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CAPÍTULO 1 DA EPISTEMOLOGIA DO CONHECIMENTO À TEORIA

1.2 AS ORIGENS DO PENSAMENTO DE BOURDIEU

1.2.1 O Estruturalismo

A palavra estrutura, segundo o dicionário Houaiss eletrônico, vem do termo structura (latim) do verbo struere cujo significado é ação ou modo de edificar ou de construir, disposição e ordem de elementos essenciais que compõem um corpo concreto ou abstrato. A partir do século XVII o termo é inserido no contexto do homem (corpo e

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Não podemos ignorar a formação acadêmica desses epistemólogos como fator influenciador no seu posicionamento científico em relação a crítica da história da ciência e ao método científico, até parece natural a aproximação da visão externalista ou internalista, influenciados pela formação em determinada área ligados as ciências humanas ou ciências exatas. Gaston Bachelard lecionou física e química e viveu algumas revoluções nessas áreas como a teoria da relatividade e o nascimento da mecânica quântica, também foi filósofo de renome e poeta. Japiassu se formou em Filosofia (1969), e posteriormente foi professor. Kuhn graduou-se em física por Harvard University e, Popper graduou- se em filosofia, mas com uma presença forte junto ao positivismo lógico, e embora tenha alçado trajetória própria, a corrente internalista tem forte presença na sua formação (A AUTORA, 2019).

totalidade) e invade o campo das ciências humanas “[...] a partir do século 19, com Spencer, Morgan e Marx. Trata-se de um fenômeno duradouro que combina de maneira complexa as várias partes de um conjunto numa acepção mais abstrata” (DOSSE, 2007, v.2 p. 24). Gradativamente vai se firmando a conceituação do termo estrutura sob o viés do entendimento de que um todo possui partes inter-relacionadas e estas constituem o real, sendo que nem sempre é visível, aquilo que é mais significativo. Marx contribui no desenvolvimento deste conceito ao propor que os pensamentos novos são a síntese da fusão de pensamentos contraditórios (MARX, 1976, p. 103).

Com a proposta de um sistema ideológico que se perpetua de uma sociedade em outras tantas que se sucede, Marx desenvolve o conceito de estrutura e explica o organismo social “[...] no qual todas as relações existem, simultaneamente, e se sustentam umas às outras” (MARX, 1976, p. 106). Para este autor a fundação deste edifício (infraestruturas) de uma sociedade são as forças econômicas, logo o edifício como um todo (superestruturas) constitui-se, por exemplo, pelas instituições, ideias e costumes, entre outros elementos que compõem a sociedade (MARX, 1976, p.106).

Enquanto para Marx (capitalismo) os grupos sociais são diferenciados pela classe social às quais pertencem, estabelecendo uma relação de conflito para Durkheim a sociedade é constituída pela soma de suas partes, os fatos sociais são exteriores, coercitivos e objetivos, o que faz necessário considerar “[...] os fenômenos sociais em si mesmos, separados dos sujeitos conscientes que os concebem; é preciso estudá-los de fora, como coisas exteriores, pois é nessa qualidade que eles se apresentam a nós” (DURKHEIM apud MENDES, 2008, p. 1).

A partir da década de 30 são notórias as mudanças ocorridas no sentido atribuído ao termo estrutura, utilizado por autores estruturalistas em todas as áreas do conhecimento. É perceptível que o termo assume a conotação de algo detectável, ampliado para um entendimento aplicável a conjuntos (linguísticos, sociais ou culturais) em que a problemática, a permanência das partes, é sempre discutível. A conotação de estrutura passa a ser "[...] essencialmente a sintaxe das transformações que fazem passar de uma a outra variante, e é esta sintaxe que dá conta de seu número limitado, da exploração restrita das possibilidades teóricas” (MAUSS apud LIMA, 1968, p. 32).

Na matemática, por exemplo, estrutura é entendida não como algo dado, mas algo inteligível, por exemplo: “[...] Duas relações tem a mesma „estrutura‟, diremos, quando o mesmo mapa servir para ambas [...] precisamente a mesma coisa a que chamamos

„semelhança‟” (RUSSELL, 1966, p.64). Na linguística, a linguagem é identificada como estrutura subjacente a sistemas cujos elementos são solidários entre si. Saussure argumentou que os sinais linguísticos são formados por duas partes o significante (padrão sonoro da palavra) e o significado (o que a palavra quer dizer), concebendo que os elementos da linguagem se relacionavam no presente sincronicamente ao invés de diacronicamente. À Saussure atribui-se o estudo do signo linguístico, a semiologia, na qual o signo linguístico agrega um conceito (significado) a uma imagem (significante), considerando que a língua é um sistema que reconhece a uma ordem própria (SAUSSURE apud DOSSE, 2007, v.1, p. 87).

Isso faz com que Saussure (1916) seja considerado o linguísta cujas construções teóricas viabilizaram um modelo metodológico capaz de imprimir à linguística um rigor científico, delimitando a língua como objeto de estudo dessa nova ciência, distinguindo esse objeto de estudos dos demais fatos da linguagem. Saussure identifica a linguagem em desuniformidade à língua e a língua em desuniformidade à fala, à escrita e a outros códigos de linguagem existentes (RODRIGUES, 2008, p. 08).

O termo estrutura unifica as ciências humanas e constitui o momento estruturalista do pensamento francês. Sobre isso é pertinente lembrar: Foucault (1966) ao afirmar que o estruturalismo “[...] não é um método novo, ele é a consciência despertada e inquieta do saber moderno”; Derrida (1967) que considerou a abordagem estruturalista como “[...] aventura do olhar” e Barthes (1963) que “[...] enxergava o estruturalismo como a passagem da consciência simbólica para a consciência paradigmática” (DOSSE, 2007, v. 1, p.11-12). Desta forma o estruturalismo caracteriza-se “[...] um movimento de pensamento, uma nova forma de relação com o mundo, muito mais amplo do que um simples método específico para um determinado campo de pesquisa” (DOSSE, 2007, v.1, p.12).

O estruturalismo é assim entendido como uma forma de pensar, um método de análise praticado nas Ciências das humanidades do século XX. Neste sentido é que Lévi – Strauss, em seus estudos antropológicos, retoma alguns aspectos da linguística de Saussure comentando que “[...] a linguagem é um fenômeno social que cedo se fez presente na história da humanidade, preocupando-se inicialmente com a microestrutura, para somente após se estender às estruturas mais externas da linguagem”. (LÉVI- STRAUSS, 2003, p.72).

No entanto Strauss esclarece que não é qualquer modelo que poderá ser considerado uma estrutura e sim um modelo que satisfaça a quatro condições assim descritas:

Em primeiro lugar, uma estrutura apresenta um caráter de sistema. Consiste em elementos tais que uma modificação qualquer de um deles leva a uma

modificação de todos os outros.

Por segundo, todo o modelo pertence a um grupo de transformações das quais cada uma corresponde a um modelo da mesma família, de sorte que o conjunto dessas transformações constitui um grupo de modelo. Em terceiro, as propriedades acima indicadas permitem prever de que maneira reagirá o modelo, em caso de modificação de um de seus elementos. Finalmente, o modelo deve ser construído de maneira tal que seu funcionamento possa dar conta de todos os fatos observados (LÉVI-STRAUSS, 1980).

A proposta consiste em situar cada fato, cada elemento significante na relação que o define. Nesse sentido compreender um fato é distinguir e situar o relativo em cadeia com outros relativos, e os elementos que compõem o fato têm sentido em sua interdependência, sendo resultado das relações que os próprios elementos geram. E neste sentido para Strauss o estruturalismo resolve o impasse existente do método utilizado na época para resolver problemas que surgiam entre o vivido e o mecanicismo de raciocínio que explicava então a realidade. Para ele, o estruturalismo aproxima, reúne o senso comum ao intelectual. A preocupação do antropólogo Strauss era não confundir estrutura social com relações sociais, para ele as “ [...] relações sociais são a matéria- prima empregada para a construção dos modelos que tornam manifesta a própria estrutura social" (LÉVI-STRAUSS, 1980, p. 7).

Na década de 60, Louis Althusser “[...] apóia-se no estruturalismo e apresenta o marxismo como único capaz de realizar a síntese global do saber e de instalar-se no âmago do paradigma estrutural” (DOSSE, 2007, v. 1, p. 383). Althusser focou seus estudos a partir da observação de que a reprodução da força de trabalho exige reprodução da qualificação desta, e da submissão da ordem estabelecida. “É nas formas e sob as formas da sujeição ideológica que é assegurada a reprodução da qualificação da força de trabalho” (ALTHUSSER, 1980, p. 22-23). Sua principal tese consistiu em afirmar a primazia da luta entre classes e criticar a individualidade como produto da ideologia burguesa. Concorda com a definição marxista de Estado enquanto uma máquina de repressão que assegura à classe dominante, a dominação da classe operária submissa a exploração capitalista (DOSSE, 2007, v1, p.400).

Althusser (1980) percebeu a necessidade de aprimorar o conceito de estrutura, evidenciando a distinção entre poder e aparelho de Estado. Para isso resgatou uma ideia

não explicitada em uma teoria pelos chamados clássicos do marxismo, entre eles Gramsci (1891 – 1937) que já havia percebido o Estado, não reduzido apenas ao aparelho repressivo, mas as instituições da sociedade civil que tornavam o entendimento de dominação do Estado mais complexo, do que era possível perceber. Tais instituições ele denominou de Aparelhos ideológicos de Estado28 (ALTHUSSER, 1980, p.42). Fundamentado em Marx que concebe a estrutura da sociedade constituída por dois níveis articulados: infra-estrutura (base econômica) e superestrutura (jurídico - político e ideologia), Althusser observa que sem as bases (infra-estrutura), não há como a ponta (superestrutura) sustentar-se, logo um depende do outro, embora seja a ponta quem detém o poder sobre o Estado e a ideologia, caracterizando-se como a classe dominante. Althusser evidencia em sua obra preocupação por identificar, entender, conhecer onde e como ocorre a submissão espontânea da sociedade. Ao identificar os aparelhos ideológicos de Estado constrói uma visão rígida de organização social, em que o Estado é absolutamente dominante.

Resumidamente é possível apontar que são três as Ciências que, por meio do estruturalismo, buscam o inconsciente como único lugar da verdade: a linguística geral quando separa a língua como objeto legítimo da linguística e atribui à fala um caráter não científico; a antropologia, que passa a interessar-se mais pelo código de uma mensagem do que pela mensagem em si, focando no jogo dos signos em detrimento do conteúdo e a psicanálise que percebe os efeitos da linguagem no inconsciente. Isso faz com que as ciências sociais vejam “[...] no estruturalismo uma possibilidade de emancipação, de rompimento do cordão umbilical que as atrelava à filosofia, conferindo-lhe a validade de um método científico” (DOSSE, 2007, v.1, p.14). O estruturalista vê em seu objeto de estudo um sistema em transformação seja um grupo social, a mente humana, a matemática, a língua falada, uma arte, uma religião, a sociedade, entre outros.

Pierre Félix Bourdieu (1930-2002) também se encanta com o estruturalismo como é possível perceber dada a presença marcante da noção de estrutura em sua teoria das

28 Lembremos que na teoria marxista, Aparelho de Estado (AE) compreende: governo, administração,

exército, polícia, tribunais, prisões, etc., que constituem aquilo a que chamaremos a partir de agora o Aparelho Repressivo de Estado [...] Designaremos por Aparelhos Ideológicos de Estado (AIE) certo número de realidades que se apresentam ao observador imediato sob a forma de instituições distintas e especializadas [...] as instituições seguintes: igreja, escola, família, jurídico, político, sindical, informação, cultura. (ALTUSSER, 1980, p.43-44).

relações sociais. Mas, seus estudos tomam outras direções e Bourdieu constrói uma árdua e hábil crítica ao estruturalismo, um processo assim relatado por ele:

[...] foi preciso muito tempo para romper realmente com certos pressupostos fundamentais do estruturalismo (que eu julgava simultaneamente em sociologia, pensando o mundo social como espaço de relações objetivas transcendente em relação aos agentes e irredutível às interações entre os indivíduos). Primeiro, foi preciso que eu descobrisse, pelo retorno às áreas de observação familiares, de um lado a sociedade bearnesa29, de onde sou originário, e, de outro, o mundo universitário, os pressupostos objetivistas – como o privilégio do observador em relação ao indígena, fadado à inconsciência – que estão inscritos na abordagem estruturalista. E em seguida foi preciso, acho, sair da etnologia como mundo social, tornando-me sociólogo, para que certos questionamentos impensáveis se tornassem possíveis. (BOURDIEU, 2004a, p. 20).

A partir de então, Bourdieu, desencadeia um leque de críticas ao estruturalismo, mais especificamente, aos pensadores que se submetem à "dominação exercida pela disciplina soberana" ao generalizarem para o conjunto dos produtos simbólicos os procedimentos utilizados pela linguística estrutural (REZENDE, 1999, p.196).