• Nenhum resultado encontrado

Capítulo 2 – O Salão Arte Pará: processos de legitimação na agenda cultu ral paraense a partir da imprensa (marketing de difusão)

2.1 O SALÃO ARTE PARÁ: HISTÓRIA

2.1.1 Considerações iniciais: Década de 1980: Belém/Brasil

A primeira edição do Salão Arte Pará ocorreu no início da década de 1980, com o desafio de manter-se no cenário artístico/cultural paraense ou fazer parte da história dos eventos de arte paraense que não conseguiram seguir o ritmo das mudanças sociais ocorri- das na região, como o caso do Salão de Belas Artes de 1938, em Belém, como vimos ante- riormente, não perdurou por muito tempo.

Na dita década de 1980, a região Norte, sobretudo a cidade de Belém, assim como o restante do país, passava por questões transformadoras no que tange a política, economia e as artes. Maria Mokarzel (2014, p. 23), ao elencar sobre que tipo de contexto o fotógrafo Miguel Chikaoka encontrara ao chegar a Belém nesse período, aponta-nos para uma cidade entre paralelos:

Paralelo a cena política, encontrava-se um processo cultural que emergia a partir de uma rede de acontecimentos e procedimentos que se entrelaçavam e forneciam dife- rentes segmentos para a arte e para a fotografia, entre outras manifestações culturais.

Realmente o cenário político da região encontrava-se em pauta, mas não somente is- so, o contexto cultural e artístico teve seu papel na agenda dos anos 1980. Para a autora, existia um forte desejo de liberdade, de distanciamento de um modernismo tardio, mesmo que na década anterior já se percebia uma aproximação com o discurso das artes na con- temporaneidade. É nesses anos que se percebe que “os valores e princípios artísticos ficaram mais próximos do que acontecia no mundo” (MOKARZEL, 2014, p. 30). Por conseguinte, segundo a autora, isto colocava Belém no patamar dos eventos e produções artísticas das outras partes do país e do mundo.

Por outro ponto de vista, nessa década, Belém tinha características particulares no que concerne ao cenário das artes no restante do país. A capital amazônica vivenciava um momento, de certa forma, dicotômico. Segundo Mokarzel (2014), na época entendiam-se as artes plásticas e a fotográfica como campos distintos entre o tempo e que, desta forma, não se intercruzavam. Em certa perspectiva, formavam campos diferentes, quando ponderamos os rumos que cada categoria tomou. Enquanto as artes plásticas buscava manter-se nas suas propostas culturais sem uma coletividade aparente, a fotografia, por outro lado, buscou na coletividade seu fortalecimento (MOKARZEL, 2014, p. 30).

Entretanto, apesar de rumos diferentes da fotografia tomados pelas as artes plásticas, a década de 1980 foi um momento chave para ela se firmar, pois aparecem algumas iniciativas

em coletivo importantes como, por exemplo, A Casa dos Artistas, formada por um grupo de jovens artistas no final dos anos 1970 e início dos anos 80 que, por conseguinte, abre espaço para a criação da Cooperativa dos Artistas Plásticos Paraenses (COART). Nela participam importes artistas como Geraldo Teixeira, o qual, na década posterior, se tornará presidente da Associação dos Artistas Plásticos do Pará (APPA) (MOKARZEL, 2014).

Entretanto, não somente esta instituição participa dos movimentos artísticos em Be- lém, temos também a Galeria Um que, segundo Mokarzel (2014, p. 30-31), seus primeiros proprietários foram Osmar Pinheiro Junior e José Augusto Toscanos Simões, importantes personagens no campo das artes da região. A Galeria foi criada com o propósito de se tornar uma referência para a produção artística paraense. Também, temos as galerias Debret e a Elf. Esta última, pertencia ao galerista Gileno Müller Chaves, o qual foi um dos primei- ros agentes culturais que buscava promover artistas no cenário nacional, investindo em jo- vens artistas que ainda não haviam obtivo reconhecimento. Müller não foi importante somente por isso, mas por tentar promover uma aproximação entre artistas renomados vin- dos de fora, e a cidade de Belém. A primeira exposição, composta de gravuras, contou com a presença de artistas importantes como Volpi e Maria Bonomi, dentre outros. Portanto, es- se contexto, para Mokarzel (2014, p. 31) demonstrava tentativas coletivas por uma soli- dez nas artes plásticas na região, porém, de certa maneira, foram frágeis e, como tal, não conseguiram se perpetuar.

Nas questões do contexto nacional, todas essas transformações acontecendo na regi- ão Norte seguem impulsionadas pelo contexto efervescente do restante do país. O Salão Arte Pará surge, de certo modo, em um contexto bastante conturbado, em meio a trans- formações em vários aspectos, inclusive no campo das artes.

No cenário político-social, tanto a área rural como a urbano foram pautadas pela gre- ve de trabalhadores, prisões e intervenções em sindicatos (RODRIGUES, 1992, p. 14). Te- mos também uma década marcada pela reforma partidária que possibilitou mais definições aos partidos no que se refere aos interesses de classes. Surgem nesse momento o PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro), o PTB (Partido Trabalhista Brasileiro), o PT (Partido dos Trabalhadores), dentre outros. Bem como, a retomada das eleições diretas para governador que foi aprovada pelo Congresso (RODRIGUES, 1992, p. 16). Foi nos anos 1980 que eclodiram movimentos em prol das eleições diretas para a presidência da repúbli- ca, a conhecida campanha “Diretas-Já”, iniciada em 1983, que, de acordo com Marly Ro- drigues (1992, p. 18), contava com a participação de partidos da oposição, associações estu- dantis, profissionais e sindicatos. Assim, ocorreram nas principais capitais comícios que atra-

íram multidões, somente na capital São Paulo compareceu mais de 1,7 milhão de pessoas. O cenário econômico também teve momentos marcantes. Segundo Rodrigues (1992), o Brasil assinou com o FMI (Fundo Monetário Internacional) uma “carta de in- tenções”, na qual se comprometia a cumprir algumas medidas, dentre elas, a redução de crédito, do déficit público, dos subsídios, desvalorização da moeda e redução de aumento de salários. Desse modo, segundo a autora, “o governo controlava as negociações salariais e, através de leis, estabelecia índices de critérios que acabaram por diminuir o valor real dos salários e distribuir as perdas entre diversas faixas salariais.” (RODRIGUES, 1992, p. 42). Estas medidas também, de acordo com a autora, ao invés de melhorar, agravaram a situação social e econômica do país, abrindo campo para a tensão entre trabalhadores e o governo.

Todavia, o cenário das artes foi marcado por uma efervescência. Segundo Ligia Ca- nongia (2005), o período já carregava transformações impulsionadas pela década anterior, quando se encontrava em vigor o movimento minimalista, bem como a Land Art, a Arte Processo e a Arte Conceitual. As manifestações de udigrudi, que se alastram por várias ar- tes, bem como o Tropicalismo, sem dúvida, tiveram papel marcante nas produções artísticas da década de 70. A irreverência, o experimentalismo e a liberdade possibilitaram uma esté- tica híbrida e ambígua nas artes, em que o irracionalismo e o romantismo estavam compro- missados com a racionalidade moderna. Em contrapartida, a experiência com a fotografia, por exemplo, que apesar de ter sido bastante utilizada no ramo da documentação, gerava in- teresse em muitos artistas, tais como: Oiticica, Miguel Rio Branco, Antônio Dias, Arthur Barrio, dentre outros.

Diante do contexto de instabilidade nas instâncias políticas e econômicas, o campo da arte contemporânea brasileira em 1980, segundo Canongia (2010, p. 7), contrapõe-se aos cânones da década de 1970, pois reacende a questão do pós-modernismo. Dentre outros as- pectos, em especial, a pintura reaparece como uma via em benefício de outros gêneros e mídias, tanto quanto presente em décadas anteriores como na Pop Art. Amparada pela pro- dução artística italiana, alemã e América do Norte, das quais artistas renomados surgiram, a pintura destaca-se no plano contemporâneo. Segundo Canongia (2010, p. 7), “revisitando a história de forma hibrida, desde o expressionismo alemão à action painting, do maneiris- mo ao barroco”. Isto marcou a primeira metade da década, na qual a história da arte parecia ser objeto de apropriação para a criação autônoma de uma livre expressão onde te- mas históricos e imagens populares foram bastante presentes.

Nesse contexto, Ligia Canongia cita como exemplo desta tendência a exposição “Aperto 80”, que aconteceu paralelamente à Bienal de Veneza. A exposição lançou grandes

nomes no cenário internacional que mostraram uma arte totalmente oposta aos métodos experimentais reducionistas da arte conceitual e do minimalismo presente na década de 1970. Desde modo, “os anos 80 trouxeram de volta a questão da subjetividade, do gesto e da emoção pictórica, revigorando ao mesmo tempo o drama e a teatralidade de ver- ve romântica, recalcada desde a pop art” (CANONGIA, 2010, p. 8). Apesar de existirem outras formas de expressões, sem dúvida, a pintura teve sua marca principal no que ocorreu no campo da arte neste período.

Os anos 1980, sem dúvida, mostraram que, mesmo com as mudanças tecnológicas, tendência na época, bem como com uma década posterior tão conceitual nas artes, a absten- ção de tudo isso era capaz de produzir, a partir das suas imagens históricas e pautadas numa pintura eclética longe de uma academia, uma arte excitante que aproximava o passado e o presente em um único objeto artístico:

Os nos 80 foram o momento em que a imagem tomara o lugar do conceito, e a pin- tura animava-se por uma coloração excitante, em grandes formatos, com figuras e temas grandiloquentes. Os artistas viam o passado e o presente dispostos à sua frente como um gigantesco campo de experiências a ser reciclado, mas sem compromisso com a ideia de progressão em arte, sem assumir paternidades, hierarquias ou princí- pios de uma determinada escola. (CANONGIA, 2010, p.14)

Estas experiências referem-se a uma arte pós-moderna que abandonou a cultura do novo, da diferença e do choque, tão presente nas obras vanguardistas. Segundo Ligia Ca- nongia (2010, p. 16), esse ecletismo presente nas produções artísticas coloca em questão a mímesis e a representação, já que ao invés de copiar o real, os artistas debruçam-se sobre seus próprios referenciais históricos da arte. Por outro lado, quando ponderamos a persona- lidade destes artistas, suas produções e o momento histórico em que se encontravam - aten- tado a bomba em 1981, abertura política, “Diretas Já” em 1983 - vemos que para eles, o momento tinha um significado mais estendido do que a própria produção artística em si: “percebia-se claramente a conexão entre estética desconstruída e espontânea da arte nacio- nal naqueles primórdios dos anos 80 e a nova ambiência política que aflorava” (CANON- GIA, 2010, p. 26). Assim, diferentemente das contestações na Pop art brasileira, os artista não objetivaram questões ideológicas, tampouco como na década de 1970 em que os artis- tas se empenhavam em discursos sobre política. Para a autora, o que interessava eram questões da história da arte e o artista mais do que o homem e sociedade.

Nesse contexto, o Salão Arte Pará dá início as suas primeiras edições e, junto com ele, o desafio de permanecer, assim como os demais eventos elencados e muitos outros. Vários não conseguiram dar continuidade, tanto nos anos 80 como nos posteriores, podemos citar o Salão Paraense de Arte Contemporânea (SPAC), idealizado em 1990 pela

Associação dos Artistas Plásticos do Pará. O evento teve apenas três edições e, apesar de sua repercussão no cenário artístico, não conseguiu dar continuidade. Todavia, outros even- tos conseguiram permanecer, como é caso dos salões Primeiros Passos e Pequenos Forma- tos. O primeiro surge em 1992, sob a coordenação do galerista Gileno Müller Chaves (cria- da desde 1993) e promovido pelo Centro Cultural Brasil e Estados Unidos (CCBEU), e o segundo organizado pela Galeria de Arte Graça Landeira, em 1995, pela instituição de ensino superior Universidade da Amazônia (UNAMA) (MOKAZEL, 2014, p. 32-33).

Esses eventos sobreviveram aos desafios de poder se perpetuar dentro do cenário das artes em Belém não apenas pela sua credibilidade e importância para o meio artístico, como os outros eventos também possuíam, mas, a nosso ver, pelo vínculo com instituições que lhes possibilitaram sustentabilidade e continuidade. Tanto o Salão Primeiros Passos como o Pequenos Formatos eram vinculados a instituições importantes capazes de dar su- porte às suas necessidades. Nessa perspectiva, o Salão Arte Pará não se difere deles, porque, como veremos, ele é vinculado as Organizações Romulo Maiorana (ORM) e, junto com ela, o apoio midiático e logístico que ela dispõe: a imprensa e as parcerias com instituições públicas e privadas.