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Capítulo II – Metodologia

1. Apresentação geral do desenho de investigação

1.1. Considerações sobre Investigação Qualitativa

Na investigação em ciências sociais, podemos distinguir dois modos de estudo, que têm vindo a ser utilizados, muito embora, um (modo quantitativo) seja bastante mais antigo do que o outro (modo qualitativo) e, talvez por isso mesmo, tenha dado azo a que se fomentasse uma certa clivagem entre ambos. Talvez essa clivagem se tenha ficado a dever, maioritariamente, ao tipo de relação existente entre um racional metodológico mais preocupado em generalizar a partir dos dados empíricos e um outro racional metodológico mais preocupado em particularizar a partir dos dados empíricos. Daqui podem resultar posições bastante distintas como, por exemplo, a dicotómica que defende uma oposição entre ambas e, por exemplo, a que defende um continuum entre ambas as racionalidades (Léssard-Herbert, M.; Goyette, G.; Boutin, G., 1990, p.31).

A lógica qualitativa em investigação, começou a ser utilizada mais tarde, e só a partir dos finais dos anos sessenta, se começou a utilizar a expressão Investigação Qualitativa (I.Q.), que é “um termo genérico que agrupa diversas estratégias de investigação que partilham determinadas características. Os dados recolhidos são designados por qualitativos, o que significa ricos em pormenores descritivos relativamente a pessoas, locais e conversas, e de complexo tratamento estatístico.” (Bogdan, R. & Biklen, S., 1994, p.16). De acordo com os autores, a investigação qualitativa tem como principais características, as seguintes: a fonte direta de dados é o ambiente natural, constituindo o investigador o instrumento principal; a investigação qualitativa é descritiva; os investigadores qualitativos interessam-se mais pelo processo do que simplesmente pelos resultados ou produtos; os investigadores qualitativos tendem a analisar os seus dados de forma indutiva; o significado é de importância vital na abordagem qualitativa (cf. pp.47-50).

Desta proposta podemos retirar, por exemplo, que o investigador recolhe a informação através do contacto directo e no contexto da investigação que desenvolve, sendo que ele, o investigador, é o instrumento essencial da investigação. A interpretação do fenómeno deve ser feita de maneira exaustiva, abundante em pormenores que exponham de forma clara mas, ainda assim, complexa, a natureza do fenómeno estudado e os significados que as pessoas que o vivenciam, lhe conferem. Neste tipo de

89 investigação, os dados tendem a ser analisados de forma indutiva, isto é, do particular para o geral, já que se parte de um caso concreto. Todos os dados recolhidos serão analisados, escritos e transcritos em texto, sendo que as transcrições poderão ser, não só, por exemplo, de inquéritos por entrevista que sejam efetuadas, mas também de outros documentos consultados, como documentos pessoais, documentos oficiais, vídeos e fotografias, entre outros, com o objetivo de descodificar e interpretar os significados que os sujeitos do estudo lhe dão.

Na investigação qualitativa, é mais importante compreender a origem ou as causas dos fenómenos do que o que eles representam (por si sós) ou os efeitos que produzem apenas. À medida que a análise é feita, de forma particular, vai-se construindo uma interpretação própria com a triangulação de toda a informação obtida, a partir dos sujeitos da investigação. Ao utilizar a abordagem qualitativa, os investigadores enfatizam como é que pessoas diferentes dão sentido às suas vidas, qual o significado que atribuem aos fenómenos que vivenciam. Ou seja, a causa e o efeito de um fenómeno social, ganham sentido no âmbito amplo do contexto e da complexidade que lhe está associada.

O objetivo fundamental da investigação qualitativa é interpretar os fenómenos, abarcando toda sua complexidade e no seu contexto natural, mais do que uma manifesta preocupação em quantificá-los. Trata-se de compreender a realidade e natureza dos fenómenos, partindo da ótica dos sujeitos investigados. É de referir que neste tipo de investigação, o investigador assume a sua não neutralidade e, portanto, a forma como conduz a investigação pode incluir a expressão das suas opiniões e convicções, muitas vezes sugeridas pelas inferências que vai fazendo ao longo do estudo, sem que isto implique perda de rigor ou de cientificidade, utilizando para tal, por exemplo, a técnica da triangulação. Foi este o procedimento principal escolhido para validar os dados recolhidos nesta investigação.

Contudo, e apesar da investigação qualitativa privilegiar a interpretação dos fenómenos, não obsta que se faça, também, uso das metodologias quantitativas. É neste seguimento que Erikson (1986) se refere à investigação qualitativa como investigação interpretativa, abarcando um conjunto rico e extenso de possibilidades, tais como: a observação participante, a etnografia, ou o estudo de casos, por exemplo. Do seu ponto de vista, a investigação qualitativa não é unicamente qualitativa já que também é possível fazer uso de quantificações em determinados procedimentos. Para este autor, a metodologia qualitativa têm especial interesse, principalmente, do ponto de vista

90 epistemológico mas também ontológico, dado que, a relação estabelecida pelo investigador para conhecer a realidade; as diferentes perspetivas em relação à mesma e a natureza do fenómeno, fazem-no relegar para segundo plano, os aspetos técnicos. Para Erikson, a investigação para poder ser identificada como “interpretativa ou qualitativa provém mais da sua orientação fundamental, do que dos procedimentos que ela utiliza” (p.120).

De acordo com a revisão da literatura, podemos destacar várias propostas de definição para a investigação qualitativa, tais como: a proposta por Denzin & Lincoln, (2005)

uma atividade localizada que situa o observador no mundo. Consiste num conjunto de interpretações, de práticas que tornam o mundo visível. Estas práticas transformam o mundo. Traduzem o mundo numa série de representações, incluindo notas de campo, entrevistas, conversas, fotografias, gravações e memorandos para si próprio. Neste nível, a investigação qualitativa reveste-se de uma abordagem interpretativa e naturalista do mundo. Isto significa que os investigadores qualitativos estudam as coisas no seu ambiente natural tentando que faça sentido ou interpretando o fenómeno respeitando o significado que este tem para as pessoas estudadas (p.3).

Uma outra definição que podemos destacar é a de Creswell (2007), um pouco mais recente e que diz

a investigação qualitativa começa com pressupostos, uma visão do mundo, na possível utilização de quadros teóricos e na investigação aos significados que atribuídos, quer por indivíduos, quer por grupos, a problemas sociais ou humanos. Para estudar o problema, os investigadores qualitativos, fazem uso de uma abordagem qualitativa emergente para o questionarem, a recolha de dados é efetuada no ambiente natural, sensível às pessoas e aos locais em estudo e a análise de dados é indutiva e estabelece padrões ou temas. O relatório final ou apresentação incluem as vozes dos participantes, a reflexividade do investigador, e a complexa descrição e interpretação do problema, e acrescenta algo à literatura ou sinais para uma futura ação (p.37).

Olabuénaga (1999) caracteriza e apresenta, também, cinco pontos que distinguem a investigação qualitativa da investigação quantitativa (p.23):

91 O objetivo é a captação e reconstrução de significado;

A linguagem é basicamente conceptual e metafórica;

O modo de captar a informação não é estruturado mas flexível; O procedimento é mais indutivo do que dedutivo;

A orientação não é particularista e generalizável mas holística e concreta.

Conforme já vimos anteriormente, e com base neste autor, sublinhamos, especialmente, um aspeto: é que a investigação qualitativa permite ao investigador usar modos de obtenção de informação muito flexíveis e ajustáveis, sempre que tal necessidade se verifique. Isto porque, a investigação qualitativa pauta-se por uma orientação metodológica que abarca todos os aspetos do fenómeno mas de forma concreta, delimitada, cujo objetivo é compreender a sua totalidade e não apenas fragmentos desintegrados entre si.

Assim, e ainda segundo este autor, a investigação qualitativa não é assim tão diferente da investigação quantitativa, no que ao seu desenho de investigação diz respeito, uma vez que, o processo investigativo se desenvolve em cinco fases concretas, aqui, meramente, enunciadas: 1) define-se um problema; 2) elabora-se o desenho da investigação; 3) recolhem-se os dados; 4) analisam-se os mesmos; 5) escrevem-se os resultados apurados. Isto é, nos termos de Olabuénaga (1999) qualquer investigação que se inicie deve ter o problema, relativamente, definido. É esta definição que permite orientar o investigador a centrar-se na busca do significado do fenómeno a estudar e isto é comum quer a uma investigação qualitativa, quer a uma investigação quantitativa (p.51). Convém salientar que, embora não seja o nosso caso, nem sempre a pergunta de partida se mantém inalterada até ao final do estudo, uma vez que, não só a realidade não é estática como a recolha dos dados pode fornecer novas informações, que à partida não estavam contempladas. À medida que a investigação decorre e avança, poderão ser necessários reajustes e mudanças no plano de investigação que obriguem o investigador a reformular a pergunta de partida.

Acerca da investigação qualitativa, diferentes autores (Denzin & Lincoln, 2005; 2011, Creswell, 2007, Guba & Lincoln, 1985; 1994) são unânimes na existência de pressupostos, maioritariamente, filosóficos no seu procedimento, e que irão nortear, principalmente, o investigador mas também a investigação que conduz. Estes pressupostos são de caráter metodológico, mas também de cariz epistemológico; ontológico e axiológico. Destacamos, por isso, os cinco axiomas do paradigma

92 naturalista de Guba (1985, p.85), a saber: a) A natureza da realidade (ontologia); b) A relação investigador – objeto da investigação: c) O propósito da investigação (generalização); d) A natureza da explanação (causalidade); e) O papel dos valores (axiologia).

Aquilo que podemos retirar destes axiomas propostos pelo autor é que é fundamental que o investigador utilize métodos condizentes com a natureza da lógica do estudo que está a desenvolver, é essencial também que tenha atenção e reflexividade face à relação que estabelece com o fenómeno ou com o objeto em estudo, principalmente se for outro ser humano, uma vez que podem influenciar-se, mutuamente; é pois, indispensável que conheça ou averigúe a natureza do fenómeno e que não exclua os seus sentimentos e opiniões acerca do fenómeno/realidade, mas que tenha, igualmente, atenção para que estes não o condicionem. Ora, foi com estes pressupostos que procurámos agir nesta investigação.