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O DESASTRE AMBIENTAL DE MARIANA

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Assim, por um lado é possível concluir que as perspectivas do Estado e da empresa Samarco em relação ao desastre ambiental ocorrido no município mineiro de Mariana são as mesmas, conforme acima mencionado. Ou seja, embora devesse o Estado atuar na efetiva fiscalização e na punição da empresa após o evento, demonstrou-se que as relações políticas existentes e o envolvimento do próprio Estado como financiador da atividade impedem que isso aconteça, o que contraria até mesmo os objetivos insculpidos na Constituição da República, de 1988. Por outro lado, a perspectiva do cidadão pode ser subdividida em duas categorias: a daqueles diretamente atingidos pelo desastre e a daqueles que se beneficiam com a atividade industrial, independentemente das consequências.

Apenas a título de exemplo, esclarece-se que às populações diretamente atingidas não foi sequer dado o direito de participar do termo de ajustamento de conduta firmado logo após a tragédia:

Um aspecto central do caráter do acordo foi a ausência de participaçãodas populações atingidas e da consulta prévia, livre e informada aospovos e comunidades tradicionais conforme preconiza a Convenção 169,da Organização Internacional do Trabalho (OIT). A ausência de participaçãoefetiva nas negociações e nas tomadas de decisão dificilmentegarantiria a participação necessária dos atingidos na sua execução. Issoporque só havia a previsão de cinco representantes dos atingidos em umconselho consultivo, sem poder de deliberação ou decisão, formado porum total de dezessete pessoas. Ademais, o Ministério Público e a DefensoriaPública não tiveram acesso à construção do acordo. A falta 12 COLETIVO BRASILEIRO DE PESQUISADORES DA DESIGUALDADE AMBIENTAL. Desigualdade Ambiental e acumulação por espoliação: o que está em jogo na questão ambiental? E-cadernos CES, n. 17,

departicipação desses entes fere os princípios da participação democráticae do devido processo legal coletivo, na medida em que não se buscavaresoluções dos conflitos de modo adequado e participativo a fim de garantira melhor tutela para os direitos coletivos de uma forma geral13.

O que se nota, portanto, é ausência não apenas dos cidadãos diretamente atingidos, mas também a ausência de participação daqueles que seriam os representantes juridicamente qualificados desses cidadãos, como a Defensoria Pública e o Ministério Público. Um país que se pretende democrático, conforme preceitua a Constituição da República, não deveria dar esse tratamento às populações que ou perderam vidas, ou perderam a moradia, ou o sustento, ou simplesmente a própria dignidade. A não participação dos cidadãos diretamente envolvidos no desastre ambiental afronta a moderna concepção de processo, conforme lição de Fabrício Veiga Costa:

A sedimentação teórica do modelo constitucional de processo vem atender a necessidade de reconstrução das proposições científicas, já ultrapassadas, que propugnam por uma noção de processo visto como mero instrumento da jurisdição. A superação da concepção instrumentalista de processo pressupõe a revisitação do modelo proposto, sob a ótica da processualidade democratizante. Constitucionalizar o processo e a jurisdição é uma forma de compreendê-los sob a ótica do Estado Democrático de Direito, cuja finalidade é assegurar a implementação dos Direitos Fundamentais previstos no plano constituinte. A aplicação, a interpretação e a criação do direito democrático somente são possíveis através do processo constitucional, considerado a garantia de exercício da cidadania por meio da participação de todos os destinatários do provimento na construção discursiva do processo.

Nesse contexto teórico, o processo passa a ser visto como um instituto jurídico cuja finalidade é garantir a constituição de um espaço (locus) processual de construção do provimento, ressaltando-se que o mérito processual é o resultado do desenvolvimento procedimental de toda essa discursividade da pretensão que se realiza por meio da ampla e isonômica participação de todos os interessados difusos e coletivos. A definição das questões de mérito deixa de ser uma prerrogativa exclusiva do juiz, da parte autora e da parte demandada, passando-se a ser vista como um Direito Fundamental de participação no processo coletivo,considerado corolário do exercício pleno da cidadania14.

Fere-se, portanto, o princípio da participação democrática quando não se franqueia a participação do cidadão na construção do mérito processual. E na tragédia da Samarco não houve a participação do cidadão em nenhum momento, desde a construção do empreendimento, que muito provavelmente teve o apoio maciço da população sob o argumento do desenvolvimento econômico, nem mesmo após o desabamento da barragem,

13 DORNELAS, Rafaela Silva; LIMA, Laísa Barroso; ZANOTELLI, Ana Gabriela Camatta; AMARAL, João Paulo Pereira do; CASTRO, Júlia Silva de; DIAS, Thaís Henriques. Ações civis públicas e termos de ajustamento de conduta no caso do desastre ambiental da Samarco: Considerações a partir do Observatório de Ações Judiciais. In: Desastre no Vale do Rio Doce: antecedentes, impactos e ações sobre a destruiçã. Rio de

Janeiro: Folio Digital, 2016, p. 352.

quando sequer o Ministério Público e a Defensoria Pública puderam participar do termo de ajustamento de conduta, numa fase pré-processual.

Conclui-se, portanto, que os danos decorrentes da tragédia seguem recaindo predominantemente sobre grupos sociais vulneráveis, enquanto as obrigações de reparação e compensação dos danos causados são geridos pelos réus (Estado e Samarco).

Enquanto as grandes empresas obtêm toda sorte de licenciamentos, às populações atingidas é negado o direito a um ambiente equilibrado, preconizado no caput do art. 225 da Constituição da República. As populações atingidas, além de expropriadas dos recursos ambientais, do trabalho e do modo de vida estabelecidos nos ambientes atingidos, são submetidas a uma série de sanções.

Infelizmente os desastres, sejam naturais ou induzidos pela ação humana, são um aspecto cada vez mais comum da vida nos dias atuais. O que se espera é que o Estado, ao invés de se associar às empresas que degradam o meio ambiente, deveria proteger as populações diretamente atingidas, podendo fazê-lo principalmente através de algumas condutas: fiscalizar e licenciar a mineração com supedâneo em requisitos técnicos; não se associar diretamente e não fomentar a atividade, seja não participando do capital social, seja não emprestando recursos através de bancos públicos, uma vez que o objetivo do Estado não se confunde como o objetivo de empresas desse porte; franquear a efetiva participação das populações diretamente atingidas, principalmente através dos legitimados constitucionais juridicamente preparados para lidar com a situação: Defensoria Pública e Ministério Público.

Espera-se, portanto, que o desastre ambiental perpetrado pela Samarco sirva de aprendizado para que os antecedentes da tragédia e as consequências da fraca atuação preventiva e repressiva dos agentes estatais não voltem a se repetir.

6 REFERÊNCIAS

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Disponível em:

http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=300015 Acesso em: 10 jul. 2019.

COLETIVO BRASILEIRO DE PESQUISADORES DA DESIGUALDADE AMBIENTAL. Desigualdade Ambiental e acumulação por espoliação: o que está em jogo na questão

COSTA, Fabrício Veiga. Liquidez e certeza dos direitos fundamentais no processo

constitucional democrático. Coleção Estudos da Escola Mineira de Processo, vol. 13. Rio de

Janeiro:Lumen Juris, 2016.

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Belo Horizonte: Arraes Editores, 2012.

DORNELAS, Rafaela Silva; LIMA, Laísa Barroso; ZANOTELLI, Ana Gabriela Camatta; AMARAL, João Paulo Pereira do; CASTRO, Júlia Silva de; DIAS, Thaís Henriques. Ações civis públicas e termos de ajustamento de conduta no caso do desastre ambiental da Samarco: Considerações a partir do Observatório de Ações Judiciais. In: Desastre no Vale do Rio Doce: antecedentes, impactos e ações sobre a destruição. Bruno Milanez e Cristiana Losekann

[Orgs.] Rio de Janeiro: Folio Digital: Letra e Imagem, 2016.

G1. Há 3 anos rompimento de barragem de Mariana causou maior desastre ambiental

do país e matou 19 pessoas. Disponível em: http://g1.globo.com/mg/minas-

gerais/noticia/2019/01/25/ha-3-anos-rompimento-de-barragem-de-mariana-causou-maior- desastre-ambiental-do-pais-e-matou-19-pessoas.ghtml Acesso em: 18 jun. 2019.

LASSALE, Ferdinand. A essência da constituição. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2015.

LOPES, Raphaela de Araújo Lima. Caso do desastre socioambiental da Samarco: os desafios para a responsabilização de empresas por violações de direitos humanos. In: Desastre no Vale do Rio Doce: antecedentes, impactos e ações sobre a destruição. Bruno Milanez e

Cristiana Losekann [Orgs.] Rio de Janeiro: Folio Digital: Letra e Imagem, 2016.

OMMATI, José Emílio Medauar. Uma teoria dos direitos fundamentais. 4. ed. Rio de

A DISPUTA PELO SENTIDO NOS TRIBUNAIS: ANÁLISE