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2. TEORIA DO PLANEJAMENTO

2.4 Planejamento Prospectivo

2.4.2 Prospectiva Estratégica

Na perspectiva da Prospectiva Estratégica, o planejamento pode ser definido como o modo de se conceber um futuro desejado e os meios para alcançá-lo. Os conceitos de prospectiva e de estratégia estão intimamente ligados, interpenetrando-se. Entretanto, são duas entidades distintas, devendo-se observar duas fases no processo:

a) tempo da antecipação, quando é feita a prospectiva das mudanças possíveis e desejáveis;

b) tempo da preparação da ação, quando se fazem a elaboração e a avaliação das opções estratégicas possíveis para a organização se preparar para as mudanças esperadas (pré-atividade) e/ou provocar as mudanças desejáveis (pró-atividade). Na visão de diversos autores que defendem a Prospectiva Estratégica, a complexidade dos problemas do cotidiano faz com que a elaboração de um plano exija a utilização de

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LIPSOR ‒ Laboratoire d'Innovation en Prospective Stratégique et Organisation, instituição à qual se vincula Michel Godet.

métodos tão rigorosos quanto participativos, porém levando-se em conta o fato de que os homens são também guiados pela intuição e pela paixão. Para o autor, os modelos seriam invenções do espírito para representar um mundo que nunca se deixará encerrar na jaula das equações, existindo sempre uma complementaridade entre intuição e razão. A prospectiva instrumentaria a escolha das ações a serem tomadas no presente, levando-se em conta os futuros possíveis e desejáveis, possibilitando, dessa forma, a preparação para as mudanças previsíveis, bem como para as estratégias que poderiam provocar as mudanças desejadas (GODET, 1994; 2006; GODET; DURANCE; GERBER, 2008; GODET; DURANCE, 2009).

A utilidade dos instrumentos da Prospectiva Estratégica consiste em estimular a imaginação, reduzir as incoerências, criar uma linguagem comum, estruturar a reflexão coletiva e permitir a apropriação, não podendo se esquecer de que os instrumentos não devem substituir a reflexão nem refrear a liberdade de escolha. A reflexão prospectiva coletiva sobre as ameaças e oportunidades dá conteúdo à mobilização e permite a apropriação da estratégia, constituindo um ponto de passagem obrigatório para que essa apropriação se transforme em ação eficaz (GODET, 1994; 2006; GODET; DURANCE; GERBER, 2008; GODET; DURANCE, 2009).

O triângulo grego da Prospectiva, apresentado na Figura 1, mostra a relação que deve existir entre a antecipação, a ação e a apropriação.

Figura 1 ‒ Triângulo grego da Prospectiva

Fonte: (GODET; DURANCE; GERBER, 2008: 93)

Existem duas possibilidades de erros que devem ser definitivamente evitados no processo de planejamento:

a) pensar de cima para baixo, como fazem alguns peritos, esquecendo-se da importância da apropriação;

b) afastar os peritos e as análises teóricas para dar ouvidos somente à população (sem a prospectiva cognitiva, a prospectiva participativa fica andando em círculos sobre as preocupações do presente).

As decisões necessárias para fazer face aos desafios do futuro raramente são consensuais. Entretanto, ―é sempre uma má ideia querer impor uma boa ideia‖. Os homens precisam de esperança, e essa necessidade coletiva exprime-se melhor se for canalizada por meio de métodos apropriados (GODET; DURANCE; GERBER, 2008:19).

Gaston Berger (apud Godet; Durance; Gerber, 2008) afirmava que com a arte prospectiva deve-se ―ver longe, largo, profundo, pensar no Homem e arriscar‖. Para Godet e Durance (2009), na elaboração de um plano devem ser tomados cuidados como: desconfiar das ideias prontas; ver em conjunto (apropriação); e utilizar métodos tão rigorosos e participativos quanto possível, para reduzir as inevitáveis incoerências. As ideias prontas e que estão na moda, muitas vezes, transformam-se na ―tirania das

ideias dominantes‖,17 devendo ser olhadas com desconfiança. Normalmente, acabam por se tornar fontes de erros de análise e de previsão, uma vez que a informação é , muitas vezes, amordaçada pelo conformismo do consenso, o qual leva a reconhecer-se na opinião dominante e a rejeitar o ponto de vista minoritário (GODET; DURANCE, 2009).

A prospectiva foi utilizada pela primeira vez na França, em 1970, em um estudo geográfico realizado pela DATAR18 (apud Godet, 1994). Desde aquela época, esse método tem sido adaptado para outros setores, tais como indústria, agricultura e demografia. No período entre 1974 e 1979, essa metodologia foi desenvolvida no Department of Futures Studies da SEMA Metra Consulting Group, chefiado por Michel Godet, e durante a década de 1980 foi aprimorado no Conservatoire National des Arts et Métiers, com o apoio de instituições como a Electricité de France (EDF) e o Ministério da Defesa (GODET; ROUBELAT, 1996).

A prospectiva de primeira geração baseava-se na formalização matemática, na probabilidade e na investigação operacional, apoiando-se em métodos desenvolvidos por especialistas norte-americanos que viriam a constituir um instrumental que incluía técnicas como Análise Estrutural, Matriz de Impactos Cruzados e Análise Multicritérios. Na década de 1980, esse processo passou a ser utilizado em grandes empresas estatais e em diversos ministérios franceses, passando a prospectiva a ser colocada a serviço da ação estratégica. Nesse contexto, Godet passou a difundir um novo conceito: a Prospectiva Estratégica, que se apoiava na base conceitual da economia industrial e da estatística. Começava então a segunda geração da Prospectiva.19 A partir do final da década de 1990, iniciou-se a formação da terceira geração da prospectiva estratégica, que incluiu como questões centrais temas relativos a território, desenvolvimento sustentável, governança, decisão pública e inteligência

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Maurice Allais (apud Godet; Durance, 2009:25).

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DATAR – Délégation à l'aménagement du territoire et à l'Action Régionale. Criada, em 1963, com a função de

estudar os aspectos regionais dos planos econômicos nacionais franceses, de forma a estimular, orientar e coordenar os esforços de planejamento regionais de outras agências.

19

Deve-se ressaltar que em 1987 Michel Godet publicou a obra Scenarios and strategic management, considerada um marco no estudo desta metodologia.

coletiva, entre outros. Nessa nova fase, passou a sofrer significativa influência das ciências políticas, o que levou ao desenvolvimento de instrumentos, cujo objetivo era facilitar a participação da sociedade e o entendimento dos seus conflitos (GODET, 1994; 2006; GODET; DURANCE; GERBER, 2008; GODET; DURANCE, 2009). Segundo Godet; Durance (2009), entende-se por cenário o conjunto formado pela descrição de uma situação futura dos acontecimentos, que permite passar da situação de origem a essa nova situação. Em sua visão, existem diversos futuros potenciais, e a descrição de um desses futuros, bem como das progressões necessárias para atingi-lo, constitui um cenário. Para ele, seriam possíveis dois grupos de cenários: os exploratórios, que partem das tendências passadas e presentes, conduzindo a futuros verossímeis; e os de antecipação, ou normativos, construídos a partir de imagens alternativas do futuro, desejadas ou temidas, sendo concebidos de forma retro‒projetiva (GODET; DURANCE, 2009). Entretanto, deve-se ter em mente que ―um cenário não é

um fim em si, ele só tem sentido se tiver resultados, se tiver consequências para a ação‖

(GODET; DURANCE, 2007).

O cenário normativo, ou desejado, normalmente utilizado para o planejamento de instituições governamentais, constitui-se em uma utopia tecnicamente plausível e politicamente sustentável capaz de ser efetivamente construída. Procura administrar o destino com base no desejo de quem planeja, ajustando-o às probabilidades e às circunstâncias. É a síntese entre o presente e as ideias de uma sociedade em relação a seu futuro, o que resulta num futuro tão próximo das aspirações quanto possível (BUARQUE, 2003).

Já os cenários exploratórios são essencialmente técnicos, sendo construídos a partir de um tratamento racional das probabilidades, excluindo os desejos dos planejadores. Nesse caso, quando procuram analisar a postura e a estratégia dos atores sociais com suas vontades, o trabalho tem uma conotação técnica de interpretação do processo político. Trata-se de apreender para onde, provavelmente, estará evoluindo a realidade estudada, para que os planejadores possam escolher o que fazer e se posicionar positivamente naquela situação (BUARQUE, 2003).

Godet; Durance (2009) chamam a atenção para o fato de que é sempre tentador tomar os desejos pela realidade e elaborar um plano estratégico com base em uma visão pró-

ativa. Para eles, é necessário que se tenha, também, um comportamento pré-ativo e preparar-se para as mudanças futuras esperadas, já que os cenários possíveis nem sempre são prováveis ou desejáveis.

A metodologia de Godet (2006) apresenta uma primeira fase exploratória, na qual são identificados os desafios do futuro, e uma segunda fase normativa, em que são feitas as escolhas estratégicas possíveis e desejáveis. A primeira fase deve ser coletiva , envolvendo o maior número de atores possível. Nela, utilizam-se os instrumentos da prospectiva para organizar e estruturar, de maneira transparente e eficaz, a reflexão coletiva sobre os desafios do futuro e, eventualmente, avaliar as opções estratégicas. Os instrumentos utilizados na elaboração dos cenários devem buscar estimular a imaginação, reduzir as incoerências, criar uma linguagem comum, estruturar a reflexão coletiva e permitir a apropriação. No entanto, não se pode menosprezar seus limites nem as ilusões da formalização, tendo-se em mente que os instrumentos não devem substituir a reflexão e tampouco inibir a liberdade de escolha. A fase das escolhas estratégicas é a da competência de um número limitado de pessoas, em geral, dirigentes, não havendo necessidade de utilizar algum método específico, já que o julgamento pessoal é, muitas vezes, o único elemento de informação disponível.

A Prospectiva Estratégica comporta nove etapas para a elaboração do planejamento, discriminadas na Figura 2 e detalhadas a seguir (GODET, 1994; GODET; MONTI; MEUNIER; ROUBELAT, 2004; GODET, 2006; FIGUEROA, 2007; VERGARA; CORDEIRO NETTO, 2007; GODET; DURANCE; GERBER, 2008; GODET; DURANCE, 2009).

Figura 2 ‒ Etapas de planejamento na Prospectiva Estratégica

Fonte: (GODET, 2006:128)

a) Etapa 1

Procede-se à análise do problema em questão e faz-se a delimitação do sistema estudado, mediante um processo participativo, em que se identificam e se

hierarquizam os principais desafios do futuro e as principais ideias sobre o assunto.

b) Etapa 2

Realiza-se o diagnóstico estratégico e constroem-se as árvores de competências, visando a conhecer as forças e fraquezas da organização. Envolve:

 diagnóstico financeiro ‒ visa a avaliar a evolução da instituição

quanto à sua estrutura, gestão ou resultados;

 diagnóstico operacional ‒ possibilita a análise dos produtos, dos

mercados e da organização dos recursos, em função de produção;

 diagnóstico de qualidade ‒ verifica a conformidade de um produto ou

de um serviço com as necessidades do cliente pelo preço mais justo;

 diagnóstico das raízes (ou recursos de base) ‒ avalia não só os

recursos técnicos, mas também o conjunto do saber-fazer, na medida em que ambos constituem as competências da instituição.

c) Etapa 3

São feitas a identificação e a hierarquização das variáveis-chave, de modo a emergirem as principais variáveis influentes e dependentes. As variáveis são eleitas por especialistas envolvidos com o sistema em estudo. É aconselhável estabelecer uma definição precisa para cada uma delas, traçando o seu percurso passado, verificando as outras variáveis que influenciaram sua evolução, caracterizando a sua situação atual e identificando as tendências ou rupturas prováveis para o futuro.

d) Etapa 4

Estudam-se as estratégias dos atores, procurando avaliar as relações de força entre eles, estudando suas convergências e divergências diante dos desafios e objetivos e utilizando-se como instrumento o Método de Atores, Objetivos e Fatores de Força (MACTOR). Dessa forma, analisa-se o comportamento de determinado grupo de atores com relação a uma situação futura, dado uma configuração de um conjunto de objetivos estratégicos, os quais descrevem ou

determinam essa situação de futuro. e) Etapa 5

Procura-se fazer a redução das incertezas que pesam sobre as questões-chave, utilizando-se consultas a especialistas. Além disso, busca-se distinguir os cenários prováveis, utilizando-se a Análise Morfológica, que tem o potencial de explorar de forma sistemática os futuros possíveis e, a partir destes, definir aqueles que realmente são plausíveis de acontecer.

f) Etapa 6

São estabelecidas as opções estratégicas, utilizando-se como instrumento Árvore de Pertinência, que possibilita a identificação de projetos coerentes, ou seja, das opções estratégicas compatíveis simultaneamente com a identidade da instituição e os cenários mais prováveis.

g) Etapa 7

Na avaliação das opções estratégicas, utilizam-se métodos multicritério. Os métodos multicritério, como o Multicritério e Política (MULTIPOL), visam comparar diferentes soluções para um problema em função de um conjunto de critérios e políticas, sendo seu objetivo auxiliar o processo decisóri o.

h) Etapa 8

Realização das escolhas estratégicas e da hierarquização dos objetivos. Passa- se da reflexão à decisão por parte dos diretores.

i) Etapa 9

Execução do plano e implementação de um sistema de coordenação e acompanhamento

Na visão de diversos autores, como Alvarenga e Soeiro de Carvalho (2007), a metodologia da Escola Francesa faz parte do grupo que se caracteriza como formal, pesada e analítica. Como consequência, a elaboração de um planejamento utilizando esse instrumental implica que existe disponibilidade de tempo em torno de 12 a 18 meses, além de um tempo adicional, que pode chegar a meses, para se formar uma equipe de planejadores e torná-la operacional.

Para agravar as limitações de tempo, sabe-se que na atualidade existe grande mobilidade de mão de obra nas empresas e instituições, o que provoca descontinuidade na equipe treinada. Além disso, um estudo de prospectiva raramente resiste à partida daquele que o iniciou. Essas dificuldades, bem como as despesas necessárias para a realização de um grande número de seminários, podem tornar desfavorável a relação custo-benefício. O próprio Godet (2009) reconhece que é comum as empresas, instituições e administrações públicas desejarem apresentar seu plano em prazo inferior a um ano, sendo necessário, muitas vezes, fazerem-se adaptações metodológicas para viabilizar sua elaboração.

Nessa perspectiva, existem diversos exemplos na literatura nos quais os planejadores tomam como eixo central a Prospectiva Estratégica, porém realizam as simplificações metodológicas necessárias para viabilizar seus estudos com os prazos e custos disponibilizados pela instituição.