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4. ESTUDO I: PLANO NACIONAL DE SANEAMENTO BÁSICO

4.1 Introdução ao caso do Plansab

O Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab), criado por determinação da Lei 11.445, de 5/1/2007, tem como função

[...] definir diretrizes nacionais para o saneamento básico, sendo nele estabelecidos os objetivos e metas nacionais e macrorregionais, em busca da universalização e do aperfeiçoamento na gestão dos serviços em todo o País, e visa se constituir no eixo central da política federal para o saneamento básico (BRASIL, 2011:7).

O Plansab está sendo desenvolvido em três etapas:

a) formulação do Pacto pelo Saneamento Básico, que marca o início do processo participativo de elaboração do Plano, em 2008;

b) elaboração, em 2009 e 2010, do estudo Panorama do Saneamento Básico no Brasil;

c) formulação de Consulta Pública, que submete a versão preliminar do Plano à sociedade, de modo a promover ampla discussão com vistas à consolidação de sua forma final para posteriores encaminhamentos e execução, ainda em andamento.

O Panorama do Saneamento Básico no Brasil, estudo que forneceu os subsídios para a elaboração do Plano, compõe-se por sete volumes, compreendendo ampla pesquisa, com sistematização e análise de informações, produção conceitual e desenvolvimento de prognósticos, contemplando, segundo Brasil (2011:9),

a) definição de elementos conceituais, contextos e desafios que orientam a elaboração do PLANSAB (Volume 1);

b) análise situacional do déficit em saneamento básico (Volume 2); c) análise situacional dos programas e das ações federais (Volume 3);

e) estudo sobre a análise dos investimentos necessários para a concretização das metas propostas (Volume 5);

f) identificação das condições a serem enfrentadas e formulação de uma visão estratégica para a política pública de saneamento básico no País para um horizonte de vinte anos (Volume 6);

g) produção de cadernos temáticos, totalizando treze, para o aprofundamento conceitual em assuntos de relevante interesse para as definições do Plansab (Volume 7).

O Plano Nacional de Saneamento Básico foi concebido em 2010, em uma época em que o Brasil desfrutava do pleno estado de direito, sendo assegurada constitucionalmente a livre manifestação a qualquer segmento da sociedade sobre os destinos do País. Nessa perspectiva, para autores como Matus (1984) e Godet (2006) seria de fundamental importância para que se conseguisse alcançar o êxito no planejamento público que fosse respeitada a pluralidade das visões de mundo dos atores sociais.

O contexto do País expôs para o Plansab o desafio de resolver a complexa equação de como manter a centralidade do planejamento no social sem desconsiderar o fato de que o País vivia em uma economia de mercado. Entre as variáveis dessa equação, destacam-se a persistência na sociedade de ampla desigualdade nas dimensões social, econômica e cultural e a necessidade da participação dos segmentos sociais nas decisões administrativas, condição imprescindível ao exercício de cidadania.

O debate sobre as diretrizes nacionais para o saneamento básico não é novo. A formulação da atual legislação que rege o setor, Lei 11.445, de 2007, foi discutida na sociedade por cerca de vinte anos, uma vez que envolvia interesses e visões de mundo, muitas vezes, conflitantes. A disputa política acabou por provocar delicadas negociações, o que gerou algumas imprecisões na redação final da legislação. Nesse contexto, a regulamentação da lei, o modelo de regulação do sistema e o planejamento de longo prazo do setor passaram a ter importância crítica na definição das futuras políticas e ações a serem adotadas no saneamento básico brasileiro.

Nesse contexto, o Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab) pode assumir importância estratégica para o Brasil ao disciplinar o processo de tomada de decisões na política pública setorial para os próximos vinte anos e ao colocar-se como referência para os planos locais a serem elaborados por determinação legal.

O Plansab foi elaborado em três etapas. Na primeira, formulou-se o Pacto pelo Saneamento Básico, que teve por finalidade buscar a adesão da sociedade aos eixos e estratégias de desenvolvimento do setor e ao processo de elaboração e implementação do Plano. Participaram dessa fase os segmentos da sociedade representados no Conselho das Cidades25, tais como: Poder Público, empresariado, trabalhadores, movimentos sociais, universidades, ONGs e os prestadores de serviço de saneamento. No Pacto pelo Saneamento Básico, foram definidos como eixos básicos, com o objetivo de direcionar a elaboração do Plansab: universalização do acesso aos serviços, participação da sociedade, controle social, cooperação federativa, integração de políticas e sustentabilidade. Assim, o Plano deveria ter sua centralidade no social (BRASIL, 2008).

Na segunda etapa, a elaboração do Panorama do saneamento básico no Brasil pretendeu sistematizar informações e estudos e preparar a produção conceitual de temas de interesse para o saneamento básico brasileiro, visando a promover uma reflexão aprofundada que subsidiasse o Governo Federal e os governos estaduais e municipais na elaboração de planejamentos em saneamento. A terceira etapa constitui em debate com a sociedade, por meio de seminários regionais, audiências públicas e uma consulta pública, visando a submeter a versão preliminar do Plano, elaborada com base no Panorama do saneamento básico no Brasil, à sociedade, de modo a promover ampla discussão, com vistas à consolidação de sua forma final, para posteriores encaminhamentos e execução (BRASIL, 2011d).

No Plansab, os quatro componentes do saneamento foram tratados de forma integrada. Sua elaboração foi supervisionada pelo Ministério das Cidades e desenvolvida pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Universidade Federal do Rio de

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O Conselho das Cidades é composto por 71 representantes, eleitos diretamente pelos atores sociais (empresários, trabalhadores, acadêmicos, organizações não governamentais e Poder Público), tendo também como função emitir orientações e fornecer informações, auxiliando no desenvolvimento do planejamento urbano.

Janeiro (UFRJ) e Universidade Federal da Bahia (UFBA). As três universidades formaram uma única equipe, que, embora desenvolvesse seus estudos em locais diferentes, mantinham um direcionamento único na elaboração do Plano, sob a coordenação da UFMG. Embora coubesse um tema de análise específico a cada uma das universidades, esses estudos abrangiam todos os componentes do saneamento indistintamente.

Observa-se também a preocupação do Plansab com as interfaces dos serviços de saneamento. Nessa perspectiva, participaram ativamente de sua elaboração representantes de outros órgãos do governo, visando a possibilitar a sua integração com as ações em curso nas áreas. Assim, como será detalhado no item seguinte, o Plansab assumiu uma visão intersetorial defendida por Matus (1984) e Friedmann (1992). Para Matus (1984), a prática social horizontal, exercida no âmbito público, traz à tona problemas comuns aos diversos departamentos das ciências tradicionais, fazendo com que um projeto de governo seja, necessariamente, uma proposta que considere o intercâmbio desses problemas.

Na apresentação do Panorama do Saneamento Básico, (BRASIL, 2011c:23), são assumidos, de maneira clara, os princípios básicos26 que deveriam direcionar sua elaboração e a posterior implementação:

a) universalidade, integralidade e equidade; b) intersetorialidade;

c) sustentabilidade;

d) aspectos econômicos dos serviços públicos de saneamento básico; e) territorialização;

f) gestão democrática nos serviços de saneamento.

No Plansab, parte-se do pressuposto de que os conceitos de universalidade, integralidade e equidade devem estar inter-relacionados.

A universalidade significa a possibilidade de todos poderem alcançar uma ação ou

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serviço de que necessite, sem qualquer barreira de acessibilidade legal, econômica, física ou cultural. Seria um acesso igual para todos, sem qualquer discriminação ou preconceito. A equidade é entendida como a superação de diferenças evitáveis, desnecessárias e injustas. Na perspectiva do Plansab, a ―equidade permitiria orientar a identificação de um grupo ou categoria essencial que seria alvo especial da intervenção‖.

A integralidade é assumida como ―o conjunto de todas as atividades e componentes de cada um dos diversos serviços de saneamento básico, propiciando à população o acesso na conformidade de suas necessidades e maximizando a eficácia das ações e resultados,

em conformidade com a Lei nº 11.445/2007‖ (BRASIL, 2011c:32).

Segundo Brasil (BRASIL, 2011c),

[...] articulando os três princípios anteriormente discutidos, a precedência da universalidade sobre a equidade pode reforçar a condição de cidadania plena e fortalece laços solidários na construção de uma sociedade democrática. Do mesmo modo, se a integralidade não é uma panaceia, nem um conceito que engloba tudo, mas um ―conceito em estado prático‖ a exigir trabalho teórico e confronto com a realidade, mediante investigações empíricas e intervenções tecnológicas, pode induzir o diálogo, a pactuação e intersetorialidade no âmbito da política pública de saneamento básico.

Portanto, universalidade supõe que todos os brasileiros tenham acesso igualitário ao saneamento básico, sem qualquer barreira de qualquer natureza, seja legal, econômica, física ou cultural. A equidade possibilita a concretização da justiça, com a prestação de serviços destacando um grupo ou categoria essencial alvo especial das intervenções. E a integralidade, ao orientar o Plansab, no sentido de integrar os componentes relativos ao abastecimento público de água, esgotamento sanitário, limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos e drenagem e manejo de águas pluviais, tende a reforçar as ações intersetoriais e a construção de uma nova governança na gestão de políticas públicas.

A intersetorialidade possibilita a vinculação de análises, planos, programas, decisões e ações a territórios, em que todas as questões se vivificam e mostram suas interdependências. Na visão do Plano, a gestão fragmentada dos componentes do saneamento ou, ainda, desarticulada de outros campos de ação pública tende a dificultar a resposta a desafios inerentes ao desenvolvimento social. A introdução da intersetorialidade possibilita o diálogo entre tecnologias e práticas setoriais (BRASIL, 2011c). A visão intersetorial possibilita que as questões sejam tratadas em sua

totalidade, para autores como KAIVO-OJA; MARTTINEN (2008), além de produzir o necessário intercâmbio de problemas entre os departamentos das ciências tradicionais, fundamental para a otimização da utilização dos recursos, tal como defende Matus (2000).

A sustentabilidade dos serviços envolve quatro dimensões. A ambiental está relacionada ao uso racional, à preservação dos recursos hídricos e à qualidade do ambiente. A social seria relativa à percepção dos usuários em relação aos serviços . A governança compreende mecanismos institucionais e culturas políticas, com o objetivo de promover uma gestão democrática e participativa, pautada em mecanismos de prestação de contas. A econômica trata da viabilidade econômica dos serviços. Este modelo de sustentabilidade propõe um novo comportamento humano, harmonizado com a natureza e com os valores democráticos, seguindo a visão de Leff (2005).

A dimensão econômica é colocada no Plansab a partir do que determina a Lei

11.445/2007: ―Os serviços públicos de saneamento básico terão a sustentabilidade

econômico-financeira assegurada, sempre que possível, mediante remuneração pela

cobrança dos serviços‖. No Plano, embora isso não seja colocado como imperativo, é sugerido que ―a cobrança dos usuários pela prestação dos serviços de saneamento

básico não é e, em muitos casos, não deve ser a única forma de alcançar sua sustentabilidade econômico-financeira‖ (BRASIL, 2011c:61). Esta proposta introduz uma discussão a respeito das práticas ideológicas, administrativas e econômicas vigentes e atribui ao Estado papel harmonizador de interesses contraditórios dos diferentes grupos sociais, em acordo com a visão de Leff (2005).

A territorialização envolve as desigualdades socioespaciais. O déficit em saneamento se distribui de forma desigual no território brasileiro, expondo as populações, de forma diferenciada, aos riscos decorrentes da insalubridade do meio. O Plansab busca identificar e propor ações visando à universalização dos serviços de saneamento básico, para minimizar essas desigualdades no território nacional.

O conjunto desses princípios mais aqueles assumidos na formulação do Pacto pelo Saneamento Básico, no âmbito deste estudo, compõem a fundamentação declarada. No Plansab, admite-se que a construção de relações entre cidadania, governabilidade e controle e a democratização da gestão dos serviços corresponde a uma tarefa

complexa, dada a própria natureza do tema, localizado no limiar entre o campo político e o campo técnico. No Plano, pondera-se que o campo político ―é um campo de disputa, de apropriação e desapropriação de significados como parte constitutiva da luta política e o campo técnico, principalmente ao refletir as opções para intervenções em saneamento básico, está longe de um debate consensual‖. Além disso, a participação da sociedade na gestão dos serviços de saneamento básico insere-se em um contexto em que inexistem modelos preexistentes que garantam a viabilidade das opções adotadas nos processos de decisão (BRASIL, 2011c).

No Pacto pelo Saneamento Básico, a participação da sociedade é assumida como um dos princípios fundamentais sobre os quais o Plansab deveria ser construído. A partir do final do século passado, tanto no Brasil quanto em outras sociedades latino- americanas, os atores sociais passaram a ser organizar, fazendo com que a sociedade civil surgisse como uma força política a ser considerada na elaboração do planejamento público, tal como reconhece Friedmann (1992). O objetivo manifestado no Pacto pelo Saneamento Básico visando a comprometer os atores sociais com o Plansab segue um dos princípios defendidos pelo Planejamento não Euclidiano. No Plansab, esse comprometimento deveria envolver centenas de pessoas a partir dos seminários regionais, que se caracterizaria como um instrumento de reflexão coletiva, tal como sugere a Prospectiva Estratégica. Desses eventos participariam grupos de atores sociais com divergentes visões de mundo, tornando-se necessário estabelecer-se um diálogo entre eles. O Plano assumiria, assim, papel fundamentalmente político, seguindo as diretrizes do Planejamento Estratégico Situacional.

Observa-se que no Plansab integralidade e intersetorialidade deveriam ser entendidas como inter-relacionadas. Enquanto a visão da integralidade considera que a prestação dos serviços de saneamento básico não pode ocorrer de forma fragmentada, o entendimento da intersetorialidade direciona para ações integradas em áreas de sombreamento interdisciplinar. Este tipo de abordagem permite que seja evitada a fragmentação funcional, que é considerada como um dos principais desafios a ser evitado segundo o Planejamento não Euclidiano. O intercâmbio de problemas entre os departamentos das ciências tradicionais no âmbito do planejamento público também é defendido no Planejamento Estratégico Situacional ou por autores do Foresight como KAIVO-OJA; MARTTINEN (2008).