Processo do Trabalho: estudos em homenagem a Octavio Bueno Magano. São Paulo: LTr, 1996.

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(29)

3 HORIZONTES DA FLEXIBILIZAÇÃO DAS LEIS TRABALHISTAS NO BRASIL

Quando se discute a respeito da flexibilização trabalhista, parte-se do pressuposto de que há um marco normativo rígido vigente e que as relações de trabalho existentes demandam uma capacidade de adaptação dele às condições de trabalho estabelecidas, diretamente influenciadas pela dinâmica econômica e social do país.

Partindo desse pressuposto, tem-se que para compreender os horizontes que a flexibilização trabalhista possui atualmente no país, é necessário analisar, inicialmente, dois aspectos: o contexto social e econômico em que o instituto será levado a efeito; e o marco normativo que ele se proporá a maleabilizar.

Dessa forma, será possível vislumbrar com clareza tanto as reformas desejadas pelos empregados e empregadores, como de que forma essas alterações poderão ser realizadas, a partir do conjunto normativo preexistente.

3.1 O atual contexto econômico do Brasil

Os países submetidos ao modelo econômico capitalista, desde os tempos mais remotos, vivenciam um fenômeno chamado “ciclo econômico”, no qual se alternam períodos de forte crescimento econômico e períodos de estagnação e crise. A este respeito, Francisco Mochón35 ensina que:

As fases de maior crescimento denominam-se expansão. Quando a produção experimenta um crescimento baixo, diz-se que há uma crise. (...) A fase descente é recessão, ao longo da qual a produção e o emprego caem; costuma durar entre seis meses a um ano e faz a maioria dos setores da economia contrair. Uma depressão é uma recessão maior, tanto em termos de magnitude quanto de duração.

Atualmente, o Brasil vivencia um momento descente do ciclo econômico e enfrenta a pior crise econômica do período pós-industrialização. Enquanto na crise econômica de 1930, reflexo da Grande Depressão que surgiu nos Estados Unidos e correu a economia global, a economia nacional encolheu a um ritmo médio de 1,4% ao ano, na crise atual

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estima-se que no triênio de 2014 a 2016 o encolhimento tenha um ritmo médio de 2,4% ao ano 36. Já o Produto Interno Bruto, no ano de 2015 caiu 3,8% 37, com destaque negativo para a indústria e o setor de serviços.

Responsável por 55% do total de empregos no país e quase 70% da atividade econômica, o setor de serviços vem ocupando posição mais relevante na estrutura produtiva ao longo dos anos. Este ganho de espaço se deve, em grande parte, em razão da perda de participação da indústria, ocasionada pelo declínio da indústria de transformação na atividade econômica (a qual está associada a uma expressiva deterioração da balança comercial de manufaturados, à baixa intensidade tecnológica da pauta exportadora e à menor produtividade total da economia) 38.

Ademais, o setor de serviços – em especial o comércio – obteve benefícios com a expansão da massa salarial dos últimos dez anos, apresentando taxa média de crescimento anual acima do PIB, o que também influenciou os ganhos de participação do setor. No atual contexto de recessão, todavia, esse setor mostra taxas decrescentes, sob influência da queda da atividade econômica e do consumo nos segmentos de comércio e outros serviços, como transporte, armazenagem e correios39.

Esse decréscimo materializa-se no retrocesso vivenciado pelos índices de desemprego no país. O Brasil, em um período de dez anos, reduziu o índice de desocupação de 10% para 5% 40, mas este avanço já fora dizimado pela recessão econômica e atualmente a taxa de desemprego nacional, medida pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, encontra-se em 11,2%, com 11,4 milhões de brasileiros desempregados 41. Essa magnitude de desemprego, por sua vez, enseja consequências sociais graves e de longo prazo.

36 OLIVEIRA, Graziele; CORONATO, Marcos. Como o Brasil entrou, sozinho, na pior crise da história. Disponível em: <http://epoca.globo.com/ideias/noticia/2016/04/como-o-brasil-entrou-sozinho-na-pior-crise-da-historia.html>. Acesso em: 02 nov. 2015.

37 EMPRESA DE PESQUISA ENERGÉTICA. Nota Técnica DEA 08/16. Caracterização do cenário macroeconômico para os próximos 10 anos (2016-2025). Rio de Janeiro: 2016. (Estudos Econômicos). Disponível em: <http://www.epe.gov.br/mercado/Documents/Série Estudos de Energia/DEA 08-16 - Cenário macroeconômico 2016-2025.pdf>. Acesso em: 02 nov. 2016.

38 Id. 39 Id.

40 OLIVEIRA, Graziele; CORONATO, Marcos. Como o Brasil entrou, sozinho, na pior crise da história. Disponível em: <http://epoca.globo.com/ideias/noticia/2016/04/como-o-brasil-entrou-sozinho-na-pior-crise-da-historia.html>. Acesso em: 02 nov. 2015.

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Inicialmente, pode-se citar o aumento nos indicadores de inadimplência, o que causa a perda de reputação, de “nome limpo” e de capacidade de utilização de crédito no futuro pelas famílias brasileiras. Em março de 2016, a base de dados da Serasa Experian acusou que existem 60 milhões de inadimplentes no país, um aumento de 3,5% na comparação com a medição realizada em dezembro de 2015 42.

A inadimplência atinge também as empresas, havendo o Serasa Experian constatado que mais da metade das empresas brasileiras encontram-se negativadas. O estudo realizado apontou que, das cerca de oito milhões de empresas em operação no país, 4,4 milhões estão negativadas, com um montante de dívidas na ordem de R$105,6 bilhões, sendo o maior número de inadimplentes registrado pelo Serasa Experian desde que a medição fora iniciada, em 2015 43.

Outra consequência advinda desse cenário econômico desfavorável é a perca da capacidade de investimento no chamado “capital humano”, que é a redução dos investimentos na formação dos jovens com o objetivo de formar cidadãos educados, críticos, produtivos e aptos a aprender continuamente ao longo da vida. A formação desse tipo de cidadão demanda elevados investimentos, os quais quedam prejudicados nos momentos de crise econômica, quando as famílias precisam definir prioridades para conter gastos. Ocorre que, inclusive por demandar anos de investimento seguido, capital humano não se recupera rapidamente num momento de guinada econômica, de forma que é impossível prever o quanto a queda em seus investimentos será prejudicial ou quantos anos serão necessários para a recuperação destes prejuízos 44.

O aumento do “desalento” (situação em que o cidadão desempregado desiste de buscar emprego) também é outro dano social advindo do cenário econômico desfavorável. A estagnação econômica causa o aumento do desalento e, consequentemente, do custo social. O

Acesso em: 02 nov. 2016.

42 SERASA EXPERIAN. Inadimplência atinge 60 milhões de brasileiros e bate recorde: 80% dos devedores ganham até dois salários mínimos. Disponível em: <http://noticias.serasaexperian.com.br/inadimplencia-atinge-60-milhoes-de-brasileiros-e-bate-recorde-80-dos-devedores-ganham-ate-dois-salarios-minimos/>. Acesso em: 08 nov. 2016.

43 Id.

44 OLIVEIRA, Graziele; CORONATO, Marcos. Como o Brasil entrou, sozinho, na pior crise da história. Disponível em: <http://epoca.globo.com/ideias/noticia/2016/04/como-o-brasil-entrou-sozinho-na-pior-crise-da-historia.html>. Acesso em: 02 nov. 2015.

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maior prejuízo advindo desse fenômeno é que o cidadão nessa situação desista de atualizar-se e aprender, tornando-se menos produtivo e reduzindo as suas chances de reinserir-se no mercado de trabalho, mesmo após a superação da crise econômica e a retomada do crescimento 45.

O impacto desse contexto desfavorável é sentido com maior intensidade pelas pessoas mais pobres. Historicamente, o Serasa Experian constatou que os mais afetados são os brasileiros que “vivem daquilo que recebem” e não conseguem constituir nenhum tipo de reserva ou poupança financeira. A pesquisa de inadimplência realizada pelo referindo instituto constatou que 40% dos inadimplentes no Brasil recebem entre um e dois salários mínimos e 37,2% sobrevivem com menos de um salário mínimo por mês46.

Essa situação encontra-se intrinsecamente conectada aos altos índices de inadimplência entre as empresas brasileiras, uma vez que a falta de caixa para honrar dívidas também impacta o pagamento dos salários e ajuda a engrossar os índices de desemprego. O quadro recessivo que se instalou na economia do país afeta diretamente o ritmo dos negócios e, por consequência, a geração de caixa por parte das empresas.

Ademais, a crescente elevação dos custos financeiros (taxas de juros mais altas) e de mão-de-obra (salários crescendo acima da produtividade) impõem maiores dificuldades financeiras para os negócios. A maioria das empresas negativadas são as de pequeno e médio porte, as quais concentram a maior parte da geração de empregos no Brasil, formando-se, assim, um círculo vicioso de inadimplência e desemprego alimentado pela atual recessão econômica 47.

Nesse cenário, os debates acerca da necessidade de se realizar reformas trabalhistas que privilegiem a flexibilização das normas volta a ganhar fôlego. Especialistas em relações de trabalho48 retomam o argumento de que o mercado de trabalho brasileiro

45 Id.

46 SERASA EXPERIAN. Inadimplência atinge 60 milhões de brasileiros e bate recorde: 80% dos devedores ganham até dois salários mínimos. Disponível em: <http://noticias.serasaexperian.com.br/inadimplencia-atinge-60-milhoes-de-brasileiros-e-bate-recorde-80-dos-devedores-ganham-ate-dois-salarios-minimos/>. Acesso em: 08 nov. 2016.

47 Id.

48 NIERO, Jamille. Crise e desemprego reforçam debate sobre a flexibilização das leis

trabalhistas. Disponível em: <http://www.fecomercio.com.br/noticia/crise-e-desemprego-reforcam-debate-sobre-a-flexibilizacao-das-leis-trabalhistas>. Acesso em: 08 nov. 2016.

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funciona com base em regras defasadas, quando o mundo era muito diferente e não contava com as diferentes formas de atuação ou o apoio da tecnologia atual, os quais transformaram as relações de trabalho de maneira que a legislação não conseguiu acompanhar.

Para a melhor compreensão do contexto em que a flexibilização trabalhista é trazida ao centro dos debates novamente, além do delicado contexto econômico atual, é necessário também compreender a legislação trabalhista brasileira, em especial a Consolidação das Leis do Trabalho.

3.2 A legislação trabalhista constitucional e infraconstitucional brasileira

A flexibilização, por força de definição, pressupõe a existência de um precedente normativo vigente, no caso, as normas reguladoras das relações de trabalho, compiladas na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

Embora a importância da CLT e a revolução por ela causada nas relações de trabalho sejam indiscutíveis, é patente que, atualmente, muitas de suas normas não possuem a mesma aplicabilidade da época de sua entrada em vigor (a exemplo da norma que exclui os trabalhadores externos do controle de jornada, consubstanciada no artigo 62, da Norma Consolidada), e que a mesma é omissa quanto a aspectos hoje corriqueiros das relações de trabalho (sendo o exemplo mais clássico disso a terceirização).

Essa defasagem inspira no Poder Judiciário a necessidade de complementar as lacunas legislativas – como o Tribunal Superior do Trabalho fez no exemplo da terceirização através da Súmula n.º 331 – e nos empregados e empregadores a necessidade de adequação do texto normativo às necessidades atuais, em muito diferentes daquelas existentes à época da compilação.

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3.2.1 Raízes políticas e ideológicas da Consolidação das Leis do Trabalho

A Consolidação das Leis do Trabalho fora promulgada pelo Decreto-Lei n.º 5.452, de 1º de maio de 1943. Sua elaboração doutrinária fora fortemente inspirada pela literatura trabalhista italiana, que à época encontrava-se sob o jugo do fascismo, o qual era rigorosamente totalitário no campo da produção e do trabalho.

A Carta del Lavoro, editada em 21 de abril de 1927 pelo Gran Consiglio del

Fascismo, expunha, em trinta declarações, os princípios fundamentais que regiam as

legislações fascistas. Camile Balbinot49 afirma, com base em De Felice, que a publicação da Carta realizou os objetivos políticos de Mussolini e deu uma aura de sociabilidade ao novo regime. A este respeito, a autora dispõe que a Carta tratava-se de “um documento solene que exprimia a ética e os princípios sociais do fascismo e resumia toda a sua ideia de organização do trabalho, a qual estaria fundamentada em uma lógica produtivo-corporativa”50.

Complementa este raciocínio Orlando Gomes51, ao dispor que:

Os princípios basilares do ordenamento sindical corporativo do fascismo foram definidos na Carta del Lavoro, de abril de 1927. Para compatibilizar as diretivas

políticas do Estado com o intento capital de eliminar a luta de classes, afirmou-se nesse diploma que o trabalho é um dever social e que, a este título, deve ser protegido pelo Estado (declaração II), que a produção da riqueza é, em conjunto, um fato unitário, que a organização profissional é livre mas que somente o sindicato legalmente reconhecido e submetido ao controle do Estado tem o direito de representar toda a categoria de empregadores ou de trabalhadores para os quais é constituído, com as prerrogativas de estipular contratos coletivos de trabalho obrigatórios para todos os membros da categoria, impor-lhes contribuições e exercer, em relação às pessoas que legalmente representa, funções delegadas de interesse público (declaração III).

Orlando Gomes destaca nesta lição a principal eliminação do Estado corporativo: a eliminação da luta de classes. Arion Sayão Romita52 defende, com base em Guido Bortolotto, que o Estado busca o atingimento deste objetivo por meio do reestabelecimento do equilíbrio entre as classes sociais, colocando-se acima destas, como um moderador, regulador

49 BALBINOT, Camile. CLT - Fundamentos ideológicos-políticos: fascista ou

liberal-democrática? Disponível em: <www.trt4.jus.br/ItemPortlet/download/10565/Camile_Balbinot.pdf>. Acesso em: 24 out. 2016.

50 Id.

51 GOMES, Orlando. Ensaios de Direito Civil e de Direito do Trabalho. Rio de Janeiro: Aide, 1986. p. 192. 52 ROMITA, Arion Sayão. A Matriz Ideológica da CLT. Disponível em: <http://www.andt.org.br/f/A_MATRIZ_IDEOLOGICA_DA_CLT[1].pdf>. Acesso em: 08 nov. 2016.

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e organizador. Nesse contexto, o Estado corporativo toma para si a prerrogativa de dispor sobre todos os assuntos que dizem respeito ao social, desde a regulamentação das relações individuais de trabalho, até a solução dos dissídios do trabalho (sejam individuais ou coletivos).

Segundo as diretrizes defendidas pela Carta del Lavoro, o ordenamento corporativo utiliza-se de dois meios principais para submeter os interesses particulares ao interesse nacional: a organização das forças produtivas e a intervenção do Estado. Arion Sayão Romita53 dispõe a este respeito que:

O primeiro desses meios é representado pelo fenômeno característico da vida social moderna, qual seja o sindicalismo. A política sindical é pressuposto e, mesmo, capítulo inicial da política corporativa. É sobre a organização sindical das categorias produtivas que se apoia o ordenamento corporativo, a fim de propiciar ao Estado a coordenação das atividades dessas mesmas categorias. E os conflitos coletivos de trabalho – que têm por objeto a formação de disciplina unitária das relações de trabalho – encontram solução na atividade de Magistratura del Lavoro: esta se inclui no quadro da organização corporativa, porque não passa de instrumento com o qual o Estado intervém na solução dos dissídios coletivos de trabalho, segundo a declaração V da Carta del Lavoro.

Em suma, como leciona Cássio Mesquita Barros54, além de conceder direitos a nível individual, o Estado corporativo é também um órgão regulador, fiscalizador e árbitro dos conflitos, sendo essa heterorregulação das relações de trabalho que veio a provocar a rigidez da legislação trabalhista adotada no Brasil.

Essa ideologia exerceu notória influência no Brasil, na época em que Getúlio Vargas outorgou a Constituição autoritária que instaurou o Estado Novo, em 1937. Nesse momento histórico, as ideias autoritárias e corporativistas vigoravam em muitos lugares do mundo: na Alemanha, com o nazismo de Adolf Hitler; na Itália, com o fascismo de Benito Mussolini; na Espanha, com o nacional-sindicalismo de Francisco Franco; em Portugal, com o corporativismo de Oliveira Salazar.

Evaristo de Moraes Filho observa em relação a esse fenômeno que cada época possui uma ideia (ou um ideal) predominante que se sobrepõe às demais. O autor atribui a este

53 ROMITA, Arion Sayão. A Matriz Ideológica da CLT. Disponível em: <http://www.andt.org.br/f/A_MATRIZ_IDEOLOGICA_DA_CLT[1].pdf>. Acesso em: 08 nov. 2016.

54 BARROS, Cássio Mesquita. A influência italiana no Direito do Trabalho brasileiro. Disponível em: <http://www.mesquitabarros.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=57:a-influencia-italiana-no-direito-do-trabalho-brasileiro&catid=7:artigos&Itemid=3&lang=es>. Acesso em: 08 nov. 2916.

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fato o motivo pelo qual “todos os movimentos da cultura humana apresentam, em cada época, os mesmos postulados fundamentais. Como que há no ar uma combinação tácita entre todos, assim como uma espécie de manifesto prévio” 55.

Dispõe Orlando Gomes56 que o pensamento antiliberal predominante na época e a preocupação de dar tratamento autoritário às relações coletivas de trabalho e à ação sindical orientaram a construção da Consolidação das Leis do Trabalho, na esteira da Constituição outorgada de 1937, de essência corporativista. A este respeito, afirma o autor:

Nessa lei orgânica também se proclamou que o trabalho é um dever social e que tem direito, sob qualquer de suas formas, à proteção e solicitude especiais do Estado. A greve foi proibida e qualificada como um delito. A organização sindical, uma caricatura do modelo italiano. Unidade sindical compulsória, a representação legal das categorias contrapostas (art. 516) e prerrogativa de impor contribuições (o imposto sindical) a todos os membros da categoria que representa. Deu-se-lhe o privilégio da legitimação para celebrar contratos coletivos de trabalho. À convenção coletiva não se deu – é verdade – a mesma extensão atribuída na Carta del Lavoro, mas praticamente se viabilizou a generalização de sua eficácia ao se autorizar o Ministério do Trabalho a estendê-la a toda a categoria, se esse ato administrativo fosse de interesse público. A magistratura do trabalho foi também instituída sob a denominação de Justiça do Trabalho, com igual competência e com o poder de determinar novas condições de trabalho nas chamadas sentenças normativas ou coletivas, aproveitando o decreto-lei que a organizara.

Há que se destacar, contudo, que “não é por ter sido adotado pelo ordenamento fascista que determinado instituto será pernicioso ao direito brasileiro. Há normas no ordenamento corporativo perfeitamente ajustadas ou adaptáveis ao regime democrático”57. Neste sentido, o fato de constatar-se que as normas trabalhistas vigentes no país têm origem em regimes políticos autoritários, por si só, não importa em dizer que tais normas sejam inadequadas à garantia dos direitos trabalhistas ou que as mesmas permeiem o arcabouço normativo democrático brasileiro de nuanças autoritárias.

Lado outro, essa análise é de extrema importância para que se perceba que as normas trabalhistas, da mesma forma que todas as demais normas vigentes no país, necessitam de revisão constante, de maneira a garantir que o direito continue acompanhando

55 FILHO, Evaristo de Moraes. Marcel Proust e o realismo dos dois lados. In: Quinze ensaios. São Paulo: LTr, 2004, p. 7.

56 GOMES, Orlando. Ensaios de Direito Civil e de Direito do Trabalho. Rio de Janeiro: Aide, 1986. p. 194. 57 BALBINOT, Camile. CLT - Fundamentos ideológicos-políticos: fascista ou

liberal-democrática? Disponível em: <www.trt4.jus.br/ItemPortlet/download/10565/Camile_Balbinot.pdf>. Acesso em: 24 out. 2016.

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as mudanças sociais e as normas possuam a eficiência pretendida pelo legislador no momento de sua criação – proceder que é, por vezes, esquecido no âmbito do Direito do Trabalho.

Fincadas essas premissas, analisar-se-á de maneira mais aprofundada de que forma o corporativismo materializou-se na legislação trabalhista brasileira e de que forma este pensamento influenciou na elaboração da Consolidação das Leis do Trabalho.

3.2.2 O corporativismo na legislação trabalhista brasileira

No Brasil, à época do fim da República Velha após a Revolução de 1930 (que culminou com um golpe que impediu a posse do presidente eleito Júlio Prestes), a ideia predominante não se diferenciava do contexto europeu e seguia a corrente ideológica que pregava a disseminação do corporativismo 58, fato que não tardou a manifestar-se na esfera jurídica.

Em 19 de março de 1931 foi editado o Decreto n.º 19.77059, que regulava a sindicalização das classes patronais e operárias. Os dispositivos deste Decreto, contudo, promoviam a subjugação do sindicato ao Estado, tornando-o mero instrumento utilizado como

longa manus do poder público. O artigo 2º do referido Decreto determinava que os sindicatos,

para adquirirem personalidade jurídica, necessitavam ser reconhecidos pelo antigo Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, o qual aprovava o estatuto do sindicato e vinculava a vigência das alterações eventualmente a ele realizadas a uma nova aprovação ministerial (artigo 2º, parágrafo 2º).

Não obstante, o artigo 4º desse Decreto determinava que os sindicatos, as federações e as confederações deveriam enviar, anualmente, ao Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio um “relatório dos acontecimentos sociais”, do qual deveriam constar, obrigatoriamente, “as alterações do quadro dos sócios, o estado financeiro da associação,

58 ROMITA, Arion Sayão. A Matriz Ideológica da CLT. Disponível em: <http://www.andt.org.br/f/A_MATRIZ_IDEOLOGICA_DA_CLT[1].pdf>. Acesso em: 08 nov. 2016.

59 BRASIL. Decreto nº 19.770, de 19 de março de 1931. Regula a sindicalisação das classes patronaes e operarias e dá outras providências. Decreto N.º 19.770, de 19 de Março de 1931. Rio de Janeiro, RJ, Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/Antigos/D19770.htm>. Acesso em: 08 nov. 2016.

Referências

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