• Nenhum resultado encontrado

4. ESTUDO I: PLANO NACIONAL DE SANEAMENTO BÁSICO

4.6 Considerações sobre o Plansab

O Plano Nacional de Saneamento Básico define que as ações de saneamento devem ser direcionadas por princípios, tais como a busca pela universalização dos serviços, a cooperação federativa, a integração de políticas e a sustentabilidade. Além disso, defende a prevalência do interesse público sobre o privado e, sobretudo, propõe o controle social e a participação efetiva dos atores sociais tanto no seu processo de elaboração quanto no acompanhamento da implementação das ações planejadas. Esses princípios, em tese, deveriam estar presentes no Plano, e a constatação desse fato torna-se importante na avaliação do planejamento elaborado.

Observa-se que a metodologia do Plansab foi estruturada com base em um mix de instrumentos presentes no Planejamento Estratégico Situacional cujos princípios preponderam no Plano, na Prospectiva Estratégica que deu o seu direcionamento metodológico, no Foresight e na GBN, utilizados de forma complementar. O modelo adotado possibilitou que fosse privilegiado o fator político, reconhecendo-se a relação entre os fatos sociais e os econômicos, bem como o respeito ao princípio da totalidade.28 Nessa perspectiva, a construção metodológica facilitou a incorporação dos princípios assumidos na fundamentação declarada, apresentando coerência nesta categoria de análise.

Na construção do diagnóstico, constata-se que foram ouvidos atores de diferentes segmentos da sociedade, com divergentes entendimentos da realidade. Sua abrangência envolveu os aspectos sociais, administrativos e econômicos, em uma visão política. Assim, procurou avaliar a prestação dos serviços em uma perspectiva de integralidade, ou seja, envolvendo todos os componentes do saneamento simultaneamente, bem como a sua integração com as disciplinas que com ele fazem interface. O diagnóstico procurou também analisar as deficiências na prestação dos serviços de saneamento em função das desigualdades socioespaciais, com ênfase nas minorias, como quilombolas, indígenas e outras comunidades rurais. São abordados no diagnóstico os princípios que constam na fundamentação declarada, como a integralidade, a intersetorialidade, a territorialização e a equidade, sem prejuízo da análise técnica e econômica dos serviços existentes. O modelo utilizado, a análise situacional, facilitou a investigação da realidade em uma perspectiva política guiada pelos princípios explicitados na fundamentação declarada do Plansab, apresentando coerência nesta categoria de análise.

Observa-se que a visão de futuro do Plansab foi construída com base na técnica de elaboração de cenários, utilizando-se um modelo com base na Prospectiva Estratégica. Vislumbraram-se três horizontes possíveis no longo prazo, elegendo-se um deles como

28

―De acordo com esse princípio, a realidade histórica não admite uma diferenciação entre os fatos políticos,

econômicos, ideológicos, etc. Equivale a dizer que todos os fatos políticos são também fatos econômicos, e vice- versa. Não se justifica a segregação da realidade em dimensões estanques. Da mesma forma, não se explica que o

planejamento opere exclusivamente com categorias que respondam a essas dimensões parciais‖ (RIVERA,

plausível e possibilitando a avaliação de ações tanto pró-ativas quanto pré-ativas. Participaram dessa construção especialistas em diferentes disciplinas do saber, com divergentes entendimentos de mundo, propiciando uma percepção intersetorial, política e plural. A visão de futuro construída permitiu que os princípios manifestados na fundamentação declarada do Plansab fossem incorporados na elaboração do Plano, mantendo-se, nesse aspecto, coerência com a elaboração do planejamento.

Pode ser constatada a preocupação que existiu na construção do Plansab com a participação da sociedade tanto em seu processo de elaboração, por meio dos seminários regionais, quanto em sua validação, por meio das audiências públicas, visando a sua validação. Esses eventos seguem o princípio participativo, definido no Pacto pelo Saneamento Básico como um dos fundamentos para a construção do Plansab, que teria entre seus objetivos buscar o comprometimento dos atores sociais. As contribuições desses atores, com diferentes origens e especialidades, reforçaram a necessidade da elaboração de um Plano com abrangência intersetorial que também vislumbrasse a integralidade na prestação dos serviços. Assim, verifica-se que os princípios que constam na fundamentação declarada foram incorporados na elaboração do Plano, mantendo-se, nesse aspecto, a coerência na elaboração do planejamento. No Plansab, observa-se que foi assumido o conceito de que o interesse social deve se sobrepor tanto à visão técnica quanto aquelas que tenham como prevalência critérios econômicos. O conceito de universalização do acesso aos serviços de saneamento defendido no Plansab está vinculado aos princípios de equidade e de integralidade, com o objetivo, segundo seus autores, de contribuir para a ―superação de diferenças

evitáveis, desnecessárias e injustas‖ (BRASIL, 2011c:180). Assim, um de seus focos

estaria na prestação dos serviços às coletividades, visando a garantir que sejam aplicados mais recursos para os segmentos mais necessitados.

O Plansab privilegia no médio e no longo prazo as medidas estruturantes, concedendo- lhes maior atenção, sem, contudo, desqualificar a importância das medidas estruturais. Por meio delas, pretende, mantendo sua centralidade no social, priorizar as ações que forneçam suporte político e gerencial, visando à sustentabilidade da prestação dos serviços e ao aperfeiçoamento da gestão em todas as suas dimensões. Segue, assim, as

diretrizes de Friedmann, para quem o planejamento público deve ocupar -se, principalmente, das mudanças institucionais e processuais.

O conjunto das proposições contidas nos três programas do Plansab revela um entendimento da pobreza como uma forma de desempoderamento social, econômico e político. Evidencia uma visão segundo a qual o segmento mais pobre da população teria restrito acesso ao conhecimento e ao nível de informação, bem como insuficientes habilidades, organização social e recursos financeiros, em uma concepção contemporânea de abordagem da pobreza semelhante à defendida por Friedmann. O Plansab admite que pode haver igual ―tratamento igual para os iguais (equidade

horizontal) ou como o tratamento desigual para desiguais (equidade vertical)‖,

priorizando-se aqueles que mais necessitam, vislumbrando em sua visão de futuro um cenário em que o País caminharia para a redução da desigualdade social (BRASIL, 2011c:180).

As diretrizes assumidas no Plansab consideram que os déficits educacionais, s anitários e ambientais jamais seriam eliminados se acaso as políticas públicas seguissem exclusivamente as leis de mercado. Mostram, ainda, um direcionamento no qual, embora privilegiem o coletivo, impondo limites às operações de mercado, não mencionam ou sugerem que pretende inviabilizá-las no setor. Essas escolhas mostram semelhanças com o pensamento de Polanyi (2000), que defendia a necessidade de restringir a liberdade individual de alguns (privado) com o objetivo de criar liberdade maior para todos (coletivo). Na mesma linha, Matus (2000:219) também defende que a máxima liberdade individual é incompatível com máxima igualdade e que a conciliação desses propósitos seria uma regra fundamental para a convivência.

O direcionamento das ações propostas no Plansab evidencia que esses programas têm um olhar para as necessidades da população, não assumindo, em momento algum, o conceito de demanda. O termo lucro (para os prestadores dos serviços) não foi também mencionado. Com relação à remuneração dos serviços, afirma-se que ―a cobrança aos usuários pela prestação dos serviços não é, e, em muitos casos não deve ser, a única forma de alcançar sua sustentabilidade econômico-financeira. Essa seria de fato assegurada quando recursos financeiros investidos no setor sejam regulares, estáveis e

evidencia-se uma diretriz do Plano buscando evitar a ocorrência de subordinação do saneamento às leis de mercado em uma perspectiva em que os usuários fossem tratados

―como um acessório do sistema econômico‖, introjetando no planejamento uma visão

semelhante à de Polanyi (2000).

Não é encontrada no Plansab qualquer menção a critérios em que prevaleça uma visão dos valores econômicos, por exemplo, do custo-benefício, como um fator para a priorização das ações. Ao contrário, os critérios escolhidos têm um forte componente político. Entre eles, encontram-se ―a existência de instâncias de controle social para

fiscalização do recurso público‖, dinheiro esse que acaba por financiar parte

substancial dos investimentos dos prestadores de serviços no setor, seja de forma direta ou indireta, por intermédio de órgãos de fomento (BRASIL, 2011c:183). Nessa perspectiva, o Plansab se harmoniza com Leff (2005), para quem a nova racionalidade social congrega princípios e critérios que não podem ser avaliados em termos do modelo de racionalidade de mercado. O Plano apresenta entre suas premissas a

―subordinação das necessidades dos prestadores de serviço, no caso de delegação, ao olhar do titular‖, vide Brasil, revelando a presença de princípios como a primazia da

sociedade sobre a economia e a regulação social sobre as leis de mercado, valores esses defendidos por Polanyi (2000).

As evidências do foco do Plansab nos valores sociais podem também ser encontradas nas propostas de seus três programas. O Programa Saneamento Básico Integrado prevê ações focalizadas em favelas, áreas de ocupação espontânea, despoluição de rios, áreas de risco e sujeitas à inundação ou, ainda, a elaboração de intervenções orientadas para o desenvolvimento econômico. O Programa Saneamento Estruturante é direcionado ao apoio da gestão dos serviços, apresentando entre os critérios para a priorização dos investimentos a observação de indicadores como o índice de desenvolvimento humano (IDH-M), enfermidades evitáveis pelo saneamento e da maior proporção de aplicação de recursos não onerosos em função dos onerosos.

Já o Programa Saneamento Rural mantém seu foco no atendimento das populações rurais, indígenas, quilombolas e reservas extrativistas, propondo medidas estruturantes que abrangem temas nos campos da participação da comunidade e da educação ambiental, além dos mecanismos de gestão e de capacitação. Essas ações, segundo o

Brasil (2011d), deverão estar integradas a programas que vêm sendo desenvolvidos por diversos órgãos em nível federal, envolvendo o campo de políticas para mulheres, promoção da igualdade racial, desenvolvimento social e combate à fome, entre outros. A execução conjunta dessas ações poderá possibilitar que o indivíduo se revele em suas dimensões de gênero, de etnia, de portador de desejos e de tradição. Assim, o Plansab assume princípios defendidos por Leff (2005), como a preservação das identidades étnicas, dos valores culturais e de seus territórios e o respeito às práticas comunais, que se constituem também em suportes para a conservação e equilibro da biodiversidade e dos ecossistemas. As ações intersetoriais propostas no Plansab para essas tradições tendem a permitir, tal como defende Leff (2005:332), que a cultura local contribua para o desenvolvimento das forças produtivas num paradigma alternativo de sustentabilidade, de forma a viabilizar uma economia alternativa com base nas forças produtivas da natureza.

Os três programas previstos no Plansab, segundo Brasil (2011c:192), têm entre seus critérios de priorização:

(que nos municípios haja) instâncias de controle social para fiscalização do recurso público; [...] existência de consórcios, parcerias entre entes federados ou arranjos institucionais para a gestão ou prestação dos serviços; [...] projetos de medidas estruturais articulado com estruturantes; [...] existência de programa efetivo de redução de perdas no sistema de abastecimento de água; [...] municípios com indicadores críticos de salubridade ambiental.

Os três primeiros critérios citados têm natureza política e social. Já os subsequentes revelam preocupação ambiental e social. Entre os critérios específicos de cada um dos programas, nenhum apresenta os aspectos econômicos como hegemônicos.

A somatória das ações propostas nos programas do Plansab poderá possibilitar a capacitação das tradições, de forma a garantir o respeito às diferenças individuais e ao pluralismo, criando espaços para a participação da população mais carente. Possibilitaria, assim, a presença efetiva dos sujeitos individuais e coletivos nos diferentes níveis decisórios, condição essa, segundo Touraine (1996), indispensável à consolidação do espaço público democrático. Nessa perspectiva, pode ser entendida a

preocupação do Plansab com a necessidade da criação de espaços participativos para acompanhamento e proposição das demandas da população.

Está previsto no Plansab, segundo Brasil (2010), que seu monitoramento abranja a evolução dos cenários em suas dimensões política, econômica, social e administrativo - gerencial. Incorpora, entre outros indicadores, a política macroeconômica, a continuidade das políticas públicas, o papel do Estado, o modelo de desenvolvimento, os investimentos no setor, o controle social e a gestão. O Plano diferencia-se do modelo tradicional ao propor tanto uma avaliação sistemática da satisfação do público-alvo atendido quanto a introdução de mecanismos que promovam seu acompanhamento, por meio de debates, audiências públicas, discussão em órgãos colegiados, etc. Essas ferramentas possibilitariam, em tese, que fossem avaliadas a transparência e a legitimidade do planejamento.

5. ESTUDO II: PLANO DE SANEAMENTO AMBIENTAL DE