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4.024/1961, duração mínima de quatro anos O ensino secundário no Brasil ganhou

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.1 CONSIDERAÇÕES SOBRE AS CONCEPÇÕES DO CÍRCULO DE BAKHTIN

Iniciamos esta reflexão a partir das considerações de Bakhtin a respeito da arquitetônica do sujeito tendo em vista a importância que essas discussões têm tanto para a compreensão da obra bakhtiniana e do Círculo como um todo, como para pensarmos a realização desta pesquisa e sua materialização em um enunciado que surgirá a partir da orquestração (agenciada por mim, autora-pesquisadora) de um conjunto de vozes. Vozes essas que, por sua vez, deixam entrever a presença de muitos sujeitos neste discurso; sujeitos esses os quais, como nós, ao produzirmos nossos textos, comprometem-se com eles.

2.1.1 O mundo, o “eu”, o outro e o ato – uma arquitetônica do sujeito

Holquist17(1993 [1920]), ao prefaciar a obra Para uma

filosofia do ato18, aponta que ali Bakhtin aborda os temas que

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Ao longo desta tese, mencionamos duas diferentes traduções para o português de Para uma filosofia do ato. A primeira é uma versão que circulou nos meios acadêmicos e foi traduzida por Carlos Alberto Faraco e Cristovão Tezza a partir da edição em inglês (Toward a Philosophy of the Act), publicada em 1993. A segunda foi publicada em 2010 sob o título de Para uma filosofia do ato responsável, traduzida por Carlos Alberto Faraco e Valdemir Miotello, a partir de tradução feita do russo por Luciano Ponzio. Como somente na primeira versão consta o prefácio de Holquist aqui mencionado, mantivemos a remissão às duas traduções.

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Segundo Brait (2009), Bakhtin iniciou um projeto sobre A arquitetônica da responsabilidade ainda enquanto morava em Nevel (onde residiu entre 1918 e 1920), porém só o terminou em Vitebsk (onde morou do final de 1920 a 1924). Dos

guiaram, ao longo de toda a sua vida, seu pensamento acerca das questões do sujeito, da língua/linguagem e do discurso.

Nas palavras de Holquist (1993, p. 05),

Os tópicos de „autoria‟, „responsabilidade‟, eu e o outro, o significado moral da „exotopia‟, o „estar do lado de fora‟, o „pensamento participativo‟, as implicações do fato de o sujeito individual viver um „não-álibi na existência‟, a relação entre o mundo experimentado pela ação e o mundo representado no discurso – todos eles são discutidos aqui no puro calor da descoberta. [...] Nós estamos aqui no coração da matéria, no centro do diálogo entre o ser e a linguagem, o mundo e a mente, o „dado‟ e o „criado‟ que estarão no âmago do dialogismo distintivo de Bakhtin, como ele mais tarde o desenvolverá.

Por isso, partimos de uma leitura dessa obra para discutirmos a base da arquitetônica bakhtiniana, que envolve, em primeiro lugar, a relação do sujeito com o mundo, com ele mesmo e com o outro.

Bakhtin começa a discutir essa relação – entre o sujeito, o mundo ético (a vida) e o mundo estético (a arte) – em Arte e

responsabilidade19, escrito em 1919 e publicado pela primeira vez em 1979. Nesse texto, Bakhtin afirma que o garante o nexo interno entre os elementos do indivíduo, sua relação com o mundo estético e o mundo ético, é a unidade da responsabilidade. Segundo ele, “O indivíduo deve tornar-se inteiramente responsável: todos os seus momentos devem não só estar lado a lado na série temporal de sua vida mas também

fragmentos localizados e recuperados dos textos então escritos por Bakhtin e que se vinculavam a esse projeto, foram publicados: O autor e o herói e Para uma filosofia do ato. Como menciona Holquist, no prefácio à edição traduzida do inglês por Faraco e Tezza (BAKHTIN, 1993 [1920]), o texto emergiu após um longo e penoso trabalho de decifração e retranscrição dos originais que se encontravam em péssimo estado de conservação.

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Em inglês, o texto foi publicado com o título de Art and Answerability. Responsabilidade e responsividade estão profundamente imbricadas à ideia do ato responsável.

penetrar uns nos outros na unidade da culpa e da responsabilidade.”(BAKHTIN, 2003a [1919], p. XXXIV).

Essa responsabilidade está profundamente vinculada às crenças e aos valores que assinalam cada sujeito em particular (crenças e valores esses que têm sempre origem sócio- histórica), norteando suas escolhas e avaliações, de tal maneira que cada ato desse mesmo sujeito seja um ato responsável, no sentido de ser um ato assinado por ele, assumido por ele, um ato que revele a sua posição valorativa/axiológica perante a vida e perante o outro. É nesse sentido que os momentos que constituem a vida do sujeito se relacionam uns com os outros: aquilo que o sujeito é hoje é resultado do que foi ontem, e influencia o que será amanhã; igualmente aquilo que o sujeito faz hoje, as decisões que toma, as escolhas que realiza, vinculam-se a novas decisões, a novos atos, e, principalmente, a um novo sujeito, eternamente em modificação, sempre incompleto.

Como aponta Amorim (2009), para Bakhtin o ato é “responsável e assinado: o sujeito que pensa um pensamento assume que assim pensa face ao outro, o que quer dizer que ele

responde por isso.” (AMORIM, 2009, p. 22-23). Dessa forma, o

sujeito assume uma responsabilidade sobre isso: no ato, o sujeito se revela. Nas palavras do próprio Bakhtin (2003e [1924/1927], p. 128), “O homem vivente se estabelece ativamente dentro de si mesmo no mundo, sua vida conscientizável é a cada momento um agir: eu ajo através do ato, da palavra, do pensamento, do sentimento [...]”, e não há álibi possível para não fazê-lo (BAKHTIN, 2010 [1920-1924]), não há álibi possível para não nos posicionarmos perante o outro. Mesmo a inércia e o silêncio são atos responsáveis e responsíveis do sujeito, que despertam no outro contrapalavras.

No entanto, cada ato tem por assim dizer sua história, ou sua historicidade, porque o próprio sujeito é assinalado por essa historicidade. O que move o sujeito no sentido de praticar um dado ato é, por um lado, o contexto em que esse ato se efetiva, as características ou “condições” que assinalam dada situação, e por outro, a historicidade do sujeito, em outras palavras, a constituição do sujeito em dado momento da sua trajetória histórico-individual, constituição essa que não é estanque, uma vez que todos os momentos que constituem o sujeito se inter- relacionam e se integram em sua consciência.

Cada um de meus pensamentos, com o seu conteúdo, é um ato singular responsável meu; é um dos atos de que se compõem a minha vida singular inteira como agir ininterrupto, porque a vida inteira na sua totalidade pode ser considerada como uma espécie de ato complexo: eu ajo com toda a minha vida, e cada ato singular e cada experiência que vivo são um momento do meu viver-agir. Tal pensamento, enquanto ato, forma um todo integral: tanto o seu conteúdo-sentido quanto o fato de sua presença em minha consciência real de um ser humano singular, precisamente determinado e em condições determinadas - ou seja, toda a historicidade concreta de sua realização – estes dois momentos, portanto, seja o do sentido, seja o histórico-individual (factual), são dois momentos unitários e inseparáveis na valoração deste pensamento como meu ato responsável (BAKHTIN, 2010 [1920-1924], p. 44).

Nesse sentido, como lembra Sobral (2005), podemos pensar em uma arquitetônica do ato responsável, a qual envolve de uma só vez: o conteúdo do ato, o processo do ato e a valoração/avaliação que o sujeito empresta ao próprio ato. De certa forma, podemos dizer que o ato é, em si, o produto de uma escolha ética e, portanto, responsável, na qual e através da qual o sujeito, em um situação única e irrepetível, posiciona-se perante o outro.

[...] o ato é – de um jeito inevitável, irremediável e irrevogável – a realização de uma decisão; o ato é o resultado final, uma consumada conclusão definitiva; concentra, correlaciona e resolve em um contexto único e singular e já final o sentido e o fato, o universal e o individual, o real e o ideal, porque tudo entra na composição de sua motivação responsável; o ato constitui o desabrochar da mera possibilidade na singularidade da escolha uma vez por todas.

(BAKHTIN, 2010 [1920-1924], 80-81, grifos do autor).

Entendemos que a singularidade da escolha está vinculada à própria singularidade da situação em que o ato é realizado – em que um pensamento é gerado, em que um enunciado20 é produzido. Isso porque toda situação de interação está situada no tempo, no espaço e na historicidade do sujeito. Ainda que uma outra situação semelhante voltasse a ocorrer no mesmo espaço, já aí esse espaço seria diferente, e mesmo que não o fosse, já aí essa situação encontraria um outro sujeito. Logo, cada escolha é única, assim como cada ato é também único.

Mas se isso envolve responsabilidade, envolve também responsividade/respondibilidade. Em outras palavras, todo ato responsável, inclusive o ato de pensar e de produzir um enunciado que materialize esse pensamento é, por um lado, uma resposta a outros atos, e, por extensão, a outros enunciados; mas, por outro lado, ele mesmo exige uma resposta, pois, no horizonte de todos os nossos atos e dos nossos enunciados, está o outro e a resposta que esse outro, de uma maneira ou de outra, de imediato ou tardiamente, dar-nos-á. Nesse sentido, Miotello (2011, p. 28) afirma que “[...] qualquer ação minha ou qualquer ato de pensar, é um ato responsável e ao mesmo tempo é um ato de responder. [...] Respondibilidade e responsabilidade são duas faces de uma mesma moeda.”.

Afirmar isso significa dizer que todo ato responsável envolve uma relação de alteridade, conceito este fundante na arquitetônica bakhtiniana. A ideia de alteridade em Bakhtin está vinculada à relação entre o sujeito e o outro e à percepção de que é esse outro que dá ao sujeito acabamento. Dito de outro modo, o olhar do outro é constitutivo do sujeito, pois somente o outro, do lugar onde está, em sua exterioridade ao sujeito, é capaz de apreendê-lo (o sujeito) por inteiro.

De acordo com Bakhtin (2010 [1920-1924]; 2003e [1924- 1927]), o sujeito e seu outro estão exatamente onde deveriam estar, ocupando um lugar único que marca a sua individualidade,

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Falaremos mais detidamente sobre a concepção de enunciado em Bakhtin mais adiante, ao longo das próximas seções.

mas que também os coloca em relação. Essa exterioridade, que Bakhtin denomina exotopia, implica um excedente de visão.

Para Bakhtin (2003e [1924-1927], p. 21, grifos do autor), Esse excedente da minha visão, do meu conhecimento, da minha posse – excedente sempre presente em face de qualquer outro indivíduo – é condicionado pela singularidade e pela insubstitutibilidade do meu lugar no meu mundo: porque nesse momento e nesse lugar, em que sou o único a estar situado em dado conjunto de circunstâncias, todos os outros estão fora de mim.

Nesse contexto, o sujeito enxerga a si mesmo de uma maneira diferente daquela que enxerga o seu outro, o qual lhe é exterior; da mesma forma que o outro o vê de forma diversa da que vê a si mesmo. Isso porque cada sujeito se constituiu de maneira única ao longo da história de sua vida, no seio de infinitas interações com os diversos outros que foram seus interlocutores, que a ele responderam e que dele “exigiram” resposta. Cada sujeito é então único, porque cada trajetória de vida também é única, e é essa singularidade do sujeito que se marca em seus valores, em suas crenças e em suas verdades – em sua consciência emotiva-volitiva participante – que leva o sujeito a perceber cada objeto, cada ato, cada discurso, de forma singular, a partir de um dado horizonte apreciativo ou axiológico.

Do meu lugar único, somente eu-para-mim- mesmo sou eu, enquanto todos os outros são outros para mim (no sentido-emotivo- volitivo do termo). De fato o meu ato (e o sentimento como ato) se orienta justamente sobre o que é condicionado pela unicidade e irrepetibilidade do meu lugar. O outro, na minha consciência emotiva-volitiva participante, está exatamente no seu lugar, enquanto eu o amo com outro, não como eu mesmo. O amor do outro por mim soa emotivamente de modo totalmente diferente para mim, no meu contexto pessoal, do que soa como o mesmo amor para o outro que o dirige para mim, e obriga a mim e ao outro

coisas absolutamente diferentes (BAKHTIN, 2010 [1920-1924], p.104).

Não há fuga para isso, assim como não há fuga possível para não nos posicionarmos (ainda que em pensamento) perante o outro, seus atos e seu discurso. Por isso, Bakhtin fala de uma

consciência emotiva-volitiva participante, emotiva-volitiva porque

assinalada pela ideologia, pelo conjunto de valores e crenças que cada sujeito possui; participante porque responsiva e ativa em todo processo de compreensão/apreensão do outro e do mundo. Essa ausência de possibilidade de fuga – o não álibi no

existir - é esclarecida por Miotello (2011, p. 27), quando ele diz

que não é o sujeito que se convoca a posicionar-se perante o outro: “Eu não me chamo a mim mesmo, o outro me chama, o outro me cobra esse pensamento.”. Para tanto, “[...] para que eu mantenha com ele uma relação de alteridade, eu preciso ser eticamente; só o ato de pensar pode ser ético, pode exercer essa obrigação, essa ação responsável.” (MIOTELLO, 2011, p. 27).

É nessa relação entre o eu e o outro que o sujeito se constitui contínua e infinitamente em busca de uma completude inalcançável. Essa relação de alteridade responde pela dimensão social do sujeito, e é em virtude dela que podemos afirmar que o sujeito individual, singular e eternamente incompleto é sócio-

histórica-axiologicamente constituído. Em outras palavras, ele se

constitui na relação com o outro, ao longo de sua história de vida, em interações balizadas pelos horizontes axiológicos dos sujeitos que delas participam, ou seja, pelas consciências emotivo-

volitivas participantes desses sujeitos.

Bakhtin explica a arquitetônica desse processo quando diz que

O excedente de minha visão em relação ao outro indivíduo condiciona certa esfera do meu ativismo exclusivo, isto é, um conjunto daquelas ações internas ou externas que só eu posso praticar em relação ao outro, a quem elas são inacessíveis no lugar que ele ocupa fora de mim; tais ações completam o outro justamente naqueles elementos em que ele não pode completar-se. (BAKHTIN, 2003e [1924-1927], p. 23).

No mundo ético, esse movimento poderia ser então dividido em duas partes: a compenetração e a tomada de

posição. A compenetração corresponde ao movimento que o

sujeito faz no sentido de buscar compreender o outro, apreender o que ele sente, como sente, o que deseja, a partir do ponto de vista do outro; é um colocar-se no lugar do outro, buscar ver o mundo através dos seus olhos: percebê-lo naquilo que ele mesmo (o outro) não pode perceber-se. A esse movimento, segue-se um outro, de retorno a si mesmo, pois é a partir desse “lugar” que o sujeito irá posicionar-se.

[...] Eu devo entrar em empatia com esse outro indivíduo, ver axiologicamente o mundo de dentro dele tal qual ele o vê, colocar-me no lugar dele e, depois de ter retornado ao meu lugar, completar o horizonte dele com o excedente de visão que desse meu lugar se descortina fora dele, convertê-lo, criar para ele um ambiente concludente a partir desse excedente da minha visão, do meu conhecimento, da minha vontade, do meu sofrimento. (BAKHTIN, 2003e [1924- 1927], p. 23, grifos nossos).

Bakhtin exemplifica esse processo utilizando o exemplo da interação entre um sujeito e um outro indivíduo em sofrimento. Para avaliar o que fazer, como responder ao outro que sofre, o sujeito precisa aproximar-se do outro, “colocar-se em seu lugar”, perceber por que sofre e o que deseja que lhe seja feito; mas precisa fazê-lo observando-o a partir de um ponto de vista externo, que lhe possibilite observar aquilo que o outro não percebe, como, por exemplo, os sinais da dor no corpo do outro. É esse olhar de fora, permeado pelo seu próprio horizonte axiológico, que permitirá ao sujeito dar ao outro e àquela situação de interação um certo acabamento, com base no qual decidirá como agir, como se posicionar, como responder àquela situação. É assim que, na vida, movimentamos nossa tomada de decisão, ainda que seja esse um processo mais ou menos consciente.

É dessa forma, por exemplo, que nos posicionamos frente ao enunciado de outrem. Para produzirmos uma resposta a esse enunciado, levamos em conta, ao mesmo tempo, o dito, as

características que assinalam aquela situação de interação específica e a possível resposta do outro, ou seja, a maneira como o interlocutor se posiciona perante o que dissemos, perante aquela situação específica e a maneira como provavelmente se posicionará frente a nossa resposta. Quanto melhor conseguirmos realizar esse movimento, quanto mais elementos tivermos para compreender o outro, tanto melhor será a avaliação que poderemos fazer. Porém essa avaliação será sempre, em última instância, norteada pelo nosso próprio

horizonte apreciativo, por nossa memória de futuro e pelo cálculo de um horizonte de possibilidades (GERALDI, 2010).

Esse horizonte apreciativo ou axiológico corresponde de certa forma à consciência emotivo-volitiva que nos caracteriza. Voloshinov/Bakhtin21 (2004 [1929], p. 35), ao falar sobre a formação da consciência, afirma que “A consciência individual é um fato sócio-ideológico.”. Portanto, sua origem está não na natureza ou no ser biológico propriamente ditos, em outras palavras, ela não é inerente ao ser, é produto da interação do sujeito com o grupo social no qual ele (o sujeito) se constitui, interação essa mediada por signos ideológicos.

Conforme Voloshinov/Bakhtin (2004 [1929], p. 35-36), “Os signos são o alimento da consciência individual, a matéria de seu desenvolvimento [...]”, por isso, a lógica da consciência é, de

21 Muito ainda se discute a respeito da autoria de algumas obras por vezes atribuídas a Bakhtin, e outras vezes atribuídas a outros membros do Círculo. Sob a assinatura de Valentin Voloshinov, foram publicados A palavra na vida e a palavra na poesia, O freudismo: um esboço crítico e Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem; sob a assinatura de Pavel Nikolaevich Medvedev, foi publicado O método formal nos estudos literários e, sob a assinatura de Ivan Ivanovich Kanaev, O vitalismo contemporâneo. Todos textos escritos na década de 1920 e atribuídos, em 1970, a Bakhtin (BUBNOVA, 2009). Parte dessa polêmica deriva do fato de se observar que a presença do pensamento bakhtiniano se marca em todos esses textos,o que tem provocado, ao longo dos últimos trinta ou quarenta anos, uma série de discussões acerca da complexa questão da autoria das obras. Corroboram para acirrar essas discussões declarações como a deixada por Kanaev em que afirma de O vitalismo contemporâneo é 100% de Bakhtin (SOBRAL, 2009) e a de Bakhtin, dada em entrevista a Viktor Duvakin, em 1973, em que afirma que Marxismo e filosofia da linguagem foi efetivamente escrito por Voloshinov: “[...] o caso é que eu tinha um amigo íntimo, Volochinov... é autor do livro Marxismo e filosofia da linguagem, livro que, digamos, atribuem a mim.”(BAKHTIN; DUVAKIN, 2008 [1996]). Dado o exposto, no caso de todas as obras acima mencionadas, optamos aqui por manter a referência à autoria mencionada na tradução e a Bakhtin.

fato, “[...] a lógica da comunicação ideológica, da interação semiótica de um grupo social.”. Portanto, “Se privarmos a consciência de seu conteúdo semiótico e ideológico, não sobra nada. A imagem, a palavra, o gesto significante, etc. constituem seu único abrigo.” (VOLOSHINOV/BAKHTIN, 2004 [1929], p. 35- 36).

Logo, a consciência individual tem sua origem na dimensão social e na interação como outro, sendo, conseguintemente, fruto de um processo marcado pela alteridade e pelo dialogismo, ou seja, pela interação contínua com o outro, mesmo que esse diálogo não encontre materialidade no discurso exterior. E não há álibi possível para que o sujeito dele (desse diálogo) não participe, pois ele é convocado pelo outro a participar, a responder, desde a mais tenra idade. É assim que o sujeito aprende a chorar para chamar a atenção da mãe, a gesticular para pedir uma ou outra coisa, a usar as primeiras palavras para expressar ao outro o que deseja. Mas ele o faz sempre com base em sua memória de futuro e no cálculo de um

horizonte de possibilidades.

Geraldi (2010) faz referência a essa memória de futuro quando aponta que é no futuro, naquilo que o sujeito antecipa que irá ocorrer e que surgirá como reação-resposta do outro ao seu ato, que ele (o sujeito) ancora a sua tomada de decisão. É, por exemplo, na resposta que antecipa que a mãe lhe dará, que a criança ancora o ato que irá realizar. Vejamos que, para fazê- lo, ainda bem pequena, a criança observa o outro, coloca-se no lugar dele, e, a partir daí, efetiva o ato; daí o fato de a criança agir de forma diversa com o pai e com a mãe.

Certamente há um pré-dado, a criança apreende, ao longo do tempo e em outras situações semelhantes, os valores, crenças, verdades e modos de agir do pai ou da mãe, mas é com base na sua memória de futuro que ela realiza o cálculo do horizonte de possibilidades e se decide. Conforme Geraldi (2010, p. 109), “[...] no mundo ético, tempo dos acontecimentos, cada um tem responsabilidade pela ação concreta definida não a partir do passado – que lhe dá condições de existência como um pré- dado – mas a partir do futuro, cuja imagem construída no presente orienta as direções e sentidos das ações.”. Dessa