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O corpo feminino como metáfora do tempo em performance arte

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Academic year: 2021

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(1)UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA CENTRO DE ARTES E LETRAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES VISUAIS. Camila Matzenauer dos Santos. O CORPO FEMININO COMO METÁFORA DO TEMPO EM PERFORMANCE ARTE. Santa Maria, RS 2019.

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(3) Camila Matzenauer dos Santos. O CORPO FEMININO COMO METÁFORA DO TEMPO EM PERFORMANCE ARTE. Dissertação apresentada ao curso de PósGraduação em Artes Visuais, da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM, RS), como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Artes Visuais.. Orientadora: Gisela Reis Biancalana. Santa Maria, RS 2019.

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(5) Camila Matzenauer dos Santos. O CORPO FEMININO COMO METÁFORA DO TEMPO EM PERFORMANCE ARTE. Dissertação apresentada ao curso de PósGraduação em Artes Visuais, da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM, RS), como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Artes Visuais.. Aprovada em 29 de março de 2019:. _____________________________________________________ Gisela Reis Biancalana, Dr.ª (UFSM) (Presidente/orientadora) _____________________________________________________ Lilian Freitas Vilela, Dr.ª (UNESP) – Videoconferência. _____________________________________________________ Helga Correa, Dr.ª (UFSM). Santa Maria, RS 2019.

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(7) DEDICATÓRIA. Dedico essa escrita a cada mulher que dividiu um pouco de sua história comigo. Dedico também a todas que, por alguma razão, não puderam contar as suas..

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(9) AGRADECIMENTOS A escrita dessa dissertação foi sustentada por uma rede de afetos. Não agradecer àqueles que a constituíram seria como apagar uma das partes fundamentais para a construção deste trabalho. Por isso, gostaria de nomear algumas das pessoas que me acompanharam e apoiaram ao longo desse percurso. - Agradeço aos meu pais, Antônio e Christine, ao meu irmão Davi e à minha afilhada Laiza por me nutrirem de amor e me inspirarem, cada um a seu modo. Amo-os infinitamente. - Agradeço ao meu companheiro Ricardo por ser presença e escuta. Por todos os dias em que incentivou meus estudos, por todos os momentos que me lembrou de descansar e por cada vez em que me acolheu perguntando: “será que você não está sentindo falta de dançar?”. Sou grata também por seu olhar sensível ao registrar as Performances. É uma honra poder olhar para minha Arte através da tua. Estendo esse agradecimento também a sua família que me acolheu com tanto afeto. - Agradeço a tia Angela por incentivar minha Arte desde a infância, seu apoio foi e é fundamental para que eu trilhasse o caminho que escolhi. - Agradeço às minhas amigas, irmãs de vida e de luta, por serem escuta, cura, cumplicidade e amor. Nati, Indira, Anna, Carol Ferreira, Carol Kilca, Marcella Rodrigues, Marcella Dalsenter, Dheini, Georgia, Bia, Aninha, Mari Silveira e Lelê: vocês me inspiram a ser alguém melhor. - Agradeço à minha orientadora, profa Gisela Reis Biancalana, por incentivar minha pesquisa, respeitar minhas escolhas e oferecer seu olhar tão atencioso a minha escrita. - Sou grata também às mulheres que abriram espaços para a pesquisa de campo: Giseli Paulon, do Espaço Nave Mãe; Milena Colognese, do Grupo de Mulheres Amor, Movimento e Dança; Daniela Nascimento, da Royale Escola de Dança e Integração Social e Bruna Fani, incansável em sua luta pelo fim da violência obstétrica. Sem vocês a pesquisa não teria tomado o rumo que tomou. - Agradeço à Universidade pública, gratuita e de qualidade e ao Programa de Pósgraduação em Artes Visuais pela oportunidade de desenvolver este trabalho. - Agradeço aos performers de Regulada; à Lívia Cocco pela concepção e execução da maquiagem ao lado da Georgia; ao Jacinto pela iluminação das Performance e aos queridos da Olga Lab pelo trabalho audiovisual impecável. - Por fim, agradeço ao Plié, minha companhia felina durante as longas horas de estudo..

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(11) RESUMO O CORPO FEMININO COMO METÁFORA DO TEMPO EM PERFORMANCE ARTE AUTORA: Camila Matzenauer dos Santos ORIENTADORA: Gisela Reis Biancalana O presente texto dissertativo refere-se à pesquisa desenvolvida no PPGART/CAL da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), em Poéticas Visuais na Arte Contemporânea, inserida na linha de pesquisa Arte e Cultura. O objetivo do estudo consiste na criação de Performances que discutam questões de gênero a partir da poética da passagem do tempo no corpo feminino. A escolha de trabalhar com essa manifestação artística deve-se à Performance Arte ter como uma de suas características a subversão de questões sociais latentes e enrigecidas. Nesse contexto, além do referencial artístico de performers, os teóricos Cohen, Phellan e Taylor embasaram e sedimentaram as ações performativas nos seus aspectos teórico-práticos. O estudo sobre tempo baseou-se especialmente em discussões propostas pelos autores Ricoeur e Candau. No que se refere aos procedimentos metodológicos desta investigação, buscou-se subsídios na pesquisa de campo por um viés autoetnográfico, a fim de aproximar a pesquisadora das experiências de outras mulheres. Neste contexto, o material recolhido contribuiu para a tessitura das Performances artísticas. Neste trabalho, os ciclos do corpo feminino foram o fio condutor da pesquisa, abordando questões referentes a menarca, gravidez, parto, puerpério e o consumo de pílulas anticoncepcionais. A partir do relato de mulheres sobre os momentos supracitados, foram criadas as Performances Regulada, Rubra Fluidez e Mãe, cujos processos criadores são expostos ao longo do texto dissertativo. Na poética desenvolvida, a pergunta central recai sobre como questões culturais afetam esses corpos femininos a partir de um viés feminista, trazendo autoras como Ribeiro, Beauvoir e Davis para a discussão. Sendo assim, a pesquisa, intitulada “O corpo feminino como metáfora do tempo em Performance Arte”, busca colocar mulheres como protagonistas deste contexto sociocultural aflorado pelas histórias de vida sensivelmente compartilhadas em campo. A partilha transbordou, enfim, para o fazer artístico aqui materializado, buscando valorizar as experiências reunidas ao longo dos dois anos do mestrado. Palavras-chave: Arte Contemporânea. Arte e Cultura. Performance. Feminino. Tempo..

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(13) ABSTRACT THE FEMININE BODY AS METAPHOR OF TIME IN PERFORMANCE ART AUTHOR: Camila Matzenauer dos Santos ADVISORA: Gisela Reis Biancalana The present dissertation discusses the research developed in PPGART / CAL of the Federal University of Santa Maria (UFSM), in Visual Poetics in Contemporary Art, inserted in the research line Art and Culture and also in the research group Performances: art and culture, linked to CNPQ. The purpose of the study is to create Performances that discuss gender issues from the poetics of the passage of time in the female body. The choice of working with this artistic manifestation is due to Performance Art as having one of its characteristics the subversion of latent and energetic social issues. In this context, besides the artistic reference of performers, the theorists Cohen, Phellan and Taylor supported and sedimentary the performative actions in their theoretical-practical aspects. To deepen the study on time, the author was based mainly on discussions proposed by the authors Ricoeur and Candau. In addition, the methodological procedures of the research sought subsidies in field research through a self-ethnographic bias, in order to bring the researcher closer to the experiences of other women. In this context, the material collected worked as a stimulus for the creation of artistic Performances. In her work, the artist brought the cycles of the female body as the guiding thread of the research, addressing issues related to menarche, pregnancy, childbirth, puerperium and the consumption of birth control pills. From the reports of women about the above moments, the Diane, Yasmin, Regulada, Rubra Fluidez and Mãe Performances were created and their creative processes are exposed throughout the text. Through her poetics, the author questions how cultural issues affect these feminine bodies from a feminist bias bringing authors like Ribeiro, Beauvoir and Davis to the discussion. Thus, the research entitled "The female body as a metaphor of time in Performance Art," seeks to place women as protagonists through an artistic work that values their experiences. Keywords: Contemporary Art. Art and Culture. Performance. Female. Time..

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(15) LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Trecho do diário de bordo com anotações sobre a organização da escrita da dissertação ................................................................................................................................ 31 Figura 2 – Trecho do diário de bordo ....................................................................................... 31 Figura 3 – Jackson Pollock durante Action Painting ................................................................ 35 Figura 4 – A Menopausal Gentleman, Peggy Shaw (2011) ..................................................... 44 Figura 5 – Ascención, Regina José Galindo (2016).................................................................. 46 Figura 6 – Ascención, Regina José Galindo (2016).................................................................. 46 Figura 7 – Imagem de divulgação da mostra Guerreras, de Eleonora Ghioldi, no Polo Integral de Las Mujeres ............................................................................................................ 48 Figura 8 – Imagem de divulgação da exposição de Guerreras, de Eleonora Ghioldi, no Centro Cultural Rector Ricardo Rojas ...................................................................................... 48 Figura 9 – Performance Rosa Púrpura, Berna Reale (2014) ................................................... 50 Figura 10 – Performance Rosa Púrpura, Berna Reale (2014) ................................................. 50 Figura 11 – Bombril, Priscila Rezende (2013), performance no Memorial ............................. 52 Figura 12 – Gênesis 03:16, Priscila Rezende (2018) ............................................................... 53 Figura 13 – O que você tem a dizer?, Carla Borba (2018) ....................................................... 55 Figura 14 – Como um Jabuti Matou uma Onça e Fez uma Gaita de seus Ossos, Renan Marcondes (2016) ..................................................................................................................... 56 Figura 15 – Performance Diane apresentada durante IX Congresso da ABRACE (2017) ...... 66 Figura 16 – Performance Diane apresentada no II Colóquio de Ética, Estética e Política da UFSM (2016) ....................................................................................................................... 66 Figura 17 – Performance Yasmin apresentada no evento PerformAções Artísticas, UFSM (2017) ....................................................................................................................................... 68 Figura 18 – Trecho do diário de bordo com esboço do figurino de Regulada ......................... 70 Figura 19 – Figurino e maquiagem da Performance Regulada ................................................ 70 Figura 20 – Performance Regulada apresentada na Maratona 40 - CAL - UFSM (ago. 2018) ................................................................................................................................ 72 Figura 21 – Performance Regulada apresentada na Maratona 40 - CAL - UFSM (ago. 2018) ................................................................................................................................ 72 Figura 22 – Performance Regulada apresentada na Maratona 40 - CAL - UFSM (ago. 2018) ................................................................................................................................ 73 Figura 23 – Performance Regulada apresentada na Maratona 40 - CAL - UFSM (ago. 2018) ................................................................................................................................ 73 Figura 24 – Performance Regulada apresentada na Maratona 40 - CAL - UFSM (ago. 2018) ................................................................................................................................ 74 Figura 25 e 26 – Trecho do diário de bordo com ideias e esboços de Rubra Fluidez .............. 82 Figura 27 – Print da postagem do cartaz no grupo .................................................................. 83 Figura 28 – Performance Rubra Fluidez apresentada no Seminário Arte, Gênero e Identidades – Universidade Federal de Santa Maria (13 abr. 2018) ........................................ 85 Figura 29 – Performance Rubra Fluidez apresentada no Seminário Arte, Gênero e Identidades – Universidade Federal de Santa Maria (13 abr. 2018) ........................................ 85.

(16) Figura 30 – Fala performativa sobre Rubra Fluidez apresentada durante a disciplina Arte e Subjetivações de Si, no Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da UFSM (14 jul. 2018) ............................................................................................................................ 87 Figura 31 – Performance Rubra Fluidez apresentada na Royale (ago. 2018) ......................... 88 Figura 32 – Performance Rubra Fluidez apresentada na Royale (ago. 2018) ......................... 88 Figura 33 – Trecho do diário de bordo com anotações registradas durante o I Encontro de Parteiras do Rio Grande do Sul ........................................................................................... 94 Figura 34 – Trecho do diário de bordo com anotações sobre a Performance Mãe ................ 102 Figura 35 – Performance Mãe apresentada no Descubra – UFSM (2018) ............................ 103 Figura 36 – Performance Mãe apresentada no Descubra – UFSM (2018) ............................ 104 Figura 37 – Performance Mãe apresentada no Descubra – UFSM (2018) ............................ 104 Figura 38 – Performance Mãe apresentada no Descubra – UFSM (2018) ............................ 105 Figura 39 – Performance Mãe apresentada no Descubra – UFSM (2018) ............................ 105.

(17) LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ABRACE. Associação Brasileira de Pesquisa e Pós graduação em Artes Cênicas. AMD. Grupo de Mulheres Amor, Movimento e Dança. AVC. Acidente Vascular Cerebral. CAL. Centro de Artes e Letras. CNPq. Conselho Nacional de Desenvolvimento Ciêntifico e Tecnológico. LAPARC. Laboratório de Performance, Arte e Cultura. LGBT. Lésbicas, Gays, Bissexuais e Travestis. ONG. Organização Não Governamental. PL. Projeto de Lei. PPGART. Programa de Pós graduação em Artes Visuais. TCC. Trabalho de Conclusão de Curso. UFSM. Universidade Federal de Santa Maria. UFBA. Universidade Federal da Bahia. UTI. Unidade de Tratamento Intensivo.

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(19) SUMÁRIO. 1 1.1 1.2 2 2.1 2.2 3 3.1 3.2 3.3 4. SOBRE AQUILO QUE ACREDITO E ME MOVE.............................................19 PERCURSOS POÉTICO-METODOLÓGICOS...................................................25 A AUTOETNOGRAFIA NA PRÁTICA ARTÍSTICA ............................................. 27 CONSIDERAÇÕES SOBRE A PERFORMANCE ARTE ....................................... 33 INSTAURADORES DA CRIAÇÃO.......................................................................37 UM OLHAR FEMINISTA ........................................................................................ 37 TEMPO E MEMÓRIA ............................................................................................... 57 FACES POÉTICAS DO FEMININO......................................................................63 REGULADA .............................................................................................................. 63 RUBRA FLUIDEZ ...................................................................................................... 80 MÃE ........................................................................................................................... 92 CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................109 REFERÊNCIAS......................................................................................................113 ANEXO A – BULA DO ANTICONCEPCIONAL SELENE..............................117 APÊNDICE A – ZINE VENTRAL........................................................................121 APÊNDICE B – RELATOS DA MENARCA.......................................................125 APÊNDICE C – FORMULÁRIO ONLINE PARA COLETA DE DADOS PARA A PERFORMANCE MÃE.........................................................................131 APÊNDICE D – RELATOS SOBRE GRAVIDEZ, PARTO, PUERPÉRIO E ABORTO PRESENTES NA PERFORMANCE MÃE....................................133.

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(21) 19. SOBRE AQUILO QUE ACREDITO E ME MOVE Um trabalho feito por e sobre mulheres. É assim que escolho descrever este estudo em Performance Arte, criado a partir da poética da passagem do tempo no corpo feminino. Uma pesquisa escrita, entre março de 2017 e março de 2019, em meio a um contexto político caótico, no qual direitos assegurados para mulheres, negras e negros, trabalhadoras e trabalhadores encontraram-se em perigo. É doloroso, para mim, artista e pesquisadora que desenvolvo um trabalho assumidamente feminista, sentir que preciso justificar o tempo todo a importância da minha existência e daquilo que eu faço. Mais doloroso ainda é saber que, ainda assim, estou em uma situação privilegiada em relação a muitas outras pessoas que também são violentadas por esses discursos de ódio. Diante de barbáries, censuras, cortes na educação, e outras tantas formas de violência, criar um trabalho feminista me soou como uma urgência. Aqui, seguir com a pesquisa em Artes1 mostrou-se como uma forma de resistência nesse cenário hostil. É preciso mover as pequenezas, ver força na delicadeza, ser escuta, enxergar a potência das micropolíticas que proponho em minha investigação. O que as subjetividades de sentir o passar do tempo na carne podem mostrar sobre nossa cultura? Não sou alheia a esse texto e coloco-me inteira aqui. Há um trecho em meu diário de bordo em que escrevo que “se minha escrita me anula, meu corpo adoece. Se meu corpo adoece, não danço. Se eu não danço, minha escrita adoece”. Passado o primeiro ano do mestrado, percebi o quanto o meu texto de qualificação se mostrava impessoal. Uma escrita inicial, ainda confusa e receosa, fruto da minha preocupação excessiva em mostrar embasamento teórico, de mostrar-me produtiva sem levar em consideração o quanto o trabalho ainda tinha de passar para amadurecer. Uma escrita que se tornou distante por, naquele momento, eu estar distante do corpo. Ainda não havia conciliado a criação artística com questões teóricas e naquele momento essas coisas ainda me pareciam separadas mesmo sabendo que não são. Com o amadurecimento do trabalho, soa estranho pensar que os elementos, hoje indissociáveis, em algum momento, aparentaram ser distintos para mim. Ao acolher as dificuldades e descobertas de diferentes. 1. Cattani diferencia a pesquisa em Arte da pesquisa sobre Arte. Segundo a autora (CATTANI, 2002, p. 38), entende-se a pesquisa em Arte como “aquela relacionada a criação das obras, que compreende todos os elementos do fazer, a técnica, a elaboração de formas, a reflexão, ou seja, todos os componentes de um pensamento visual estruturado”. Já a pesquisa sobre Arte é “aquela que envolve a análise das obras, reunindo a história da Arte, a crítica da Arte, as teorias da Arte e, ainda, conceitos de outras áreas do saber, utilizados como conceitos instrumentais. O pensamento visual tem, também, que estar presente, norteando a reflexão, sob pena da obra tornarse mera ilustração de uma ideia” (CATTANI, 2002, p. 38)..

(22) 20. momentos do processo, vi as questões teóricas ganharem corpo em Performance e a criação artística nutrindo as discussões conceituais. Pensei muito sobre como organizar minha dissertação e não faria sentido, para mim, esconder os percalços, as dúvidas, as desistências e outras tantas voltas que esse trabalho deu. Dizer que minha pesquisa foi um processo de autoconhecimento seria pouco para o que ela representou para mim. Não apenas por ter sido um processo lindo, mas, sobretudo, por ter sido também doloroso. Trabalhar com o corpo, o feminino, o sensível: como não despencar em si durante esse processo? Para além de metodologia, justificativa e objetivos, vi na pesquisa, também, um processo de autoconhecimento como mulher, artista, filha, tia, companheira, pesquisadora, bruxa, discente, docente, e outras tantas que fui, sou e serei. Ao mesmo tempo em que compreendia a pesquisa, compreendi-me cíclica nesse percurso. Vivenciei a intensa experiência de deixar de consumir pílulas anticoncepcionais paralelamente às investigações acadêmicas. Passei dez meses com ausência de menstruação enquanto reunia relatos sobre a menarca. (Re)inventei meu sangue em Performance até recebêlo de novo. Depois de seis anos, menstruar pela primeira vez sem o uso de remédios foi como vivenciar o que hoje chamo de minha “segunda menarca”, posterior a criação de uma de minhas Performances, Rubra Fluidez. Posso dizer que fui retomando a autonomia do meu corpo na mesma medida em que me apropriava de meus estudos na pós-graduação. Finalmente encontrei o equilíbrio entre ler, escrever, ensaiar, ir a campo, recolher-me e mostrar-me. Compreendi aquilo que me cabe fazer agora e aquilo que precisa mais tempo para se desenvolver. Visualizei que a investigação segue para além de dois anos e a enxergo desdobrando-se e ampliando-se em estudos futuros. Assim, desenvolvi uma escrita com o corpo que permitiu com que eu me (re)encontrasse no processo, compreendendo-me como pesquisadora, enfim. Foi muito difícil para eu chegar a esse formato de escrita que compartilho aqui. Ele é apenas uma das tantas possibilidades de apresentar esse processo de pesquisa em Poéticas Visuais que, em um primeiro momento, parece dizer respeito apenas a dois anos de pesquisa, mas que na verdade é continuidade de lutas muito anteriores a mim. Um percurso que talvez tenha iniciado no dia em que minha mãe me gestava e soube que teria uma menina quando lhe presentearam com dois sapatinhos de tricô cor-de-rosa. Aqui, tento mostrar o quão profunda, bonita e dolorosa foi essa experiência enquanto lido com o desafio de construir uma poética que caiba nos moldes e exigências da pósgraduação. Saio uma mulher completamente diferente daquela que iniciou a pesquisa, pois carrego um pouco de cada uma das que estiveram comigo neste mergulho. Entre desistências,.

(23) 21. inseguranças, euforias e uma paixão quase infantil de quem acredita que pode mudar o mundo, apresento este estudo em Arte Contemporânea intitulado O Corpo Feminino como Metáfora do Tempo em Performance Arte. Como o próprio nome diz, uma pesquisa ancorada na produção poética em Arte da Performance, vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais (PPGART) da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Nesse trabalho, os encaminhamentos investigativos seguem as diretrizes oriundas da linha de pesquisa Arte e Cultura, as quais propõem o estudo das relações entre ambas sob perspectivas teóricas, históricas, sociais e, sobretudo, poéticas. Repito: esta é uma pesquisa feita por e sobre mulheres, em que estudo o universo feminino vislumbrado sob perspectivas socioculturais. Entre elas e, de modo geral, enfatizo questões referentes às lutas feministas, abordando poeticamente aspectos políticos e biológicos que afetam a mulher. Em todas elas, a poética evoca a passagem do tempo no corpo feminino na criação de Performances artísticas. Sendo assim, trata-se de uma proposta que reconhece, ainda, a pertinência das pesquisas de gênero, bem como das interferências do tempo na vida humana. Para tal, ancorei-me, especialmente, em autoras como Beauvoir, Ribeiro e Davis para pensar questões a respeito do feminino e em Candau e Ricoeur para estudar o tempo. Os principais procedimentos metodológicos adotados no desenvolvimento desta pesquisa em Performance Arte buscaram subsídios na pesquisa de campo. É por meio deste procedimento que pude me aproximar de diferentes contextos culturais nos quais mulheres diversas estão inseridas. Deste modo, meu trabalho desenvolveu-se a partir de uma abordagem autoetnográfica, uma vez que ele se estabelece no trânsito constante entre a minha experiência e a de outras mulheres. Laplantine, Bondia e Coelho são alguns dos autores que trouxe para essa abordagem. Os elementos simbólicos reunidos a partir das trocas, entre mim e as mulheres com as quais estive em contato durante a pesquisa, foram experimentados artisticamente. A partir deles, o processo de criação das Performances desenvolveu-se em laboratórios de ensaio, por meio de improvisações que se basearam nos relatos recolhidos em campo e nas minhas impressões sobre eles. Alicerçado ao referencial teórico que sustenta a pesquisa, a passagem do tempo no corpo feminino foi abordada a partir da minha visão sobre o convívio estabelecido durante as pesquisas de campo. Assim, essa exploração perpassa por um viés autoetnográfico, o qual reverberou em possibilidades criadoras para as Performances. Neste contexto, visualizei a Performance Arte como um caminho para trabalhar artisticamente as questões propostas, sendo também um meio de dar voz a essas mulheres. Para.

(24) 22. aprofundar meus estudos sobre essa manifestação artística, baseiei-me em Taylor, Phellan e Cohen. Meu intuito com esse processo jamais foi o de impor um modo de pensar com minhas criações. Busquei, por meio delas, estabelecer relações advindas da vivência em campo, das materialidades que compõe os contextos estudados, entre outras, para elaborar poéticas do corpo com os elementos que constituem a Performance como um todo. Este processo visou materializar um discurso do corpo que busca poeticamente tocar, instigar, fazer refletir e incentivar o debate acerca das temáticas propostas. Assim, por meio desta expressão artística, os ciclos do corpo feminino conduziram esta investigação. A partir dos elementos citados até aqui, a dissertação apresenta uma proposta estrutural para abordar a criação de Performances que exploram a passagem do tempo no corpo feminino. Desse modo, organizei minha escrita em três capítulos conforme descrevo na sequência. Ao longo do primeiro capítulo, compartilho meu percurso metodológico ao expor as motivações de trazer a autoetnografia e a pesquisa de campo como caminhos para a criação artística. Além disso, minha escrita vislumbra minha escolha em trazer a Performance Arte, apresentando alguns aspectos conceituais e históricos dessa manifestação artística. Busco, deste modo, trazer um entendimento dessa poética investigativa do/no/pelo corpo. Ao apresentar este panorama, evidencio o caráter transgressor da Performance na Arte Contemporânea relacionando-o às transformações socioculturais que se refletem no campo artístico e viceversa. Ao ressaltar que essa é uma pesquisa inserida na linha de Arte e Cultura do PPGART, ao longo do segundo capítulo, debrucei-me sobre questões culturais a partir de um referencial feminista. Nesse contexto, além de teóricas e teóricos, apresento meu referencial artístico, formado quase totalmente por performers mulheres. Ainda nesse capítulo, discuto a abordagem adotada para investigar o tempo, baseando-me especialmente em questões que tocam à memória e a identidade. No terceiro capítulo, exponho o processo de criação, execução e desdobramentos das Performances Diane, Yasmin, Regulada, Rubra Fluidez e Mãe. Nesse momento da escrita, relacionei teóricos e teóricas às minhas escolhas artísticas, evidenciando como elas afetam-se mutuamente. Por fim, encerro a dissertação com uma breve reflexão sobre minha experiência na pós-graduação, trazendo alguns apontamentos futuros. Como coloco no início desse texto, o processo da pesquisa foi muito intenso e envolvente. Acredito que isso se potencializou, sobretudo, com a escolha pelo método autoetnográfico. Fiquei muito sensibilizada ao ver como questões que me tocam afetam outras.

(25) 23. mulheres e como isso é devolvido para mim através da pesquisa de campo. O trabalho foi transformado constantemente a partir do retorno e interferência dessas mulheres, as quais foram absorvidas na criação, estimulando reflexões acerca dos temas abordados. Nesse contexto, a Performance Arte mostrou-se como um espaço fértil a ser explorado, no qual tenho transitado por diferentes modos de criar envolvendo áudio, poesia, dança, entre outros. Assim, ergo uma bandeira feminista, pois entendo que quando me proponho a abordar artisticamente aspectos culturais que afetam as mulheres inseridas em um sistema patriarcal, coloco-as como protagonistas desse processo..

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(27) 25. 1. PERCURSOS POÉTICO-METODOLÓGICOS Sou bailarina com formação em Dança Bacharelado e realizar minha pesquisa em Artes. Visuais permitiu com que eu encontrasse outras perspectivas para o desenvolvimento da mesma. Sempre transitei por diferentes linguagens artísticas: Dança, Teatro, Literatura, Música e, agora, as Artes Visuais. Ao percorrer as fronteiras porosas das Artes, o exercício do mestrado possibilizoi a ampliação de horizontes estéticos e de criação através da Arte da Performance. Foi justamente seu caráter flexível e transdisciplinar que despertou meu interesse. Compreendo as Performances que crio como um modo de dar forma aos questionamentos da pesquisa, desenvolvendo poéticas a partir das quais emergem algumas das questões culturais que proponho. Portanto, a pesquisa teórica e corporal é aprofundada a partir de minhas inquietações, encontrando na Performance Arte um lugar possível para experimentações orientadas a partir do corpo entendido como instaurador da obra. Sendo assim, vale destacar aqui que a proposta deste trabalho consiste na investigação de um corpo técnico/expressivo/comunicativo em laboratório de criação e em cena. Este trabalho em Performance Arte funda-se não apenas nos seus principais teóricos, mas, especialmente em artistas, muitas das quais tocam em questões culturais focadas no feminino. Desse modo, eu, enquanto corpo-Arte, carrego as relações estabelecidas com este universo cultural oriundas das minhas inquietações pessoais articuladas à experiência vivida em pesquisa de campo. Este entrelaçamento entre minhas inquietações pessoais, as referências teóricas e artísticas e a pesquisa de campo vêm se organizando no percurso metodológico que transborda para a performatividade. Para tal, a autoetnografia mostrou-se como um caminho estimulador da criação. Somado a isso, propus trabalhar em Performance com uma perspectiva que busca “a eliminação de um discurso mais racional” (COHEN, 2002, p. 66). Digo isso, pois, artisticamente, são atribuídas camadas sensíveis às questões socioculturais da pesquisa. Por meio dessa abordagem, estes temas foram explorados através de uma perspectiva subjetiva, oferecendo a possibilidade de uma troca entre obra e espectador que não se restringe a uma narrativa enrijecida. Sendo assim, neste capítulo, debruço-me sobre as discussões acerca da autoetnografia como percurso selecionado por mim para impulsionar a criação. Forneço, também, um panorama da Arte da Performance atualizado e contextualizado a partir de alguns aspectos da pesquisa que me instigaram a pensar na poética em estudo..

(28) 26. A poética do feminino é recorrente em minhas criações artísticas, ela instiga-me, atravessa-me, move-me a criar. Em minha graduação em Dança Bacharelado, dediquei meu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) à criação a partir de minha ancestralidade feminina. Ainda antes de ingressar no mestrado, no grupo de pesquisa Performances: Arte e Cultura, desenvolvi uma Performance artística, em que abordei este universo pelo viés da pílula anticoncepcional, a qual irei me deter mais adiante na escrita. Paralelo (ou, consequentemente) ao mestrado, escrevi Ventral2, zine (APÊNDICE A) com poemas meus ilustrados pela artista Anna Denardin. De forma mais ou menos evidente, o feminino também esteve presente em outros trabalhos meus. Todos eles reverberaram nas criações do mestrado de algum modo. Ao visualizar essa questão como algo que possui muita força, decidi trazê-la para o centro de minha pesquisa compreendendo o espaço da pós-graduação como um lugar para me aprofundar neste contexto. A Dança, de modo geral, possui uma procura maior do público feminino. Em minha experiência como professora de Dança, tive poucos alunos homens, mas sempre estive rodeada por meninas e mulheres de diferentes faixas etárias. As meninas, crianças de três a seis anos, eram minhas alunas de balé e vestiam-se de rosa da cabeça aos pés. Durante os cinco anos em que fui professora, apenas um menino fez minhas aulas, por pouco tempo devido à pressão dos pais e outros colegas que colaboraram para que ele desistisse. Por mais que eu buscasse meios para mostrar às crianças o contrário, parecia cada vez mais evidente que aquele era um espaço feminino, com todos os estereótipos que a palavra pode carregar. Entre as mulheres jovens e adultas que me procuravam para fazer minhas oficinas de dança – algumas de Dança com bambolês, outras de consciência corporal e, por fim, as voltadas ao sagrado feminino (estas últimas restritas a mulheres) – algumas falas eram recorrentes. Muitas delas diziam que a procura pela Dança era motivada pela necessidade de dedicar tempo a si mesmas, visto que muitas se sentiam exaustas devido às exigências de uma jornada múltipla. Essas mulheres dividiam seu tempo entre trabalho, afazeres domésticos, casamento e maternidade. Mais do que isso, eu percebi que aquelas pequenas bailarinas estavam começando a ser silenciadas e que essas mulheres, por sua vez, precisavam muito falar. Eu queria muito ouvi-las. Ao olhar para minha trajetória até aqui, passei a compreender que minha pesquisa baseia-se em entrega, em estar disponível, estar disposta a ouvir, a estar atenta a fala de outras mulheres e a prestar atenção àquilo que eu também quero e preciso falar. É por isso que vou a. 2. Ventral é um zine lançado em abril de 2018 no qual publiquei poemas meus que carregam uma poética autobiográfica assumidamente feminista. Zines são publicações independentes não oficiais, geralmente xerocados e feitos em pequena tiragem, podendo ter diferentes formatos como libretos ou panfletos..

(29) 27. campo e por isso permito que minha escrita flua para revelar, poeticamente, um tanto de mim e dessas mulheres. O tempo todo uma relação pulsante entre elas, eu e nós. 1.1. A AUTOETNOGRAFIA NA PRÁTICA ARTÍSTICA Ao levar em consideração as inquietações que compartilhei até aqui, considero potente. refletir como a experiência está inserida neste trabalho. Bondia enfatiza que “o saber da experiência é um saber particular, subjetivo, relativo, contingente, pessoal” (BONDIA, 2002, p. 28). Assim, a partir deste viés, penso em como a pesquisa de campo reverberou em mim ao reconhecer o quanto ela foi subjetiva e refletiu as minhas impressões e sensações. Ao compreender-me como sujeito disponível e aberto da experiência (BONDIA, 2002), busquei estar atenta aos detalhes daquilo que vai além das palavras ditas. Não me interessou trabalhar com dados quantitativos, uma vez que a seleção dos dados deu-se através da experiência, daquilo que, de algum modo, tocou a mim: os gestos, olhares, as expressões corporais, o tom de voz, as memórias e histórias dessas mulheres. Interessa, aqui, não somente aquilo que correspondeu às minhas inquietações e questionamentos, mas também o que elas tiveram a mais para me oferecer. Ao trazer suas vivências para meu processo criador, não quero falar por estas mulheres, mas sim com elas. Nossas vivências misturaram-se e, em momento algum, separeime de minhas intenções: não há como ser neutra ou imparcial na criação artística e acadêmica. De forma dinâmica, a investigação foi se transformando e desenhando diferentes caminhos através de minhas vivências: as mulheres do meu convívio, os espaços de mulheres físicos ou virtuais, o sagrado feminino, o feminismo, notícias, vídeos, postagens nas redes sociais com assuntos relacionados à minha pesquisa que foram enviadas a mim (sempre por mulheres). Assim, valorizei todos estes materiais, como diferentes fontes de conhecimento enriquecedoras, cada uma a sua maneira, para o desenvolvimento deste estudo. Sou uma mulher, meu corpo também envelhece. O mesmo corpo que escreve agora é o corpo que vai a campo e é o corpo que cria e vai a cena. Não há como desvincular-me da experiência. Não há como separar a mulher que sou da artista e da pesquisadora. Reconhecer esse meu lugar de fala foi fundamental para compreender minha relação com a pesquisa e desenvolvê-la com mais propriedade respeitando as subjetividades características da pesquisa em Artes. Dessa maneira, alicerçado aos estudos culturais e feministas, busquei construir um espaço para que estas mulheres fossem ouvidas através da pesquisa de campo, da criação das Performances e da escrita acadêmica..

(30) 28. Foi reconhecendo o quanto eu me coloco na pesquisa e o quanto a pesquisa reverbera em mim, que passei a me aproximar de uma metodologia autoetnográfica. Para conceituar o método autoetnográfico, considero interessante escrever uma breve introdução acerca do conceito de etnografia. A etnografia tem origem nas Ciências Sociais e resulta de um método de pesquisa que valoriza a dimensão sociocultural dos acontecimentos estudados. Enfim, ela é a produção escrita descritiva sobre esta dimensão vivenciada pelo pesquisador antropólogo e expressa, em seus pontos de vista. Assim, segundo o antropólogo francês Laplantine (1996), esse procedimento metodológico parte de uma abordagem antropológica de base, a qual, segundo o autor, “provém de uma ruptura inicial em relação a qualquer modo de conhecimento abstrato e especulativo, isto é, que não estaria baseado na observação direta dos comportamentos sociais a partir de uma relação humana” (LAPLANTINE, 1996, p. 149). Nesse contexto, é interessante pensar que um dos propósitos fundamentais da Antropologia é compreender a transição do individual ao coletivo (CANDAU, 2016, p. 28). Os procedimentos autoetnográficos são próprios das investigações antropológicas, sobretudo no que diz respeito à pesquisa de campo. Digo isso, pois este modo de pesquisar “não consiste apenas em coletar, através de um método estritamente indutivo uma grande quantidade de informações, mas em impregnar-se dos temas obsessionais de uma sociedade, de seus ideais, de suas angústias” (LAPLANTINE, 1996, p. 149). Antes de tudo, foi por meio da pesquisa de campo que me aproximei de mulheres em diferentes faixas etárias e contextos sociais. A partir desta compreensão inicial sobre o conceito etnográfico, Versiani (2005) escreve acerca do neologismo da palavra autoetnografia. O termo teria sido proposto para caracterizar uma forma diferente de etnografia, em que, segundo o autor, o prefixo auto serviria para impedir a tendência à supressão das diferenças intragrupos, enfatizando as singularidades de cada sujeito – autor, enquanto o termo etno localizaria, parcial e pontualmente, estes mesmos sujeitos em um determinado grupo cultural. Assim poderíamos pensar em autoetnografias como espaços comunicativos e discursivos através dos quais ocorre o ‘encontro de subjetividades’, a interação de subjetividades em diálogo (VERSIANI, 2005, p. 87).. Logo, a observação e a descrição seguem presentes, contudo, o pesquisador passa a compreender-se também como parte do seu foco de estudos. Devido ao fato de valorizar a experiência do pesquisador sem que se desvinculem suas impressões e intenções da pesquisa, compreende-se que elementos autobiográficos se fazem presentes no método autoetnográfico. Contudo, é importante que haja uma diferenciação entre autobiografia e autoetnografia. Enquanto a primeira se detém a descrever acontecimentos daquele que escreve, a segunda o faz.

(31) 29. inserindo um viés etnográfico. Deste modo, entendo que eu parto de elementos autobiográficos, como escrevi anteriormente, contudo não me detenho a eles. Portanto, defino meu percurso metodológico como autoetnográfico, visto que relaciono o pessoal à cultura para o estudo e compreensão da mesma. Ao trazer estas definições acima, transporto-me para a Arte, a fim de discutir sua aplicação. Em consonância com este pensamento, Fortin (2009, p. 83), artista-pesquisadora, entende que “a história pessoal deve se tornar o trampolim para uma compreensão maior” na pesquisa em Arte. Ou seja, é preciso que haja um cuidado para que a pesquisa em Arte não se reduza apenas a experiência do pesquisador, tornando-se um discurso egocêntrico e esvaziado, que poderia vir a empobrecê-la. Pelo contrário, compreendo que a experiência deve ser uma forma de potencializar a pesquisa apresentando outras perspectivas sobre um tema. Ao mesmo tempo, lembro que não há como um discurso ser neutro e que aquele que pesquisa o faz, também, a partir de suas percepções. Assim, é possível encontrar vários elementos comuns e pertinentes para a pesquisa em Artes na autoetnografia. Entre eles, posso destacar a constante observação sobre si e o meio, a valorização do processo, a presença das subjetividades e do sensível na escrita, entre outros. Além disso, ancorada no pensamento de que as obras de Arte devem estar presentificadas na pesquisa ao invés de serem usadas apenas como ilustração de teorias (CATTANI, 2002, p. 47), visualizei a autoetnografia como um modo de potencializar esta presença na minha investigação. Para mim, esta escolha mostrou-se como um meio de valorizar a experiência na criação da obra. Ao pensar na escrita da dissertação, também acredito que esse método foi um modo de aproximar quem a lê do processo, compreendendo Arte e artista como protagonistas. Ao mesmo tempo, enquanto artista, ampliei minha consciência do trabalho que desenvolvi pela constante análise de mim mesma e da obra. A pesquisa em Arte, segundo Rey (2002, p. 137), “requer o difícil exercício da razão e da sensibilidade" de modo agudo. Além disso, a fala de Almeida (2010) recorda que o processo criativo é também produto das bagagens experienciais e sensíveis de cada pessoa e desponta na medida em que dedicamos nosso tempo na pesquisa, seja ela teórica ou prática. É, portanto, uma busca contínua, subjetiva que exige determinação e disposição (ALMEIDA, 2010, p. 126).. Peled (2012) entende que, na perspectiva das Poéticas Visuais, o ponto de partida da pesquisa em criação deve ser a prática artística do estudante, pois dela derivam os questionamentos que a conduzirão. A partir do entendimento de que a Arte Contemporânea.

(32) 30. propõe mais perguntas do que respostas, o autor visualiza a pesquisa em Poéticas Visuais como um espaço para experimentações. Essas experimentações potencializam o processo inserido no contexto artístico e ao mesmo tempo acadêmico. Se a Arte Contemporânea pressupõe mais dúvidas do que respostas, neste sentido, a pesquisa em Poéticas Visuais tem o espaço para propor metodologias diferenciadas nas quais (RIBEIRO apud PELED, 2002, p. 117) “é preciso estabelecer princípios de formação que não obstruam margens à experimentação”. Para Lancri, por sua vez, no contexto acadêmico, O ponto de partida da pesquisa situa-se, contudo, obrigatoriamente na prática plástica ou artística do estudante, com o questionamento que ela contém e as problemáticas que ela suscita. [...] A parte da prática plástica ou artística, sempre pessoal, deve ter a mesma importância da parte escrita da tese à qual ela não é simplesmente justaposta, mas rigorosamente articulada [...] (LANCRI, 2002, p. 18-19).. Assim, creio que a pesquisa em Poéticas Visuais não deva prender-se a uma rigidez científica, que pressuponha metodologias duras de aplicação. Prática e teoria retroalimentamse, uma vez que a pesquisa artística não está apartada da escrita e é tão importante quanto a mesma. As questões teóricas ganham corpo na prática, ao mesmo tempo em que as questões que emergem da prática são conceituadas e contextualizadas teoricamente. Acredito que minha escrita evidencie isso quando mostro como minha criação artística foi atravessada pelas autoras e autores apresentados aqui como referências. As leituras e discussões em sala de aula e fora dela fizeram-me repensar minhas práticas artísticas. Do mesmo modo, minha prática artística fez com que eu tivesse uma aproximação e apropriação maior dessas leituras. Portanto, teoria e prática potencializam-se simultaneamente. Reconheço a necessidade de estar em constante auto-observação e escuta como artistapesquisadora. Considero que refletir acerca de minha criação foi um modo de aprofundá-la e expandir suas possibilidades. Mais importante do que buscar respostas é saber como elaborar as perguntas. Assim, compreendo o meu trabalho enquanto pesquisadora como um fazer cotidiano que não se limitou ao tempo em sala de aula, em campo ou dedicado a leitura e escrita. Foi assim que adotei o diário de bordo (Figuras 1 e 2) como meio de registro da minha pesquisa. Ele mostrou-se para mim como uma forma de organização em meio a minha construção metodológica. Justamente por isso, escolhi trazer alguns trechos ao longo da dissertação como uma forma de expor sua importância durante o processo de criação das Performances, mostrando o amadurecimento de pensamentos e ideias registrados em suas páginas..

(33) 31. Figura 1 – Trecho do diário de bordo com anotações sobre a organização da escrita da dissertação. Fonte: Autora.. Figura 2 – Trecho do diário de bordo. Fonte: Autora..

(34) 32. O diário de bordo acompanhou-me em diferentes situações do meu dia-a-dia. Ele foi um espaço em que desenhei, rabisquei, criei rascunhos, esbocei Performances, enfim, deixei fluir minha escrita de modo livre. Foi nele que registrei ideias, insights, dúvidas, frases que ouvia, referências, imagens que me chamaram a atenção, aquilo que me tocou e que, de algum modo, dizia respeito à pesquisa. Assim, o diário permitiu com que eu visualizasse com mais clareza a pesquisa em suas diferentes temporalidades. Deste modo, considero também o diário de bordo como uma maneira de valorizar minha experiência, a qual, retomando os pensamentos de Bondia (2002), requer um gesto de interrupção, um gesto que é quase impossível nos tempos que correm: requer parar para pensar, parar para olhar, parar para escutar, pensar mais devagar, olhar mais devagar, e escutar mais devagar; parar para sentir, sentir mais devagar, demorar-se nos detalhes, suspender a opinião, suspender o juízo, suspender a vontade, suspender o automatismo da ação, cultivar a atenção e a delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos, falar sobre o que nos acontece, aprender a lentidão, escutar aos outros, cultivar a arte do encontro, calar muito, ter paciência e dar-se tempo e espaço (BONDIA, 2002, p. 24).. O autor ainda atravessa alguns pensamentos de Benjamin, quando nos faz refletir sobre como a experiência se tornou algo raro para o sujeito moderno (BONDIA, 2002, p. 21). Assim, Bondia apresenta três elementos que explicariam esta ideia: o excesso de informação, a necessidade de expressar opinião e a falta de tempo. Vive-se em meio a uma sociedade informatizada e, segundo o autor, “uma sociedade constituída sob o signo da informação é uma sociedade na qual a experiência é impossível” (BONDIA, 2002, p. 22). De acordo com Candau, filósofo francês, ao longo dos últimos trinta anos produzimos muito mais informações que nos cinco mil anos anteriores; a cada dia mais de mil livros são publicados no mundo; calcula-se que uma edição de fim de semana do The New York Times contenha muito mais informações do que uma pessoa comum, vivendo na Inglaterra no século XVII, pudesse encontrar ao longo de sua existência (BONDIA, 2016, p. 112).. Assim, as pessoas são atingidas por informações o tempo todo, mas não necessariamente são tocadas por elas. Na mesma medida em que as informações chegam, espera-se que se elabore uma opinião sobre todas as coisas – o que geralmente se dá de forma superficial. Tudo isso acontece de modo acelerado, caracterizado pela sua efemeridade: não há tempo para a experiência. Bondia resume este pensamento colocando que.

(35) 33 ao sujeito do estímulo, da vivência pontual, tudo o atravessa, tudo o excita, tudo o agita, tudo o choca, mas nada lhe acontece. Por isso, a velocidade e o que ela provoca, a falta de silêncio e de memória, são também inimigas mortais da experiência (BONDIA, 2002, p. 23).. Tanto em meu processo de criação, quanto na relação estabelecida em campo com essas mulheres, busquei desacelerar o ritmo cotidiano. Procurei, então, propor um outro tempo: o tempo da experiência, da pausa, do respiro. Nesta perspectiva questionei como minha pesquisa poderia driblar este modus operandi da sociedade contemporânea, sobretudo, no que se refere ao tempo, que também é um dos principais eixos da pesquisa. Através de minha criação, busquei fazer com que os questionamentos da pesquisa afetassem e instigassem mais pessoas a partir da relação que estabeleciam com as Performances que realizei. Afinal, acredito que a Performance só passe a existir de fato no seu encontro com o público. Em meio a isso, entendo que a criação artística não se dá como mera consequência de leituras e da pesquisa de campo: ela também direciona o campo, os olhares, os referenciais teóricos. Eles afetam-se mutuamente, sem ser de forma linear ou causal. Sendo assim, a criação artística é um modo de fazer com que estas questões toquem outras pessoas, sem limitar-se ao espaço acadêmico – afinal, a pesquisa ocupa, afeta e é afetada por outros espaços. Nesse contexto, meu trabalho poético encontrou eco na Performance Arte, que se mostrou um campo fértil para desenvolver a criação artística, tanto em função de questões estéticas e conceituais, quanto pelos meus posicionamentos político-culturais. 1.2. CONSIDERAÇÕES SOBRE A PERFORMANCE ARTE Entender o modo como a Performance Arte consolidou-se historicamente contribuiu. para que eu compreendesse a minha escolha de trazê-la como elemento fundamental dessa pesquisa. Esta manifestação artística surgiu em um período de efervescência social, política e cultural que caracteriza a segunda metade do século XX. Ela possui suas origens vinculadas às Vanguardas europeias do início do século XX, como o Dadaísmo, Futurismo, Surrealismo e a Bauhaus. Com seu caráter transdisciplinar, artistas de diferentes áreas e vertentes integraram estes movimentos, que se desdobraram na Performance. Todo esse fervilhar sociocultural também sofreu os efeitos das duas Grandes Guerras Mundiais. Os EUA foram, aos poucos, tornando-se um centro irradiador de práticas artísticas questionadoras das estéticas vigentes e suas convenções. Além disso, ao longo do século XX, muitas formas artísticas encontraram no corpo o seu espaço-tempo da criação. Entre estas manifestações estão a Body Art, a Live Art e.

(36) 34. os Happenings. Estes aspectos de expansão e dinamicidade presentes na Arte Contemporânea são elementos que me atraem, especialmente na Performance Arte. Naquele contexto, muitos artistas posicionavam-se politicamente em meio a um cenário em que emergiam movimentos sociais questionadores de normas pré-estabelecidas acerca de gênero, classe social, sexualidade, raça, religiosidade, entre outras. Neste período, a classe artística também buscava outras formas de interação entre público, obra e artista. Assim, em meio a estas mudanças e questionamentos, foram sendo desenhadas outras possibilidades e caminhos no campo das Artes para, em sentido expandido, borrar fronteiras entre linguagens artísticas. A diluição de fronteiras, seja entre saberes, seja entre as Artes, seja entre artista e público, levou-me a colocar a Arte da Performance como caminho para seguir com minha poética. Devo isso ademais ao fato de transitar por diferentes áreas artísticas, como escrevi no início do capítulo. Neste contexto, entre as transformações ocorridas nesse período, destaco o momento em que o corpo do artista começa a emergir como obra nas Artes Plásticas. Aqui, ele passa a fazer parte da criação ou mesmo ser a obra em si, sem se restringir a estar por trás de sua execução. Como bailarina, essa informação despertou minha atenção, uma vez que o corpo sempre me foi entendido como obra e nunca apartado de minhas criações. Assim, é interessante pensar como os olhares e entendimentos sobre corpo se estabeleceram de formas diferentes nas áreas da Dança e das Artes Visuais. Ainda neste período, entre tantas manifestações ancoradas nas questões do corpo, surge a chamada Action Painting, de Jackson Pollock (Figura 3). Os quadros deste artista eram pintados em consequência dos movimentos de seu corpo que jorrava tinta nas telas. O ato de pintar tornava-se o tema da obra e o artista em ator (GLUSBERG, 1987). Porém, as telas ficavam ecoando a ação do artista. Por outro lado, os Happenings, idealizados por Allan Kaprow e que antecedem a Arte da Performance, constituíam obras. Estas últimas existiam apenas pela ação dos corpos no espaço-tempo da Arte. Terminada a ação daquele evento acontecido, não restavam vestígios da obra: o efêmero era uma de suas características primordiais. Ainda neste conjunto, havia a Body Art, que “assumia o corpo como suporte artístico” (COHEN, 2002, p.15)..

(37) 35. Figura 3 – Jackson Pollock durante Action Painting. Fonte: galeria do Terry Long.. Ao aprofundar minha fala sobre Performance Arte, considero pertinente introduzir o pensamento de Schneider, citada por Phellan (1997, p. 61). A autora sugere que a abordagem do surgimento da Performance seja pensada de modo plural, ou seja, para além dos limites das linguagens convencionais. Contudo, é recorrente encontrar autores que tentam situar a Performance ora nas Artes Cênicas, ora nas Artes Visuais. Por exemplo, em virtude das transformações e mudanças de pensamento que afetaram a Arte, Cohen (2002) coloca a Performance como uma evolução dinâmico espacial das Artes Visuais, visto que até então, naquele contexto, esta última ainda era entendida como uma Arte estática. De acordo com este pensamento, poderia se compreender as Artes Visuais como lugar de origem da Performance. Em contrapartida, o autor compara a finalidade da Arte da Performance com a das Artes Cênicas. Cohen, então, segue sua fala ressaltando que tentar definir a Performance a partir das linguagens já existentes não faz sentido, uma vez que a Performance, na sua própria razão de ser, é uma Arte de fronteira que visa escapar às delimitações, ao mesmo tempo que incorpora elementos das várias Artes (COHEN, 2002, p. 139). De acordo com Diana Taylor (2012), a Arte da Performance, mesmo surgindo a partir de várias práticas artísticas, transcende os limites das mesmas. Deste modo, ela “combina muitos elementos para criar algo inesperado” (TAYLOR, 2012, p. 54). A autora também.

(38) 36. apresenta o pensamento de Stambaugh, segundo o qual, a Performance seria como uma “esponja mutante” capaz de absorver ideias e metodologias de várias disciplinas para, então, propor outras formas de conceituar o mundo (TAYLOR, 2012, p. 54). Aproximo-me desse entendimento e senti-me instigada a explorar o potencial criador destas zonas de intersecção dentro do campo artístico e acadêmico. A partir daí, busquei ressaltar o diálogo entre as Artes, característico desta manifestação artística. Considero pertinente destacar, também, que o nascimento da manifestação artística escolhida para o desenvolvimento deste trabalho coincide justamente com um momento em que as lutas feministas ganhavam espaço. Para mim, é interessante pensar que a Performance – questionadora, irreverente e transgressora – existe aqui como um canal para trazer discussões acerca do feminino. Neste contexto, Taylor (2012) recorda que é necessário aceitar que muitas vezes a Performance funciona dentro de um sistema de poder de subjugação em que o corpo é mais um produto. Conquistas, ditaduras, patriarcado, tortura, capitalismo, religiões, globalização (etcétera) criam seus próprios corpos (TAYLOR, 2012, p. 92).. Portanto, a imagem do meu corpo, entendido como corpo-Arte em Performance, pode comunicar, expressar e transbordar determinados discursos ou realidades. Não há como desvinculá-lo do sistema que está inserido, também sou mulher, meu corpo também envelhece. A partir desse entendimento, justifico a escolha de apresentar meu referencial artístico no decorrer do próximo capítulo relacionando-o a discussões feministas. Questionar de que modo determinados comportamentos e pensamentos foram sendo perpetuados ao longo da história e como eles têm afetado alguns grupos, como as mulheres no caso desta pesquisa, é fundamental ao se abordar questões culturais. Beauvoir (1960, p. 19) lembra que “o presente envolve o passado e no passado toda a história foi feita pelos homens”. Por isso também a importância de trazer mulheres – seja na pesquisa de campo, seja nas referências bibliográficas e artísticas – para o desenvolvimento da pesquisa..

(39) 37. 2. INSTAURADORES DA CRIAÇÃO Com minha pesquisa inserida na área de Arte e Cultura, considero pertinente destacar o. viés cultural escolhido aqui, uma vez que o conceito de cultura é muito amplo. De acordo com Candau, “explicar a cultura é explicar [...] por que e como certas ideias se contagiam” (2016, p. 37). Nesse contexto, a perspectiva dos estudos feministas foi fundamental para a construção desse trabalho. No entendimento dos estudos da cultura, esta é compreendida em movimento atuando e transformando o mundo. Assim, é mais pertinente pensar a “cultura como processo, não como um objeto, mas como uma atividade” (COELHO, 2008, p. 19). Ao estudar cultura, é comum ir ao encontro de conceitos atrelados a ela, os quais podem contribuir para uma reflexão mais aprofundada sobre determinadas questões. Contudo, é preciso ter cautela ao abordá-los, visto que algumas vezes estes são usados para naturalizar determinados comportamentos. Um exemplo disso seriam as tradições, as quais, segundo Coelho (2008) apresentam-se sempre como uma estratégia do poder (político, religioso, cultural) para manter-se e justificar-se ao inculcar valores que supostamente se repetem (que são valores porque se repetem e que se repetem porque são valores) e que alegadamente estabelecem uma continuidade com o passado (imaginado, mais que imaginário) que, por algum motivo, interessa a esse poder (COELHO, 2008, p. 24).. De acordo com Candau, a tradição “confere ao passado uma autoridade transcendente” (2016, p. 121) e, ao mesmo tempo, “remete a um passado atualizado no presente” (CANDAU, 2016, p. 122). Esta perspectiva contribui também para refletir sobre como comportamentos machistas têm sido perpetuados e naturalizados, colaborando para a construção de uma cultura de violência contra a mulher. Portanto, interessou-me estudar a cultura no presente entendendoa como um campo de saberes dinâmico, a partir de diversos olhares lançados a ela, tais como, temporal, espacial e, especialmente, social. Assim sendo, os estudos culturais e feministas fornecem ferramentas potentes para esta investigação. Reforço, ainda, que para além das ações vislumbradas sob uma perspectiva macroscópica da cultura, é importante pensar como estas ideologias se perpetuam no meu entorno. Desse modo, compreendo que o olhar é uma construção cultural e não deve ser analisado apartado de discursos e práticas cotidianas. 2.1. UM OLHAR FEMINISTA Ao colocar o feminino como fio condutor da pesquisa, trazendo as mulheres como. protagonistas dessas histórias, considero importante introduzir algumas noções referentes a.

(40) 38. gênero. Primeiramente, apresento um entendimento de gênero enquanto uma categoria de análise histórica, assim como Scott (1990) propõe. A autora define o gênero em duas partes conectadas entre si, as quais seriam o gênero como um “elemento constitutivo de relações sociais baseado nas diferenças percebidas entre os sexos” e o gênero como uma “forma primeira de significar as relações de poder” (SCOTT, 1990, p. 21). Sendo assim, a utilidade analítica de gênero seria a possibilidade de um maior aprofundamento das noções construídas sobre feminino e masculino, permitindo questionar estes gêneros ao reconhecer que eles não são categorias fixas. Ao longo da construção deste trabalho, passei a visualizar os ciclos do corpo feminino como um caminho para conduzir a investigação acerca da passagem do tempo. Deste modo, foi inevitável deparar-me com alguns aspectos biológicos da mulher cisgênero3 colocados como justificativa patriarcal para solucionar questões de poder nas diferenças. Assim, procurei entender estes aspectos biológicos que se tornaram alavancas da manutenção do poder masculino. Estudei, então, a menarca e a gravidez, enquanto estados próprios do gênero feminino sob a perspectiva das mulheres que me aproximei. Dessa forma, interessou-me estudar como estas questões biológicas podem ser lidas, interpretadas e afetadas culturalmente. Neste contexto, é pertinente a fala de Scott (1990), segundo a qual gênero seria a organização social da diferença sexual percebida. O que não significa que gênero reflita ou implemente diferenças físicas e naturais entre homens e mulheres, mas sim que gênero é o saber que estabelece significados para as diferenças corporais (SCOTT, 1990, p. 13).. Deste modo, a questão não está em negar que existem diferenças entre os corpos sexuados, mas em pensar como foram sendo construídos significados culturais e, consequentemente, relações de poder a partir de e para eles. Neste contexto, ressalto novamente que o trabalho se desenrola em um viés feminista, uma vez que por meio dele, busquei ouvir e valorizar as experiências de mulheres a partir das referências escolhidas, da pesquisa de campo e de mim mesma. De modo geral, o objetivo do movimento feminista é alcançar “uma sociedade sem hierarquia de gênero” (RIBEIRO, 2014), na qual o gênero não mais seria utilizado como justificativa para conceder privilégios ou legitimar opressões. Portanto, considerei pertinente. 3. Segundo Bonassi, "cisnorma é um conceito que ganha abrangência na literatura acadêmica brasileira na segunda década do século XXI e denota a normalidade que legitima como saudáveis, naturais e verdadeiras apenas as pessoas que se identificam com o sexo que lhes foi designado ao nascimento, sempre assumindo a binariedade homem/mulher" (BONASSI, 2017, p. 23). Portanto, uma mulher cisgênero seria aquela que nasceu com o sexo feminino e identifica-se como mulher..

(41) 39. trazer uma breve contextualização histórica acerca do feminismo, elemento fundamental para a construção da minha poética. O movimento feminista costuma ser classificado em ondas por muitos pensadores. Segundo Ribeiro (2014), no Brasil, a primeira onda se deu no início do século XIX. Nesse momento, as mulheres reivindicavam, sobretudo, o direito ao voto e à vida pública. A segunda onda inicia na década de sessenta, momento em que o país viveria uma crise democrática advinda da instalação da ditadura militar. Nesse período se destaca, além da oposição a esse estado ditatorial repressor, a luta contra a violência sexual e a busca pela valorização do trabalho feminino. A terceira onda feminista começa nos anos noventa, momento em que se passou a colocar em questão alguns paradigmas presentes nas ondas anteriores. É o momento em que a micropolítica passa a fazer parte das discussões, uma vez que se passa a compreender que o discurso universal é excludente; excludente porque as opressões atingem as mulheres de modos diferentes, seria necessário discutir gênero com recorte de classe e raça, levar em conta as especificidades das mulheres (RIBEIRO, 2014).. Há ainda aqueles que consideram que o feminismo vive sua quarta onda, protagonizada pelo ciberfeminismo. Essa onda também carrega as discussões e lutas políticas das ondas anteriores, contudo, diferencia-se por suas influências tecnológicas. Segundo Rocha (2017, p. 11), este momento histórico do movimento feminista caracteriza-se pelas "mudanças sociais provocadas pela tecnologia da informação e do panorama que se estabelece a favor da promoção e divulgação dos ideais” feministas. Neste contexto, assumo-me como uma artista-pesquisadora feminista, permitindo que as lutas desse movimento político ecoem no discurso, tanto do meu trabalho artístico, quanto na escrita da dissertação. É evidente que a passagem do tempo no corpo da mulher envolve questões biológicas e que a idade é um fator inalterável. No entanto, falar sobre aspectos biológicos exige certo cuidado e atenção, levando em consideração que, muitas vezes, os mesmos são usados para justificar e naturalizar comportamentos machistas e opressores em relação à mulher, como foi dito anteriormente. Justamente por estas questões, a filósofa Simone de Beauvoir (1980), em seu livro O Segundo Sexo, considerada uma das principais obras feministas, inicia sua escrita a partir deste viés. Em Os Dados da Biologia, primeira parte do primeiro capítulo intitulado O Destino, a autora enfatiza como questões biológicas vêm sendo usadas para atribuir uma essência a mulher criando identidades fixas que as limitariam a determinados destinos – fisiológico, psicológico, econômico – pré-definidos..

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