• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 1 DA EPISTEMOLOGIA DO CONHECIMENTO À TEORIA

1.1 CONSIDERAÇÕES SOBRE A EPISTEMOLOGIA DO CONHECIMENTO

sujeito pelo objeto, porque existem inúmeros objetos, entretanto nem todos são selecionados por nossa mente para comporem nosso arquivo pessoal. É possível perceber que os sujeitos realizam processo de interação com os objetos, contudo não existe coincidência dos objetos selecionados.

Daí demanda que quando dois ou mais sujeitos entram em contato e entre eles for possível estabelecer a “linguagem”, acontece um fenômeno denominado de troca de conhecimento, que é a interação entre os sujeitos enriquecendo e ampliando as fronteiras do intelecto. E, ainda, se for possível a gravação por símbolos (signo) codificando o objeto que perturbou nossa percepção, nos remetemos a outro fenômeno que é a linguagem aliada à escrita, gerando a herança do conhecimento às futuras gerações.

O ato de conhecer também está ligado ao uso eficaz dos sentidos, quanto mais aguçados, mais rápido e com maior amplitude se dará o “conhecimento”. Logo, é possível definir conhecimento como sendo técnica, ao mesmo tempo em que se define objeto (ABBAGNANO, 1982, p.160). Tudo demanda que ao “ensaiar” um objeto estamos conhecendo-o, o que pressupõe a presença de sujeito e objeto na perspectiva de uma atenção compreensiva, [...] ao conhecer, cria-se uma representação do conhecido - que já não é mais o objeto, mas uma construção do sujeito (FRANÇA, 1994, p. 140).

Se o ensaiar sobre um objeto for além, de modo a relacionar a esse objeto algum fenômeno21 e, também, conseguir formular uma resposta para avaliar um evento, aliando uma qualidade22 à avaliação por meio de uma medida23, atinge-se o estado mais nobre na escala do conhecimento, denominado “Ciência”. Que ao ser relacionada com o objeto analisado, assume a condição de: Ciência da Natureza; Ciência da Relação entre Humanos ou Ciência da sociedade. Surge assim a primeira possibilidade de generalização e também de restrição que assim enuncia-se: toda a Ciência é conhecimento, mas nem todo o conhecimento é Ciência. Desta forma coloca em regime de igualdade o “objeto conhecido” e o “sujeito cognoscente” como condição do conhecimento, propiciando o equilíbrio e, conhecer passa a ser entendido como uma operação de identificação que assume ter formas, conforme a operação efetuada mediante: a) a criação que o sujeito faz do objeto; b) a consciência; c) a linguagem (ABBAGNANO, 1982, p.162-163).

Atualmente as áreas que envolvem o desenvolvimento do conhecimento e novas tecnologias da informação nos oferecem alguns conceitos que podem facilitar o entendimento acerca do que é o conhecimento. Segundo Carvalho (2012, p.12 - 13) para se atingir o conhecimento existem alguns conceitos que necessitam ser entendidos: o primeiro conceito é o “dado” enquanto registro de um evento em sua forma mais simples. O segundo conceito é da “informação” que se atinge a partir de um conjunto de dados com significado para um sistema. Só então, quando tratamos a informação e verificamos a mudança de comportamento do sistema, significa que diante da nova estrutura evoluí-se para o conhecimento. O que nos remete a conceber o conhecimento enquanto:

21 Fenômeno é um evento que a partir de uma causa se observa um efeito (A AUTORA, 2018). 22 Qualidade quando podemos aliar uma medida ao objeto (A AUTORA, 2018).

23

[...] resultado de um processamento complexo e subjetivo da informação, pois quando a informação é absorvida por um sujeito, ela interage com processos mentais lógicos e não lógicos, experiências anteriores, insights, valores, crenças, compromissos e vários outros elementos que fazem parte da mente do sujeito, pois consciente ou não ele usa seu conteúdo psíquico para trabalhar a informação e como base nisso tomar uma decisão de acordo com o contexto no qual ele está envolvido (CARVALHO, 2012, p.12).

Entende-se o conhecimento como subjetivo, quando o conhecimento concentra-se no ser, no caso do cientista, de acordo como este vê o objeto e os fenômenos a ele associados. Podemos afirmar que a gênese dessa concepção da ciência, inicia-se na Grécia antiga, passando toda idade média sem alterar substancialmente essa visão.

A partir do século XVII com a obra de Francis Bacon “O Novum Organum” (1620) e na sequência com a obra de René Descartes “O Discurso do Método”(1637), surge a indicação de uma forma diferente de fazer ciência, com caráter nitidamente prescritivo, concentrando toda a atenção no objeto a ser analisado. Acreditava-se que a somatória das partes revelaria o todo, e forneceria todas as respostas necessárias, imprimindo um pretenso caráter de neutralidade à prática científica. Surge assim a visão objetiva da ciência, mais tarde sendo revelada como positivismo24, em que a razão e a experimentação constituem os pilares dessa metodologia. Essa visão científica perdura até o início do século XX, quando ganha um novo alento com o impulso da Física Moderna25 e com a articulação de grupos empenhados em repensar a Ciência, a Filosofia e a Sociedade. Destes o grupo mais conhecido foi o Círculo de Viena em 1922, conhecido como “movimento neopositivista”, porém é de duração efêmera, não chegando há completar duas décadas tem o seu fim no congresso de Cambridge em 1938 (LACOSTE, 1992, p.40).

Também é em Viena que surge uma tese intitulada “A lógica da descoberta científica“, proposta por Karl Popper (1934). Nessa a consistência da teoria está no ato de se expor à refutação, e ao lograr êxito nesse empreendimento, esta teoria torna-se mais sólida sendo que o critério de refutação está intimamente ligado à possibilidade de distinguir ciência de não ciência.

24 O método da ciência é puramente descritivo, no sentido de que descreve os fatos e mostra aquelas

relações constantes entre os fatos que são expressos pelas leis e consentem a previsão dos mesmos fatos (Comte); ou no sentido que mostra a gênese evolutiva dos fatos mais complexos a partir dos mais simples (Spencer) (ABBAGNANO, 1982, p.746).

25

Em 1900, Max Planck (1858 – 1947) estudou fenômenos relacionados à radiação térmica, apresentando ao mundo a mecânica quântica. Na mesma década Albert Einsten (1879-1955) apresenta em 1905 a Teoria da Relatividade. Desde então, a física que trata desses fenômenos ficou conhecida como “Física moderna” (A AUTORA, 2018).

Algum tempo depois, nesta mesma ótica, surge Thomas Kuhn, com a engenhosa e transformadora obra “A Estrutura das Revoluções Científicas” (1962), propondo novas categorias para a análise da aventura científica como: paradigma, e as diferentes maneiras de defini-lo; a incomensurabilidade entre duas teorias concorrentes; ciência normal e ciência revolucionária; o esgotamento de uma teoria com o surgimento das anomalias e os pressupostos ou teorias “ad hoc” (KUHN, 1992).

Kuhn e Popper não pactuam com o parecer que elege o progresso da ciência como acumulativo, cerrando fileiras na defesa do progresso revolucionário pelo qual uma teoria mais antiga é rejeitada e substituída por outra nova, incompatível com a anterior, entretanto divergem quando tratam de ciência normal. Kuhn afirma que neste instante a preocupação dos adeptos do paradigma vigente concentra-se em reafirmá-lo, ao mencionar os mesmos princípios básicos disponíveis, diferenciando-os apenas em matizes didáticas trabalhando para ampliar seu alcance, constituindo um grupo esotérico26 (ASSIS, 1993, p.137). Popper, no entanto defende que a ciência progride, ao proceder-se a refutação sistemática, não importando em qual estágio a ciência se encontre, normal ou revolucionário se o “[...] resultado de um teste mostra que a teoria é errada, então é eliminada; o método de tentativa e erro é, essencialmente, um método de eliminação”. Dessa forma podemos “[...] assegurar a sobrevivência da teoria mais apta [...]” (POPPER, 1974, VII e 313 apud ASSIS, 1993, p.149).

O ponto central da teoria de Popper reside no fato que jamais poderemos provar por meio de qualquer experiência científica que uma teoria é verdadeira (POPPER, 1972, p.51 apud KNELLER, 1980, p. 60). Em Kuhn, essa rigorosidade é amenizada ao atribuir cientificidade as ciências naturais apenas por sustentação prática, mas não racional. No entanto: “O fato de Kuhn notar muitos pontos de contato entre ciências naturais e ciências sociais não significa que elas não sejam diferentes de fato” (ASSIS, 1993, p.148).

Outro fator diferenciador é o fato de que nas ciências naturais, excetuando-se em períodos revolucionários, existe a convivência com um único paradigma, que via de regra norteia a pesquisa normal, produzindo significativos avanços e respondendo inúmeros quebra cabeças, inclusive gerando tecnologia. O mesmo não se verifica nas

26

Os artigos de pesquisa publicados em revistas tendem a se tornar mais especializados e, no dizer de Kuhn, esotéricos. Uma vez que o trabalho inicial de convencimento está feito, o cientista já não se preocupa em ser acessível para um público maior que o estritamente ligado a sua área de interesse (ASSIS, 1993, p.137).

ciências humanas ou sociais, pois nessas a convivência acontece com vários paradigmas simultâneos, balizando as respostas às questões levantadas. Não se determina um paradigma dominante, não são descartadas por completo teorias concorrentes, o que inviabiliza o mesmo tratamento dado as ciências naturais, dificultando critérios de validação.

Apesar das diferenças, as aproximações entre estas duas concepções do desenvolvimento científico seriam utilizadas tanto para reafirmar o caráter científico, quanto para descartar um campo do conhecimento enquanto ciência. Isso porque nos tempos atuais “ser científico” confere ao conhecimento em pauta, status, prestígio e acima de tudo acesso financeiro a órgãos de fomento. Trazer o status de conhecimento científico para analisar um empreendimento que demande conhecimento, tratamento de dados, classificação e informação, construção de modelos, tem sido uma tarefa cotidiana dos pesquisadores que desejam atenção para sua produção. É possível afirmar que o conceito de conhecimento, em função do desenvolvimento da própria ciência, de novas tecnologias e da psicogênese do conhecimento não reside no sujeito ou no objeto, mas sim nas relações estabelecidas entre eles. Vale ressaltar que apesar das concepções aqui relatadas sempre apresentarem certo grau de divergência, elas definem uma forma de abordagem no trato das teorias do conhecimento científico, denominada de externalista que se contrapõe à visão internalista.

[...] o externalismo deve ser concebido como um modo de se conceber e de escrever a história das ciências condicionando os chamados acontecimentos científicos às suas relações com os interesses sociais, ideológicos, filosóficos e econômicos, vale dizer, com as exigências e as práticas técnicas, com as ideologias religiosas, políticas e culturais. Trata-se, no fundo, de um „marxismo enfraquecido‟ ou empobrecido [...] o internalismo consiste em conceber e escrever a história das ciências a partir de um ponto de vista interior à própria obra científica, e sem extrapolar as fronteira do saber científico, salvaguardadas por protocolos metodológicos de estrita segurança objetiva. O que se deve analisar são as démarches internas da ciência, mediante as quais ela procura satisfazer suas normas específicas, se é que pretende definir-se realmente como ciência, e não como simples técnica ou mera ideologia (JAPIASSÚ, 1981 p. 61)

Japiassú caracteriza a história das ciências inspirado em Bachelard, ao afirmar que “[...] a história das ciências não é uma história empírica, mas a história das ligações racionais do saber, toda a ciência produzindo a cada momento de sua história, suas próprias normas de verdade (1981, p. 66). O autor não consegue manter-se neutro nessa

demanda, e demonstra sua preferência pela concepção externalista ao descrever a evolução do conhecimento científico da seguinte maneira:

[...] o processo de produção do conhecimento consiste na transformação de uma matéria-prima determinada em outro produto intelectual que é um novo conhecimento científico. Essa transformação é efetuada por determinados agentes de produção científica, que se utilizam de determinados instrumentos de trabalho (conceitos, teorias e métodos) em determinadas condições sócio- econômico-culturais de produção (JAPIASSÚ, 1981, p. 66).

Respeitando a forma livre e democrática que esses pensadores da ciência sempre imprimiram no seu fazer científico de uma forma ou de outra, todos tiveram uma proximidade bem apurada da prática científica das „ciências duras‟, algo que difere dos defensores do externalismo, pois a formação27 destes é muito próxima das ciências humanas e sociais como Marx, Engels, Habermas e outros. Nada mais evidente que estendam a partir de sua prática científica, a predileção pelo campo científico que mais esteve próximo de sua formação.

Diante o exposto e tendo em Pierre Bourdieu (1930-2002) o principal referencial nas reflexões desenvolvidas neste trabalho, teceremos algumas considerações deste com relação ao conhecimento, campo de conhecimento, ciência e sua construção e a outras categorias que envolvem nossa análise.