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Considerações sobre o tempo e a intensificação do trabalho docente no uso das tecnologias

4.2 Análises das entrevistas

4.2.5 Considerações sobre o tempo e a intensificação do trabalho docente no uso das tecnologias

Outro aspecto importante que ressalta na entrevista relaciona-se com a questão do tempo e da intensificação do trabalho no uso das tecnologias, essas categorias aparecem nas falas dos sujeitos, tanto no que se referem ao momento em que se estão presentes na escola exercendo o trabalho diário, como em seus momentos de lazer e descanso.

Esses fatores já foram constatados em outras pesquisas (MILL, 2002, 2006; ARRUDA, 2004 e OLIVEIRA, W. 2007) nas quais fica claro que o uso das TIC intensifica o trabalho do professor quando este faz uso desse recurso de forma até mesmo inconsciente em seus momentos de lazer e descanso. E ainda representa uma forma de exploração do trabalho intelectual na qual o docente é expropriado de seu trabalho e de seu descanso quase sem perceber, quando o foco da sua atenção é preparar e executar o seu trabalho com dignidade.

Dessa forma percebe-se na fala do professor Paulo Vega que utiliza a tecnologia em casa para fazer planejamento e preparar aulas, porque na escola não dá tempo

ah eu uso muito em casa, o tempo aqui não dá para isso não, para fazer o trabalho que eu desenvolvo eu estou tentando resolver, mas não dá ainda tem a questão do software que eu uso em casa que não posso instalar aqui (Paulo – professor da EJA da Escola Vega).

Também aparece na fala da professora Ana Vega que sacrifica seu horário de almoço na escola, seu horário de recreio, e ainda o intervalo entre um turno e outro e até no final do turno

eu faço no meu horário de serviço, no horário vago que eu tenho na escola, horário de projeto. Eu faço também no horário de almoço, porque eu fico aqui, eu não vou para casa, entendeu. Porque se eu tenho uma coisa para fazer eu não consigo ficar parada, então acaba que eu tenho que fazer no horário de almoço mesmo. E à noite, às vezes, no final do horário eu consigo fica um pouco. Até enquanto eu fico esperando meu marido porque ele me busca. Quando eu não tinha essas coisas para fazer eu ia embora, descia a pé pegava o ônibus agora não, eu fico esperando até ele chegar. Às vezes ele chega e eu estou mexendo eu falo: ah, espera um pouquinho. Então ele fica esperando ainda uns quinze a vinte minutos (Ana – professora do EF da Escola Vega).

E até com certo conformismo aparece na fala do professor César Antares, segundo o qual “a vida de professor é assim mesmo sempre levando trabalho para casa”. Como ele trabalha à noite e tem outra atividade de trabalho durante dia, “sobram as sextas-feiras quando não tem reunião e os finais de semana, fazer o quê vida de professor é assim” (César – professor da EJA da Escola Antares)

O professor Júlio Antares ainda se dispõe a usar o sábado à tarde para fazer curso de computação e para “dominar” mais ainda a tecnologia e dessa forma “facilitar” seu trabalho com seus alunos no laboratório

eu até senti a necessidade de entrar na aula de computação e eu estou fazendo um curso no sábado à tarde para dominar mais, para facilitar meu trabalho aqui (Júlio – professor da EJA da Escola Antares).

A professora Dora Polaris deixa-se levar pelos “encantos” da tecnologia permanecendo mais tempo do que é realmente necessário. Essa professora ressalta a contradição no uso das TIC que facilita o trabalho de um lado, mas acaba intensificando de outro, quando fica mais tempo que o necessário na frente de um computador

eu acho que é muito doido e real acontece comigo às vezes perco o controle. A gente vai fazer uma pesquisa e acaba indo de uma página para outra e quando percebe ficou um tempo enorme ali, isso aqui serve para tal aluno, isso aqui serve para tal atividade. Quando vê você ficou ali horas trabalhando uma coisa te puxando para outras e você vai descobrindo outras coisas... lê seu e-mail, conversa com um no msn, e por aí vai (risos) então acaba ficando mais tempo do que devia (Dora – professora do EF da Escola Polaris).

Já a professora Márcia Polaris demonstrou saber separar seu tempo de trabalho do seu tempo de lazer em relação à utilização da tecnologia “Mas eu não sento nos finais de semana e à noite para investir no meu trabalho, não diretamente.” Mas quando questionada sobre correção de trabalhos e provas e preparação de aula, ela diz que leva trabalho para casa, “mas isso não usa computador, né isso é o normal de todo professor” demonstrando que já está culturalmente intrínseco ao processo de trabalho do professor utilizar os tempos de lazer como tempo de trabalho. Ela ainda revela não ter condições de investir mais no uso da TIC por falta de tempo, trabalha em regime de dobra em duas escolas “Eu às vezes procuro algum conteúdo para imprimir para o meu aluno, se eu estou numa escola que tem essa disponibilidade aí eu acesso, mas sobra tão pouco tempo, às vezes, para acessar na escola” (Márcia – professora do EF da Escola Polaris).

Fica claro que todos os professores entrevistados sempre levam trabalho para fazer em casa e desenvolvem trabalho extra sem remuneração a título de “cooperação”. Sacrificam horário de lazer e de estar com a família para se dedicar ao trabalho. Paulo Vega ainda usa o tempo de descanso para manter um blog educativo que fez para os alunos e também para montar DVDs com imagens e sons para serem usados com os alunos

quando você tem que fazer uma coisa mais elaborada aqui não tem tempo por exemplo. Poxa (sic), mas você tem uma sexta-feira, mas você sabe como é sexta- feira, sempre tem uma coisa, sempre tem um curso, um diário para preencher, um assunto tudo é programado, essas sextas-feiras sempre são programadas. Durante a semana nesse horário de 18hs às 19hs, que seria esse horário também, a gente desenvolve essas atividades com alunos aqui. Às vezes dá para mexer, às vezes não. Então eu só faço isso em casa. São coisas que a gente não tem tempo de fazer aqui então faço em casa no final de semana (Paulo – professor da EJA da Escola Vega).

Há ainda uma outra questão levantada pela professora Ana Vega relacionada à habilidade e ao manejo da TIC. Para ela quando o professor não sabe usar o computador, ele gasta muito mais tempo para fazer uma tarefa simples. Isso torna o trabalho ainda mais intenso, pois “...uma hora é pouco para quem não tem muita habilidade porque para tudo a pessoa vai ter que procurar, parar e ir lá para perguntar alguém.” (Ana – professora do EF da Escola Vega)

É impressionante ver a forma conformista com a qual os docentes aceitam terem seus momentos de lazer e descanso intensificado pelo trabalho com as tecnologias e pelo trabalho que desenvolvem na escola. Está tão profundamente incorporado neles que não se dão conta da exploração a que estão sendo submetidos. Eles parecem acreditar que a intensificação de

seu trabalho é inerente à missão que precisam cumprir. Segundo Hargreaves (1988), o tempo e o esforço que os docentes dedicam à preparação e ao ensino resultam tanto de uma submissão contrariada às exigências externas como também uma dedicação à realização de um bom trabalho. Ou seja, fazem o que tiver que ser feito no horário de trabalho ou no horário de descanso por um empenho à sua profissão. Nas palavras de Hargreaves (1988, p.143) “um profissionalismo que não reconhece e até legitima a intensificação do trabalho docente”.

Nessa perspectiva Contreras (2002) assinala também que os professores estão submetidos a pressões e contradições das quais nem sempre é fácil se livrar ou que mal são captadas com lucidez. Isso faz com que eles não sintam o quanto estão sendo explorados. Segundo analisa Santos (2001), se antes a exploração do trabalhador era manual, exaurindo dele a força física, atualmente predomina a exploração do componente intelectual, isso porque hoje a produtividade repousa cada vez mais em trabalhos complexos.

Constata-se assim como já assinalava Apple (1995), a contradição que é vivida pelos docentes, na qual há cada vez mais a necessidade de aprendizagem de múltiplas habilidades versus a dificuldade para se manter a especialização. Trabalhando em dois ou mais turnos de trabalho dos professores exige-se novas qualificações pedagógicas, além do domínio das tecnologias de informação e comunicação. Para dar conta disso tudo, sobra apenas o tempo de lazer e descanso.