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CONSIDERAÇÕES SOBRE A PERFORMANCE ARTE

1 PERCURSOS POÉTICO-METODOLÓGICOS

1.2 CONSIDERAÇÕES SOBRE A PERFORMANCE ARTE

Entender o modo como a Performance Arte consolidou-se historicamente contribuiu para que eu compreendesse a minha escolha de trazê-la como elemento fundamental dessa pesquisa. Esta manifestação artística surgiu em um período de efervescência social, política e cultural que caracteriza a segunda metade do século XX. Ela possui suas origens vinculadas às Vanguardas europeias do início do século XX, como o Dadaísmo, Futurismo, Surrealismo e a Bauhaus. Com seu caráter transdisciplinar, artistas de diferentes áreas e vertentes integraram estes movimentos, que se desdobraram na Performance. Todo esse fervilhar sociocultural também sofreu os efeitos das duas Grandes Guerras Mundiais. Os EUA foram, aos poucos, tornando-se um centro irradiador de práticas artísticas questionadoras das estéticas vigentes e suas convenções. Além disso, ao longo do século XX, muitas formas artísticas encontraram no corpo o seu espaço-tempo da criação. Entre estas manifestações estão a Body Art, a Live Art e

os Happenings. Estes aspectos de expansão e dinamicidade presentes na Arte Contemporânea são elementos que me atraem, especialmente na Performance Arte.

Naquele contexto, muitos artistas posicionavam-se politicamente em meio a um cenário em que emergiam movimentos sociais questionadores de normas pré-estabelecidas acerca de gênero, classe social, sexualidade, raça, religiosidade, entre outras. Neste período, a classe artística também buscava outras formas de interação entre público, obra e artista. Assim, em meio a estas mudanças e questionamentos, foram sendo desenhadas outras possibilidades e caminhos no campo das Artes para, em sentido expandido, borrar fronteiras entre linguagens artísticas. A diluição de fronteiras, seja entre saberes, seja entre as Artes, seja entre artista e público, levou-me a colocar a Arte da Performance como caminho para seguir com minha poética. Devo isso ademais ao fato de transitar por diferentes áreas artísticas, como escrevi no início do capítulo.

Neste contexto, entre as transformações ocorridas nesse período, destaco o momento em que o corpo do artista começa a emergir como obra nas Artes Plásticas. Aqui, ele passa a fazer parte da criação ou mesmo ser a obra em si, sem se restringir a estar por trás de sua execução. Como bailarina, essa informação despertou minha atenção, uma vez que o corpo sempre me foi entendido como obra e nunca apartado de minhas criações. Assim, é interessante pensar como os olhares e entendimentos sobre corpo se estabeleceram de formas diferentes nas áreas da Dança e das Artes Visuais.

Ainda neste período, entre tantas manifestações ancoradas nas questões do corpo, surge a chamada Action Painting, de Jackson Pollock (Figura 3). Os quadros deste artista eram pintados em consequência dos movimentos de seu corpo que jorrava tinta nas telas. O ato de pintar tornava-se o tema da obra e o artista em ator (GLUSBERG, 1987). Porém, as telas ficavam ecoando a ação do artista. Por outro lado, os Happenings, idealizados por Allan Kaprow e que antecedem a Arte da Performance, constituíam obras. Estas últimas existiam apenas pela ação dos corpos no espaço-tempo da Arte. Terminada a ação daquele evento acontecido, não restavam vestígios da obra: o efêmero era uma de suas características primordiais. Ainda neste conjunto, havia a Body Art, que “assumia o corpo como suporte artístico” (COHEN, 2002, p.15).

Figura 3 – Jackson Pollock durante Action Painting

Fonte: galeria do Terry Long.

Ao aprofundar minha fala sobre Performance Arte, considero pertinente introduzir o pensamento de Schneider, citada por Phellan (1997, p. 61). A autora sugere que a abordagem do surgimento da Performance seja pensada de modo plural, ou seja, para além dos limites das linguagens convencionais. Contudo, é recorrente encontrar autores que tentam situar a Performance ora nas Artes Cênicas, ora nas Artes Visuais. Por exemplo, em virtude das transformações e mudanças de pensamento que afetaram a Arte, Cohen (2002) coloca a Performance como uma evolução dinâmico espacial das Artes Visuais, visto que até então, naquele contexto, esta última ainda era entendida como uma Arte estática. De acordo com este pensamento, poderia se compreender as Artes Visuais como lugar de origem da Performance. Em contrapartida, o autor compara a finalidade da Arte da Performance com a das Artes Cênicas. Cohen, então, segue sua fala ressaltando que tentar definir a Performance a partir das linguagens já existentes não faz sentido, uma vez que a Performance, na sua própria razão de ser, é uma Arte de fronteira que visa escapar às delimitações, ao mesmo tempo que incorpora elementos das várias Artes (COHEN, 2002, p. 139).

De acordo com Diana Taylor (2012), a Arte da Performance, mesmo surgindo a partir de várias práticas artísticas, transcende os limites das mesmas. Deste modo, ela “combina muitos elementos para criar algo inesperado” (TAYLOR, 2012, p. 54). A autora também

apresenta o pensamento de Stambaugh, segundo o qual, a Performance seria como uma “esponja mutante” capaz de absorver ideias e metodologias de várias disciplinas para, então, propor outras formas de conceituar o mundo (TAYLOR, 2012, p. 54). Aproximo-me desse entendimento e senti-me instigada a explorar o potencial criador destas zonas de intersecção dentro do campo artístico e acadêmico. A partir daí, busquei ressaltar o diálogo entre as Artes, característico desta manifestação artística.

Considero pertinente destacar, também, que o nascimento da manifestação artística escolhida para o desenvolvimento deste trabalho coincide justamente com um momento em que as lutas feministas ganhavam espaço. Para mim, é interessante pensar que a Performance – questionadora, irreverente e transgressora – existe aqui como um canal para trazer discussões acerca do feminino. Neste contexto, Taylor (2012) recorda que é

necessário aceitar que muitas vezes a Performance funciona dentro de um sistema de poder de subjugação em que o corpo é mais um produto. Conquistas, ditaduras, patriarcado, tortura, capitalismo, religiões, globalização (etcétera) criam seus próprios corpos (TAYLOR, 2012, p. 92).

Portanto, a imagem do meu corpo, entendido como corpo-Arte em Performance, pode comunicar, expressar e transbordar determinados discursos ou realidades. Não há como desvinculá-lo do sistema que está inserido, também sou mulher, meu corpo também envelhece.

A partir desse entendimento, justifico a escolha de apresentar meu referencial artístico no decorrer do próximo capítulo relacionando-o a discussões feministas. Questionar de que modo determinados comportamentos e pensamentos foram sendo perpetuados ao longo da história e como eles têm afetado alguns grupos, como as mulheres no caso desta pesquisa, é fundamental ao se abordar questões culturais. Beauvoir (1960, p. 19) lembra que “o presente envolve o passado e no passado toda a história foi feita pelos homens”. Por isso também a importância de trazer mulheres – seja na pesquisa de campo, seja nas referências bibliográficas e artísticas – para o desenvolvimento da pesquisa.

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