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Considerações sobre os conceitos representação e ideologia e sobre suas

O pesquisador, em seu ofício, necessita apropriar-se de conceitos que lhe auxiliem na compreensão de seu objeto de estudo. Os conceitos se configuram como instrumentos teórico-metodológicos que possibilitam a análise de problemáticas que envolvem a construção dos trabalhos, e não podem ser visualizados como uma camisa de força, inflexíveis, pois a realidade e os fenômenos históricos são mais dinâmicos e complexos do que se imagina.

Neste tópico, duas perguntas nortearão as reflexões: qual tem sido a compreensão sobre representação e ideologia? Estes conceitos contribuem para a análise do Jornal Sem

Terra, em especial, sobre a problemática central da tese? Lembrando que a problemática da tese é analisar as representações construídas pelo MST acerca dos presidentes Fernando Henrique Cardoso (FHC) e Luiz Inácio Lula da Silva (Lula), por meio do Jornal Sem Terra, e demonstrar como se delinearam as relações e as tensões que envolveram o MST e os governos de tais presidentes. A opção por refletir e destacar os conceitos representação e ideologia, neste capítulo, justifica-se por eles se constituírem em ferramentas teóricas importantes para a compreensão da fonte escolhida (Jornal Sem Terra) e para a introdução das perspectivas de análise face às representações sobre os presidentes FHC e Lula.

2.1.1 Reflexões sobre representação

Nas últimas décadas, representação é um dos conceitos mais discutidos na historiografia. De acordo com Carlo Ginzburg, de maneira geral, nas Ciências Humanas,

103 “fala-se muito, e há muito tempo” de representação229. Na historiografia brasileira, diversos

historiadores se dedicaram a entender este conceito e suas possibilidades de aplicação nos estudos históricos. Salienta-se que o conceito representação é utilizado em vários campos das Ciências Humanas, por vezes, com perspectivas distintas. Na área da Psicologia Social, por exemplo, os pesquisadores trabalham, sobretudo, com a ideia de representações sociais ligada às concepções de Serge Moscovici230. Sob o ponto de vista interdisciplinar, uma obra

interessante que envolve o conceito representação é a organizada por Célia Toledo Lucena e Maria Christina de Souza Campo, intitulada Práticas e Representações. Nos textos que compõem esta obra, os autores, a partir das noções de “práticas e representações”, buscam investigar como é pensado o “social” e como a realidade é tecida de “múltiplos sentidos”231.

No campo histórico, o conceito representação é notavelmente discutido em torno das perspectivas do historiador Roger Chartier. Acrescentam-se também as contribuições do sociólogo Pierre Bourdieu, que possui visão semelhante à de Chartier quanto ao conceito em questão. Esses pesquisadores elaboraram o conceito retomando as ideias de “representações coletivas” dos sociólogos Marcel Mauss e Emile Durkheim. Nesse sentido, o conceito representação foi polido e trabalhado há bastante tempo, de forma interdisciplinar, contribuindo para que os pesquisadores compreendam a dinâmica e a complexidade do mundo social e das práticas culturais.

Na escrita da tese, o conceito representação é apreendido a partir das contribuições de Chartier e Bourdieu. Ao escrever “o mundo como representação”, Chartier sublinha que a palavra representação atesta para duas definições de sentidos aparentemente contraditórios. Por um lado, “a representação como dando a ver uma coisa ausente, o que supõe uma distinção radical entre aquilo que representa e aquilo que é representado; por outro, a representação como exibição de uma presença, como apresentação pública de algo ou de alguém”232. Assim:

Representar é, pois, fazer conhecer as coisas mediatamente ‘pela pintura de um objeto’, ‘pelas palavras e gestos’, ‘por algumas figuras, por marcas’ –

229 GINZBURG, C., Olhos de Madeira: nove reflexões sobre a distância, p. 85.

230 MOSCOVICI, Serge. Representação Social da Psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1978. Nessa obra,

a partir da realidade parisiense, em meados do século XX, Moscovici expõe que a representação social, cerne de sua teoria, está constantemente no universo e nas relações dos sujeitos, sejam nas conversas, encontros, festas, convenções etc. A partir das relações estabelecidas, as representações sociais da realidade são construídas, definindo os grupos sociais e se tornando referência para seus membros.

231 LUCENA, Célia Toledo; CAMPOS, Maria Christina de S (Orgs.). Práticas e Representações. São Paulo:

Humanitas/Fapesp/CERU, 2008.

104 como os enigmas, os emblemas, as fábulas, as alegorias. Representar no sentido jurídico e político é também ‘manter o lugar de alguém, ter em mãos sua autoridade’233.

O conceito representação se tornou a “pedra angular” de uma abordagem denominada

história cultural. Nessa direção, Chartier se dedicou a refletir sobre algumas “críticas” quanto

ao conceito. A primeira delas se refere ao fato de as representações afastarem os pesquisadores da experiência histórica “pura e simples”, como dissera o historiador espanhol Ricardo García Cárcel. Isto é, as representações manipulam, distorcem as experiências humanas. Para tanto, os pesquisadores precisariam se “libertar” das representações para desenvolverem uma análise interrogativa e problematizadora em seus estudos. A segunda crítica está no âmbito metodológico, traçada pelo historiador italiano Angelo Torre. Pensar nas representações, para ele, seria esquecer-se do mundo real, dos comportamentos concretos e observados. O documento/fonte, neste caso, seria reduzido apenas a uma dimensão textual.

Sobre essas críticas, Chartier escreveu em “defesa” do conceito representação234. Na

concepção do autor, o conceito não ignora as experiências históricas dos sujeitos e grupos, nem tão pouco exime o historiador de desenvolver uma análise problematizadora em suas pesquisas. Desse modo, não existiria história sem a articulação das representações às práticas e das práticas às representações. E, pensando nas fontes, “qualquer fonte documental que for mobilizada para qualquer tipo de história nunca terá uma relação imediata e transparente com as práticas que designa. Sempre a representação das práticas tem razões, códigos, finalidades e destinatários particulares”235. Identificar as razões, finalidades, códigos e destinatários das

fontes seria condição necessária para se entender as representações.

Chartier salienta que as representações visam a construir o mundo social dos sujeitos, sendo elas as matrizes dos discursos e das práticas dos grupos.

O que leva seguidamente a considerar estas representações como as matrizes de discursos e práticas diferenciadas – ‘mesmo as representações colectivas mais elevadas só tem uma existência, isto é, só o são verdadeiramente a partir do momento em que comandam actos’ – que tem por objectivo a

233 CHARTIER, R., A Beira da Falésia: a história entre certezas e inquietudes, p. 165.

234 CHARTIER, Roger. Defesa e Ilustração da Noção de Representação. In: Fronteiras, Dourados, MS, v. 13, n.

24, p. 15-29, jul./dez. 2011. Esse texto advém de uma palestra proferida pelo professor Roger Chartier em 07 de maio de 2010 no Colloque Franco-Allemand “Représentation/Darstellung”, realizado pelo Institut Historique

Allemand de Paris. A palestra foi traduzida para a língua portuguesa pelos historiadores André Dioney Fonseca e Eduardo de Melo Salgueiro.

105 construção do mundo social, e como tal a definição contraditória das identidades – tanto a dos outros como a sua236.

Desse modo, o conceito representação se tornou um precioso apoio teórico para se compreender, assinalar e articular as diversas relações dos indivíduos e grupos com o mundo social. Destaca-se que o “mundo social” é constituído de relações políticas, econômicas, culturais, enfim, das diversas relações e dimensões que compõem a vida dos sujeitos e seu/s grupo/s. O conceito representação modificou profundamente a compreensão do mundo social, no sentido de “obrigar” o repensar das relações entre os sujeitos e os grupos no meio social. Isto é, o como os sujeitos e os grupos constroem seus mundos. Nesse sentido, a partir das representações é possível “compreender de que maneira os enfrentamentos fundados na violência bruta, na força pura, se transformam em lutas simbólicas, ou seja, em lutas que têm as representações por armas e por apostas”237. Assim, as representações, se incorporadas pelos

sujeitos e grupos, teriam o poder de atestar e fazer acreditar em determinadas questões, como se elas fossem naturais.

Na obra “O Poder Simbólico”, ao refletir sobre noções de região, identidade e

representação, Bourdieu identifica o “poder das representações” na construção das

experiências históricas e sua contribuição para a produção daquilo por elas descrito e designado. Para explicar o conceito, Bourdieu parte da “realidade construída” e dos “enunciados performativos” que visam a tornar reais os discursos produzidos pelos grupos. Por ora, os discursos são socialmente construídos, objetivando agir nas experiências históricas dos sujeitos e grupos238. Ressalta-se que, para Bourdieu, nos estudos das representações, não

cabe a separação do caráter “objetivo” e “subjetivo”, assim, as representações partem destas duas esferas.

A partir de Chartier e Bourdieu entende-se que representações são construções sociais da realidade, em que os sujeitos fundamentam suas visões de mundo tendo em vista seus interesses e os de seu grupo. Dessa forma, os sujeitos e o grupo ao qual pertencem, criam representações de si mesmos e de outros grupos, fundamentando suas visões de mundo sobre as experiências históricas. Nessa perspectiva, o conceito representação “não está longe do real nem do social”. Pelo contrário, compreender as representações dos grupos é entender como o mundo dos mesmos foi construído, ordenado, hierarquizado. “As representações possuem uma energia própria, e tentam convencer que o mundo, a sociedade ou o passado é

236 CHARTIER, R., A História Cultural: entre práticas e representações, p. 18. 237 CHARTIER, R., Defesa e Ilustração da Noção de Representação, p. 20. 238 BOURDIEU, P., O Poder Simbólico, p. 107-132.

106 exatamente o que elas dizem que é”239. Elas são determinadas pelos interesses dos grupos que

as forjam, exibindo uma maneira de estar e ver o mundo.

O MST, a partir de sua militância, de materiais publicados e de manifestações públicas, constrói representações sobre diversas e distintas questões que envolvem a vida cotidiana dos seus membros nos assentamentos e acampamentos; assim como sobre questões conjunturais do país, como reforma agrária, produção de alimentos, disputas políticas, eleições, dentre outras. Nesta tese, a reflexão volta-se sobre as representações dos presidentes brasileiros, em especial, FHC e Lula.

Para Chartier e Bourdieu, há um “jogo” em que se produzem as representações e existem crenças que as sustentam. No “campo social”, permeado de tensões e interesses conflitantes dos grupos, existem as lutas de e por representações. Por este viés, “as lutas de representações são assim entendidas como uma construção do mundo social por meio dos processos de adesão ou rechaço que produzem”240. As representações “ligam-se estreitamente

à incorporação da estrutura social dentro dos indivíduos em forma de representações mentais, e o exercício da dominação, qualquer que seja, graças à violência simbólica”241. As

representações estão colocadas “num campo de concorrências e de competições cujos desafios se enunciam em termos de poder e dominação”242. Observa-se, então, que as representações

são construídas a partir do lugar, do tempo e do grupo aos quais os sujeitos pertencem. Como ressalta Bourdieu:

[...] a representação que os indivíduos e os grupos exibem inevitavelmente por meio de suas práticas e propriedades faz parte integrante de sua realidade social. Uma classe é definida tanto por seu ser-percebido, quanto por seu

ser, por seu consumo – que não necessita ser ostentador para ser simbólico –

quanto por sua posição nas relações de produção (mesmo que seja verdade que esta posição comanda aquele consumo)243.

No entendimento de Chartier, as lutas de representações “têm tanta importância como as lutas econômicas para compreender os mecanismos pelos quais um grupo impõe, ou tenta impor, sua concepção do mundo social, os valores que são seus, e o seu domínio”244. Nessas

lutas se classifica, ordena, delimita e hierarquiza a estrutura e as experiências históricas. Algo

239 CHARTIER, R., Defesa e Ilustração da Noção de Representação, p. 23. 240 CHARTIER, R., Defesa e Ilustração da Noção de Representação, p. 22. 241 CHARTIER, R., Defesa e Ilustração da Noção de Representação, p. 22. 242 LUCENA, C. T; CAMPOS, M. C. de S.; Práticas e Representações, p. 7. 243 BOURDIEU, P., A Distinção: crítica social do julgamento, p. 447.

107 a ser destacado é que as representações podem ser deturpadas, forjando a construção de uma experiência histórica que não corresponde às relações dos sujeitos e dos grupos. Neste caso, as representações são utilizadas para submeter e oprimir.

Conforme ainda Chartier, “assim deturpada, a representação transforma-se em máquina de fabrico de respeito e de submissão, num instrumento que produz constrangimento interiorizado, que é necessário onde quer que falte o possível recurso a uma violência imediata”245. Nessa direção, as representações criam o que Michel de Certeau denomina de

“sociedade recitada”, ao se referir às aparências e manipulações no mundo social.

Um exemplo elucidativo sobre essa questão e que está presente em grande parte da sociedade do estado de Mato Grosso do Sul (e acredita-se que se estenda para todo o país), são as representações de que os indígenas são vagabundos e preguiçosos; por isso não precisam de terras para trabalhar e viver. Essas representações são forjadas historicamente visando a deturpar as experiências históricas e a submeter e oprimir os povos indígenas. Outro exemplo a se destacar remete aos próprios sem-terra, no sentido de que eles querem terra, mas não produzem alimentos em seus lotes. Ou seja, cria-se a representação de que os assentados não trabalham e que a reforma agrária não é viável para a produção de alimentos. Simultaneamente a essas representações dos sem-terra, legitimam-se as grandes propriedades voltadas ao denominado agronegócio246 como produtoras de alimentos. Nesse sentido, as

representações podem ser utilizadas para os interesses de alguns grupos, mas compartilhadas por grande parte da sociedade.

As representações estão localizadas no tempo e são social e historicamente construídas pelos sujeitos e seus respectivos grupos. No que tange às representações do MST sobre os presidentes brasileiros, sublinha-se que elas estão inseridas no que Bourdieu denomina como “campo político”247. Na concepção desse autor, os agentes sociais, fora e dentro dos

“campos”, são envolvidos em lutas por representações. O “campo político” se configura num lugar de concorrência e disputa pelo poder.

O campo político é pois o lugar de uma concorrência pelo poder que se faz por intermédio de uma concorrência pelos profanos ou, melhor, pelo monopólio do direito de falar e de agir em nome de uma parte ou da totalidade dos profanos. O porta-voz apropria-se não só da palavra do grupo

245 CHARTIER, R., A História Cultural: entre práticas e representações, p. 22.

246 No terceiro e quarto capítulos discutir-se-á sobre o que se compreende por agronegócio.

247 Conforme Bourdieu, os “campos” (político, econômico, religioso, jurídico) têm suas próprias regras,

princípios e hierarquias. Seus limites e definições são efetivados a partir de negociações, tensões e conflitos entre os atores sociais.

108 dos profanos, quer dizer, na maioria dos casos, do seu silêncio, mas também da força desse mesmo grupo, para cuja produção ele contribui ao prestar-lhe uma palavra reconhecida como legítima no campo político248.

Destaca-se que, na pesquisa, as representações estão contidas nos discursos (escritos e imagéticos) produzidos pelo Jornal Sem Terra. Assim, atenta-se para a relação intrínseca entre “discurso” e “representação”. Sobre o discurso, em palestra proferida em aula inaugural no Collège de France, em 1970, intitulada A Ordem do Discurso, Michel Foucault observa que falar em discurso é falar de poder. De acordo com Foucault, o discurso “não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo pelo que se luta, o poder que queremos nos apoderar”249. Os discursos, ou o poder que os discursos

evocam, passam a se constituir em objetos de desejo dos sujeitos e grupos. No MST, essa questão é bem latente, em especial, em relação àqueles que possuem cargos de liderança e escrevem os materiais de sua organização. Parece que tais sujeitos são investidos de poder pela palavra/discurso e o Jornal Sem Terra se tornou um instrumento político importante para divulgação e propagação desses discursos.

Em Foucault, o discurso é tomado como uma prática social, a partir de possibilidades e condições pré-estabelecidas. Desse modo, a produção do discurso “é ao mesmo tempo controlada, selecionada, organizada e redistribuída por certo número de procedimentos que têm por função conjurar seus poderes e perigos, dominar seu acontecimento aleatório, esquivar sua pesada e temível materialidade”250.

Nos grupos sociais, os discursos podem assumir funções estratégicas, o que ocorreu com o Jornal Sem Terra concebido pelo MST. Dentro das organizações, os discursos possuem a “vontade da verdade”, como disse Foucault. E, essa busca pela “verdade” tem ligação com a construção de representações de si mesmo e dos outros grupos. No entendimento do MST, e dos profissionais que produziram o Jornal Sem Terra, este periódico era visto como o “registro e retrato fiel” das lutas do Movimento e das lutas pela reforma agrária no Brasil251, como enfatizou Nilton Viana em sua entrevista.

Na compreensão de Chartier, as construções discursivas e as categorias que as fundam – sistemas de classificação, critérios de recorte, modos de representações – estão ligadas aos

248 BOURDIEU, P., O Poder Simbólico, p. 185. Para Bourdieu, as representações políticas dependem dos

interesses das classes e dos grupos, haja vista que as lutas políticas são estruturadas pelos determinantes econômicos e sociais.

249 FOUCAULT, M., A Ordem do Discurso, p. 10. 250 FOUCAULT, M., A Ordem do Discurso, p. 8.

109 interesses dos grupos sociais, ou das classes sociais e possuem lógica própria252. Nesse

sentido, “não existem interesses sociais fora dos discursos que os constroem”253. Os discursos

e as percepções do social, por esse entendimento, não são neutros: “produzem estratégias e práticas (sociais, escolares, políticas) que tendem a impor uma autoridade à custa de outros, por elas menosprezados, a legitimar um projeto reformador ou a justificar, para os próprios indivíduos, as suas escolhas e condutas”. Investigar as representações dos grupos “supõe-nas como estando sempre colocadas num campo de concorrências e de competições cujos desafios se enunciam em termos de poder e de dominação”254. Ao longo da tese, percebe-se

que as representações sobre os presidentes FHC e Lula, por parte do MST, são legitimadoras de visões e crenças, uma vez que esses presidentes são personificados e estereotipados pela Direção Nacional do Movimento.

Bourdieu, quando reflete sobre “representação política”, salienta que os discursos exercem poder na medida em que são reconhecidos e em que os grupos se apropriam deles. Assim, a força de um discurso depende “menos das suas propriedades intrínsecas do que da força mobilizadora que ele exerce, quer dizer, ao menos em parte, do grau em que ele é reconhecido por um grupo numeroso e poderoso que se reconhece nele e de que ele exprime os interesses (em forma mais ou menos transfigurada e irreconhecível)”255. Assim, os

discursos podem se tornar “verdadeiros” ou “falsos”, dependendo de quem os enuncia, e neles o poder das representações está implícito. No Jornal Sem Terra, os discursos produzidos pelo MST têm “intenção política” e estão inseridos em um jogo256.

A intenção política só se constitui na relação com um estado do jogo político e, mais precisamente, do universo das técnicas de acção e de expressão que ele oferece em dado momento. Neste caso, como em outros, a passagem do implícito para o explícito, da impressão subjectiva à expressão objectiva, à manifestação pública num discurso ou num acto público constitui por si só um acto de instituição e representa por isso uma forma de oficialização, de legitimação257.

252 CHARTIER, R., A Beira da Falésia: a história entre certezas e inquietudes, p. 77-91. 253 CHARTIER, R., Entrevista com Roger Chartier, p. 29.

254 CHARTIER, R., A História Cultural: entre práticas e representações, p. 17. 255 BOURDIEU, P., O Poder Simbólico, p. 183.

256 Bourdieu visualiza a política como um “jogo”. Nesse jogo, existe o habitus político que exige uma preparação

especial: “É, em primeiro lugar, toda aprendizagem necessária para adquirir o corpus de saberes específicos (teorias, problemáticas, conceitos, tradições históricas, dados econômicos, etc.) produzidos e acumulados pelo trabalho político dos profissionais do presente e do passado ou das capacidades mais gerais tais como o domínio de uma certa linguagem e de uma certa retórica política, a do tribuno, indispensável nas relações com os