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A perspectiva de discutir o caso do Brasil, no amplo conjunto da proposta de descentralização, se projeta na tentativa de compreender a percepção dos percalços políticos e administrativos trilhados pelos governos que se sucederam no poder central, desde a década de 1980 até os anos de 2010. Tal análise contribui significativamente para o entendimento do projeto educacional adotado em nosso país, que, situado no eixo periférico do mundo globalizado, incorre em ajustes e adequações de suas políticas públicas, de suas ações administrativas e governamentais com vistas a galgar supostos espaços no amplo cenário mundializado.

No contexto educacional se observa o movimento em torno da delimitação do arcabouço legal, fixado tanto na CF/1988 como na LDB nº 9.394 (BRASIL, 1996a), quando se insere um forte apelo às práticas descentralizadoras. Nesses diplomas normativos, a partir de uma visão superficial, a descentralização pode ser apontada como uma saída, encontrada para o fracasso das políticas sociais e, dentre elas, as educacionais, vivenciadas em períodos anteriores.

Mesmo que um movimento amplo seja pactuado pelos governos que se articulam no poder em torno da redução da burocracia, da redistribuição de recursos diretamente aos Municípios e às escolas e da eliminação de desvios de verbas públicas, o que se evidencia é que estas ações se firmam sob o manto das políticas de descentralização e de gerencialismo do espaço público, aos moldes do ideário liberal, ou seja, projetado na maximização dos lucros e na minimização dos gastos com o social.

Diante desse contexto, as probabilidades que se anunciam não se traduzem em efetiva autonomia, uma vez que a reorientação estabelecida como nova ordem pode promover, caso não sejam estabelecidos mecanismos para sua efetiva consolidação, apenas uma reconcentração de poder, agora baseado em outros arranjos, como o municipalismo ou chamamento à participação da comunidade, por meio dos órgãos de representação. Em face disso, objetivamente, os processos de descentralização pouco podem contribuir para a redução das desigualdades educacionais.

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INTRODUÇÃO

Parece não suscitar controvérsia a afirmação de que os termos qualidade e avaliação são hoje utilizados de forma recorrente nos mais variados quadrantes sociais, ainda que, por vezes, com sentidos muito díspares.

A palavra qualidade parece estar imbuída, naturalmente, de uma carga positiva, aspeto que apenas é contrariado quando o conceito se adjetiva. Ninguém colocará em causa a necessidade de um sistema de saúde de qualidade, ou de um ensino de qualidade, deduzindo que tais afirmações têm subjacente a ideia de boa qualidade. Sabemos que nem sempre é assim.

Com o termo avaliação a sensação é diferente. Em muitas situações a avaliação é vista como um procedimento potenciador de aprendizagens, necessário e eficaz na melhoria da qualidade educativa, o que não invalida que a palavra, por si só, se associe a controlo, prestação de contas ou punição. No fundo, uma conceção que tem muito a ver com o facto de a avaliação não ser um processo neutro, nem poder dissociar-se das conceções e visões que cada um de nós tem sobre o Homem, a Sociedade e o Mundo.

Estes (pre)conceitos são particularmente significativos no terreno educativo, onde qualidade e avaliação são elementos em permanência, tanto em nível de discursos como de práticas, o que corrobora a sua essencialidade na mudança e melhoria das práticas educativas e, por consequência, do sucesso educativo dos estudantes.

É sobre qualidade e avaliação que versa o presente texto. Depois de refletirmos sobre cada um dos conceitos de forma mais individual, tentamos interligá-los de modo a compreender a sua importância tanto em termos de melhoria da ação educacional como da aprendizagem dos estudantes. Em momento posterior, e depois de deslindar as principais dimensões em torno das quais se estrutura o conceito de avaliação, propomos para reflexão o que entendemos com a expressão avaliação de qualidade.

DO CONCEITO DE QUALIDADE

Atualmente, a palavra qualidade é utilizada nos mais diversos contextos. Fala-se de qualidade dos serviços, de qualidade dos produtos, de

qualidade do ensino, de qualidade de vida, até da qualidade do próprio ar que respiramos…, o que nos permite desde logo reconhecer que estamos perante um conceito polissémico que se utiliza e adequa a situações muito díspares, cujo(s) sentido(s) depende(m), normalmente, de quem o utiliza.

Além disso, a utilização recorrente do conceito de qualidade não pode dissociar-se da evolução acelerada e profunda a que assistimos nos últimos anos, decorrente sobretudo de avanços científicos e tecnológicos significativos, da criação de sofisticados meios de informação e comunicação e da intensificação da produção de bens e serviços, o que contribuiu para que a oferta excedesse a procura e para que a sociedade contemporânea se tornasse rapidamente mais complexa e, ao mesmo tempo, mais exigente (MORGADO, 2014). Daí os sucessivos apelos à procura de qualidade, nos mais variados setores, criando a sensação de que tais apelos funcionam como uma espécie de amuleto capaz de resolver, por si só, os problemas com que a sociedade se depara. Talvez por isso o termo qualidade tenha granjeado enorme centralidade nos últimos anos.

Esta persistência tem sido reconhecida por vários autores. Pese embora o acentuado desgaste semântico a que certos termos estão sujeitos, sobretudo quando associados “a modas pedagógicas introduzidas através de políticas educacionais”, reiteramos a opinião de Pacheco (2014, p. 363), ao afirmar que, para além de se tratar de um termo que tem perdurado nas últimas décadas, se constata que “o seu significado é cada vez mais influente no contexto transnacional”, talvez por estar associado à ideia de regulação. Uma posição corroborada por Leite e Fernandes (2014, p. 424) para os países europeus que se integram no Processo de Bolonha, incluindo Portugal, em que os respetivos Ministros da Educação reconheceram a necessidade de desenvolver “critérios e metodologias de garantia da qualidade”, mesmo que tais critérios e/ou metodologias pudessem ser internacionalmente definidos e estar associados quer aos resultados escolares dos alunos, “quer às exigências do mercado”.

Em sentido dissonante, existe um número considerável de autores que perfilham outra perspetiva de análise. Referimo-nos aos que, em vez de se situarem numa lógica mais utilitarista, relevam a importância da

um “forte componente ético-social marcado pelo direito do cidadão a ter direitos” (MOROSINI, 2006, p. 469), isto é, uma noção de qualidade que “está para além da simples padronização de indicadores” (MOROSINI, 2014, p. 393) e que, por isso, não pode dissociar-se do conceito de equidade.

Pese embora a divergência de opiniões, e à semelhança do que acontece com o conceito excelência (READINGS, 2003), o conceito de qualidade é, em essência, desprovido de conteúdo e ideologia, o que permite que seja utilizado de formas tão distintas. Quem discorda da necessidade de um sistema de saúde, de justiça ou de educação de qualidade? Isto é, fala- se de qualidade, mas, por norma, são se debate o que é a qualidade. É essa falta de debate, associada ao facto de se tratar de um conceito sem referentes externos e sem conteúdo interno, que faz da qualidade uma arma retórica preponderante com muitas probabilidades de gerar consensos. Assim se compreende que Gatti (2014, p. 376) defenda que “o sentido de qualidade precisa ser tornado transparente, ou por uma conceituação externa clara, ou pela sua construção por um coletivo em consenso”. Só assim se saberá o que se entende, verdadeiramente, por qualidade.

Em suma, sendo o conceito de qualidade um elemento “socialmente construído e em constante reformulação” (CANDAU, 2013, p. 10), a polissemia que o caracteriza compele-nos a clarificar a que nos referimos quando o utilizamos. Caso contrário, estaremos a utilizar um conceito difuso que, devido à sua maleabilidade, consentirá múltiplas interpretações.

DO CONCEITO DE AVALIAÇÃO

De forma análoga ao que acontece com o conceito de qualidade, também o conceito de avaliação tem sido referido de forma frequente em diversos setores, tornando-se um lugar-comum tanto a nível teórico como prático, o que tem contribuído para gerar a sensação de que a ausência de avaliação condenará, por si só, qualquer instituição ao insucesso e ao fracasso. Daí a avaliação ser reconhecida por muitos como a solução para os problemas de ineficácia que afetam muitos serviços e instituições e como um meio para melhorar o seu funcionamento, fazendo crer que mais avaliação é sinal de maior, e melhor, qualidade. Não se trata de um fenómeno genuíno, como têm

demonstrado vários estudos realizados em torno desta problemática e que permitem afirmar que a ansiedade associada a este processo se manifesta de diversas formas, quer pelos avaliadores, quer pelos avaliados, quer, ainda, pelos próprios gestores do sistema de avaliação, contribuindo, com alguma frequência, “para fragilizar a eficiência do processo e do funcionamento organizacional” (CAETANO, 2008, p. 7).

Assim se compreende que num período em que, em múltiplos contextos, se processam tanto a consolidação como o aprofundamento democrático, o questionamento das funções e desempenhos das organizações e dos trabalhadores públicos, associado à prestação de contas, se tenha tornado inevitável, sendo hoje uma prática comum em muitos países (PAIS, 2002). Assim se justifica, também, muito do atual fulgor avaliativo, presente nos discursos que repetidamente lembram a necessidade de desenvolver uma cultura de (auto)avaliação. Uma aspiração positiva, se o desenvolvimento dessa cultura produzir subsídios que permitam tornar as pessoas mais conscientes das suas potencialidades e dos seus défices, estimular o desenvolvimento profissional e pessoal dos avaliados, (re)contextualizar os processos de trabalho e melhorar os serviços ou produtos que oferecem.

No entanto, à semelhança do que acontece com o conceito de qualidade, a profusão de significados associados ao conceito de avaliação permite utilizá-la com fins e intenções diversos, nem sempre condizentes com o que se propala ao nível dos discursos. Esta situação é visível em múltiplos setores sociais, em particular nos do estado, onde tem vindo a implementar-se o “paradigma da performatividade generalizada, anunciado como traço fundamental da nossa condição pós-moderna” (ALVES; MACHADO, 2008, p. 9), e a ser enaltecido o papel da avaliação, sobretudo se concebida e realizada em torno de dois referentes principais:

a) a descentralização, decorrente de uma efetiva delegação de po- deres e do aumento da autonomia das instituições, a que se asso- ciam tanto a responsabilização como a prestação de contas; b) a definição de metas e objetivos, com a consequente previsão de

Só que, quando concebida e implementada com fins performativos, a avaliação gera efeitos perniciosos que bloqueiam “a re-interrogação das práticas humanas” e aniquilam a “construção coletiva de sentido(s)” (ALVES; MACHADO, 2008, p. 10), relegando para segundo plano princípios que deveriam nortear qualquer procedimento avaliativo.

Estas nuances têm produzido um impacto assinalável na educação, onde a avaliação continua a ser reconhecida como um elemento essencial na conceção e consecução do próprio fenómeno educativo. Pese embora se trate de uma temática complexa e sensível, por vezes controversa, a avaliação granjeou um “enorme protagonismo no léxico educativo, sendo atualmente assumida como ponto de partida e de chegada dos processos de ensino-aprendizagem e de uma série de dimensões que com eles se relacionam” (MORGADO, 2009, p. 3590). De facto, desde a avaliação das aprendizagens, passando pela avaliação do desempenho dos vários agentes educativos, pela avaliação dos programas que se desenvolvem nas escolas e pela avaliação dos materiais e recursos que aí se utilizam, até a avaliação (interna e externa) da própria instituição, a avaliação é hoje uma prática comum na generalidade das instituições educativas.

Aliás, a sensibilidade e complexidade que caracterizam a avaliação não devem diminuir, em nada, a sua importância no terreno educacional, uma vez que é por meio da avaliação que podemos construir uma visão clara da realidade educativa, conhecer com rigor os seus pontos fortes e os aspetos mais débeis e introduzir mudanças que contribuam para a melhoria da sua qualidade. Não ter esta noção é perder uma oportunidade para fazer da avaliação um meio de aprendizagem, uma forma de aglutinar consensos e um modo de partilhar responsabilidades em prol de uma escola melhor; é dar azo à arbitrariedade e contribuir para perpetuar o sentido de punição que frequentemente se lhe associa; é permitir que o empreendimento educativo se desenvolva à margem de compromissos e atitudes que poderiam contribuir para diluir a fragmentação que o tem caracterizado. Como lembra Santos Guerra (2003, p. 12), ao propiciar “a compreensão necessária para garantir a retificação e a mudança”, a avaliação pode, e deve, constituir uma possibilidade e uma forma de aperfeiçoamento dos profissionais do ensino, das instituições em que trabalham e dos estudantes que as frequentam.

Importa, por isso, refletir sobre a avaliação que se desenvolve nas nossas escolas para compreender:

a) que cultura(s) de avaliação prevalece(m) nas escolas?;

b) nesse contexto, a avaliação tem sido um elemento estruturante da realidade educativa e um catalisador de mudanças e melho- rias ou, pelo contrário, tem apenas funcionado como mero instru- mento de controlo e de prestações de contas?.

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