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Após a análise das principais dimensões que estruturam o ato avaliativo, e tendo em conta o seu carácter interpelativo, importa neste momento levantar as seguintes questões: Afinal, o que pretendemos referir quando utilizamos a expressão avaliação de qualidade? Que aspetos devem ser tidos em conta para que a mesma se concretize nas escolas e, mais especificamente, nas salas de aula?

Em nossa opinião existem, pelo menos, três aspetos que é necessá- rio concretizar para que a avaliação possa ser reconhecida como uma ava- liação de qualidade.

Desde logo, é preciso assumir que a recolha de informação, sem a qual todo o processo se tornaria inviável, se deve realizar como fazendo parte de um ato investigativo. Além disso, a análise dos dados recolhidos deve processar-se em função de princípios, critérios e quadros de referência previamente definidos e consensualizados e que conferem sentido e significado à informação obtida. A título meramente exemplificativo podemos, com Pacheco (2002), referir alguns critérios, tais como clareza (o que torna percetíveis os termos e símbolos utilizados), acessibilidade (todos os intervenientes são esclarecidos acerca dos elementos a ter em conta e respetivos pesos) e homogeneidade (garantindo que os diversos intervenientes interpretam e valorizam de igual modo os dados recolhidos), tendo plena consciência de que, em conjunto, esses critérios se destinam a consignar validade e fiabilidade a todo o processo.

Em segundo lugar, é necessário observar as normas propostas pelo Joint

Committee on Standards for Educational Evaluation2 (1994) para a avaliação:

a) utilidade: a avaliação deve ser útil, o que requer que proporcione as informações que necessita quem avalia;

b) viabilidade: a avaliação deve ser viável, isto é, deve ser exequível tendo em conta os recursos disponíveis;

c) ética: a avaliação deve ser ética, respeitando as pessoas e os seus direitos;

d) precisão: a avaliação deve ser rigorosa, isto é, deve basear-se em dados precisos e confiáveis e disponibilizar informação exata so- bre o que está a ser analisado.

Por último, importa lembrar que a avaliação, sendo “uma ação humana que se realiza entre sujeitos”, carece de significado(s) devendo, como sugere Álvarez Méndez (2002, p. 64), pautar-se por critérios de justiça. Quando a avaliação se funda em “conceções racionalistas que artificialmente separam o sujeito das ações que pratica, costuma confundir- se objetividade com justiça”, acabando aquela por ocupar o lugar desta, talvez porque em termos pessoais e morais isso compromete menos (ÁLVAREZ MÉNDEZ, 2002). Só que, basta que isso aconteça para que todo o processo se desfigure.

Assim, uma avaliação será de qualidade se, como reitera Álvarez Méndez (2002), contribuir para diluir a obsessão pela objetividade em prol de um efetivo exercício da justiça e de uma busca constante de equidade, se for explorada por todos os intervenientes a sua dimensão formativa, o que implica reconhecer a avaliação como parte integrante do currículo, como catalisador de aprendizagens e como nutriente essencial para o desenvolvimento e a formação de cada indivíduo. No fundo, trata- se de fazer da avaliação um elemento essencial na contratualização e

contextualização dos juízos de valor a que a mesma conduz e de a exercer

como prática construtiva a serviço do conhecimento.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em jeito de reflexão final importa referir que, pese embora se reconheça a importância da avaliação na aprendizagem e desenvolvimento de cada indivíduo, uma boa parte das práticas avaliativas continua, ainda, a responder a imperativos de controlo e de prestação de contas, numa dimensão mais técnica e economicista, desvirtuando assim os propósitos

que deveriam nortear esse processo. Se a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico, nos relatórios de avaliação do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA, 2012), reconhece que em Portugal a escola não conseguiu diluir assimetrias sociais nem atenuar as desigualdades que as crianças e os jovens possuem quando chegam à escola, a avaliação tem contribuído para isso (ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT, 2014). Pesem embora a abundância legislativa que procura enquadrar legalmente uma mudança de paradigma e a profusão de discursos idealizadores de uma escola democrática, de cariz inclusivo, capaz de menorizar tais diferenças, a verdade é que, por contingências de vária ordem, não se tem conseguido implementar uma educação de qualidade para todos, nem fazer com que a avaliação se assuma como uma prática de eleição a serviço da aprendizagem.

O que se constata é que os procedimentos que consubstanciam o fenómeno avaliativo continuam, teimosamente, a concretizar-se mais numa lógica vertical do que transversal, o que, sobretudo ao nível das práticas, tem produzido alguns efeitos negativos, fazendo da avaliação mais um meio de seleção meritocrática e um instrumento de prestação de contas do que uma oportunidade para melhorar os processos de ensino- aprendizagem e um modo de ajudar professores e estudantes no seu desenvolvimento e formação. Além disso, em alguns casos, os dados da avaliação educativa têm sido, sistematicamente, utilizados para fins bem distintos daqueles que se anunciam [e que deviam], o que tem contribuído para, em termos sociais, se sobrevalorizarem resultados e determinadas modalidades e instrumentos de avaliação, em detrimento dos processos de ensino-aprendizagem e do desenvolvimento pessoal e social dos vários atores escolares.

Sem menosprezar o trabalho que tem sido desenvolvido por alguns decisores políticos e pela generalidade dos professores neste domínio, importa referir que a alteração de todo este quadro depende em larga medida das políticas de avaliação que forem delineadas nesse sentido e das medidas que, a partir delas, forem implementadas no terreno. Todavia, esta é apenas uma parte da tão almejada mudança no campo

conseguirem utilizar para motivar e envolver os estudantes, fazendo da sala de aula um espaço de partilha de vivências e de encontro de saberes e da avaliação um estímulo para a aprendizagem. Quando isso acontecer, podemos assumir sem constrangimentos que estaremos perante uma

avaliação de qualidade.

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INTRODUÇÃO

Este texto analisa as políticas educacionais no atual contexto, considerando, com Dale (2004), que estamos assistindo ao desenvolvimento de uma agenda globalmente estruturada para a educação, significando que a educação se subordina a interesses e processos econômicos, políticos e culturais globais externos.

Neste particular, trata da formação de professores, como decorrência dos interesses da política definida pelas agências internacionais multilaterais em conformidade com os processos econômicos e políticos globais, os quais, na área da educação, priorizam a educação básica.

Constituindo-se de uma pesquisa teórica e documental, a lógica do trabalho está focalizada nas políticas de formação e tem, como objeto de estudos, documentos oficiais do Ministério da Educação: Parecer CNE/CP 009 (BRASIL, 2001) que trata das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena, documento este que subsidia a Resolução CNE/CP nº 1 (BRASIL, 2002), bem como propostas do Banco Mundial que, por suas inter- relações, têm sido referência para a reforma educacional brasileira.

Apresenta a questão econômica e social sobressaída na lógica dos ajustes estruturais comandados pelas agências internacionais multilaterais, cuja política é determinante para as novas estratégias do Banco Mundial até 2020, tendo sua continuidade e ampliação no desenvolvimento multissetorial e no investimento em capital humano como fórmulas essenciais para aumentar a produtividade da mão de obra, para o que é, também, imprescindível elevar os padrões de aprendizado dos alunos da educação básica, especialmente dos mais pobres.

Deslocando a centralidade da economia para a cultura, defende o papel central da educação para o desenvolvimento econômico, como também seu papel fundamental no aperfeiçoamento das instituições políticas, caminho fundamental para a constituição de uma boa governança (LEHER, 1998).

Nesta ótica, as reformas educacionais se coadunam ao processo de reforma do Estado brasileiro no contexto de globalização, o qual tem

como finalidade ajustar-se ao mercado mundial e às várias agências internacionais que têm comandado o processo, entre elas a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e o Banco Mundial (BM). São integrantes desta lista as agências latino-americanas: Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (CEPAL) e a Oficina Regional de Educação para a América Latina e Caribe (OREALC) vinculada à UNESCO, salientando-se que o Banco Mundial detém a hegemonia sobre as demais agências, e influencia na política macroeconômica, efetivando empréstimos financeiros aos países via Fundo Monetário Internacional (FMI).

Pode-se afirmar, portanto, que, em âmbito brasileiro, a reforma do Estado foi resultado da difusão das políticas de ajuste do Banco Mundial e dos Planos de Estabilização do FMI. Os empréstimos para os ajustes estruturais e setoriais autorizados pelo Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD)1, a partir dos anos 1980, se constituíram em

regras e condicionalidades para efetivação de projetos educacionais, particularmente para a educação básica.

Nessa direção, Tommasi (1996) identifica que o interesse do banco pela educação básica se dá por esta ser considerada um instrumento que propicia o crescimento econômico e a redução da pobreza, capaz de concretizar as reformas estruturais para expansão do capital. Os fatores explicativos para este interesse seriam de que a educação é o carro-chefe para o desenvolvimento e a modernização, explicando que a sua ausência seria responsável pelo subdesenvolvimento. Para este propósito se formam professores.

Coraggio (1996, p. 100, grifo nosso) acrescenta:

O Banco sabe que, devido ao princípio geral de que os recursos são escassos, todo país deve realocar recursos públicos da educação

superior e técnica para a educação básica e utilizar sua capacidade

limitada de subsídio exclusivamente àqueles alunos que, estando capacitados para aprender, não podem pagar por sua educação. O Banco sabe que isto satisfaz, também, o objetivo de reduzir a pobreza, 1 O Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), criado em 1944, é uma

porque os pobres mal podem frequentar o ensino de primeiro grau, e nele se concentrarão os recursos, e porque o Banco sabe que o principal recurso dos pobres é sua capacidade de trabalho que aumenta com a educação.

Assim, ao estabelecer prioridades e estratégias de racionalização de custos e do sistema de ensino e, ao subjugar os estudos, diagnósticos e projetos educacionais do Banco Mundial, os países se submetem à lógica do campo econômico.

Considerando os aspectos descritos, este texto se divide em duas partes: a primeira trata do Banco Mundial e a educação básica; a segunda, do foco principal do texto, políticas de formação de professores.

O BANCO MUNDIAL E A IMPORTÂNCIA DA EDUCAÇÃO BÁSICA

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