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5 A HISTERIA EM FREUD

5.1 Considerações teóricas dos Estudos sobre a histeria

Este texto tem o propósito de apresentar nosso de trabalho de leitura dos Estudos sobre a histeria. O livro é um composto por quatro partes: comunicação preliminar, a descrição de cinco casos clínicos, um ensaio de Breuer com considerações teóricas por fim um capítulo sobre a psicoterapia da histeria.

O primeiro capítulo (comunicação preliminar) é o menor artigo dos Estudos, contudo, nele, notamos uma condensação de termos e hipóteses que o torna bastante denso. O movimento do texto também imprime em nós certas tensões, ou pelo fato de ter sido escritos por dois autores ou por deixar transparecer o impasse sobre o qual foi produzido, o de pretender abranger conceitos médicos tratando de uma “doença” pouco convencional e pouco aceita na medicina, já naquela época.

A primeira suposição nos leva a questionar o que de fato quer dizer um texto escrito a duas mãos; se foi um texto construído por Freud e Breuer concomitantemente, ou se suas ideias foram elaboradas separadamente e agrupadas na edição do texto. Quanto ao segundo fator é algo que perpassa nas entrelinhas, na linguagem utilizada, nas ressalvas, no cuidado que os autores tiveram em justificar suas suposições sem comprovação científica. Essas contenções se tornam bem perceptíveis, por exemplo, no capítulo das considerações teóricas.

Levando em conta tais aspectos e as instabilidades presentes no texto, escolhemos fazer a leitura-escritura dos Estudos sobre a Histeria dividindo-o em duas partes. Primeiro serão lidos o capítulo da comunicação preliminar em paralelo ao capítulo das considerações teóricas, depois prosseguiremos com a leitura dos casos clínicos junto com a parte da psicoterapia da histeria. Salientamos que não nos deteremos tanto na primeira parte do terceiro capítulo, por considerar que esta se amplia em argumentos neurológicos e isso excede o propósito do nosso estudo. Faremos, no entanto, essa dupla leitura tentando ligar os pontos entre os dois capítulos que serão lidos primeiro.

Emílio Rodrigué (1995) fala da Comunicação Preliminar como um texto à parte dos Estudos sobre a Histeria. Ele baseia-se nas datas em que foram escritos, tendo em vista que a

Comunicação foi esboçada em 1892 e a maior parte dos Estudos foi escrito em 1894. Um esboço da comunicação, uma carta de Freud endereçada a Breuer, foi publicada no primeiro volume das obras completas da Edição Standard. Para Rodrigué (1995), a comunicação preliminar começa do ponto em que Charcot parou, a teoria do trauma como fundamento para explicações sobre a etiologia da histeria.

Consta que no ano de 1894 a relação entre Breuer e Freud começou a se deteriorar. Os autores se posicionaram distintamente frente a algumas ideias. Podemos citar como exemplo a crença irrevogável que Breuer tinha nos estados hipnóides na mesma medida em que Freud optou por acreditar no recalque. Outra questão corresponde ao fato de Freud se ocupar muito da sexualidade como algo extremamente importante para entender os mecanismos da histeria e Breuer parecer mais reticente em relação a tal pensamento. Considera-se que nisto se inscreve a divergência fundamental entre os dois autores. (RODRIGUÉ, 1995).

Outra disparidade referida é a inclinação de Breuer para explicar a histeria em termos psicológicos enquanto Freud declara a preferência pelas explicações fisiológicas. Entretanto, como já referimos anteriormente na apresentação da nota do editor, há nessa proposição um paradoxo: “Breuer, que pretende psicologizar, ‘neurologiza’ sua linguagem (...) por outro lado, Freud se esforça por explicar os fenômenos mentais em termos fisiológicos; apesar disso, seus casos clínicos tem a forma de contos psicológicos.” (RODRIGUÉ, 1995, p.291).

Conforme Rodrigué (1995, p.290) sugere, os Estudos “aceitam ser lidos de vários modos” e nos apresenta pelo menos três deles: o primeiro a partir de um interesse histórico; depois, como um manual de psicoterapia; e por fim, como uma novela – o que vem validar, de certa forma, nossa opinião sobre os Estudos possuir qualidades do relato de uma aventura . Este terceiro quesito estimula certa rejeição de Freud, apesar de corresponder totalmente ao seu “estilo”. Vimos isso na discussão de um dos casos quando ele expõe seu desconforto e estranhamento ao perceber que seus conhecimentos em diagnóstico não foram suficientes devido à natureza do tema, e que seus relatos não possuíam a marca de seriedade científica. (RODRIGUÉ, 1995, p.290).

No parágrafo introdutório do terceiro capítulo (as considerações teóricas), Breuer afirma que se trata de uma extensão do primeiro capítulo, dado a concisão deste: “Talvez

possamos dar um tratamento mais detido e mais claro (com acréscimo de algumas ressalvas, sem dúvida) dos pontos para os quais foram reunidas provas insuficientes ou que não receberam bastante destaque na ‘Comunicação preliminar’.” (FREUD, 2006 [1893-95], p. 207) (grifos do autor).

O projeto de conservar na histeria características de uma patologia como outra qualquer, de acordo com os requisitos médicos científicos, é muito marcante na escrita de Breuer. Tanto que podemos julgar que ele era muito mais resistente às peculiaridades da histeria do que Freud. Assim, logo se preocupou em expor a justificativa de que na comunicação preliminar se fala de “fenômenos histéricos” e não da histeria tendo em vista que ela fosse reconhecida como uma unidade clínica.

O terceiro capítulo também se configura como uma emenda e/ou uma desculpa para atenuar as lacunas que as primeiras explicações não preencheram; é um capítulo que inicialmente apresenta defesas e retificações. Breuer refaz a opinião de que os fenômenos patológicos da histeria são necessariamente ideogênicos (produzidos por ideias). Ele defende a posição de que embora a determinação dos sintomas seja ideogênica, nem todos os fenômenos histéricos são produzidos por ideias. Para Breuer, a histeria consiste num “quadro clínico empiricamente descoberto e baseado na observação da mesma maneira que a tuberculose pulmonar”. (FREUD, 2006 [1893-95], p.208).

A fim de justificar o caminho um tanto sinuoso que os autores percorrem para construir as elaborações contidas nos Estudos, Breuer dirá mais adiante que a descoberta da origem psíquica da histeria foi o avanço que fizeram em relação a todas as explicações já existentes sobre o referido distúrbio.6 Apenas mais um paradoxo dentre tantos que surgem num texto repleto de precauções.

Para corroborar nossa percepção quanto ao objetivo de manter a discussão sobre a histeria num registro científico, vemos como Breuer, por exemplo, utiliza em vez de “afeto” a expressão “excitações tônicas cerebrais”. Também propõe uma longa explicação sobre o

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Propositalmente destacamos a palavra distúrbio visto que seja um termo muito utilizado nos manuais médicos. Significa uma perturbação na ordem natural. Achamos que esta ideia se aproxima da ideia exposta na comunicação preliminar de desequilíbrio no que diz respeito à quantidade de excitação no aparelho psíquico. Essa explicação quantitativa e ligações elétricas chegam a ser bem trabalhadas por Breuer no capítulo das considerações teóricas. Mas optamos por não aprofundar nessa discussão.

equilíbrio dinâmico do sistema nervoso, o processo de excitamento7 intracerebral. Sentimos a necessidade de explicitar que é justamente nessa ocasião que Breuer vai discorrer sobre pulsão sexual ser a fonte mais poderosa do acúmulo de tensão na histeria e nos outros tipos de neuroses. (FREUD, 2006, [1893-95], p. 221). Mais adiante discutiremos este assunto. No momento, importa dizer que nosso interesse pelo referido capítulo está mais voltado para as concepções contidas nos tópicos sobre a conversão histérica, sobre os estados hipnóides, sobre a divisão da consciência e, sobretudo, o tópico sobre a predisposição inata. Nestes tópicos as ideias apresentadas na comunicação preliminar são desenvolvidas com maior atenção.

Breuer inicia o tópico das conversões histéricas apontando: “Dificilmente hão de suspeitar que identifico a excitação nervosa com a eletricidade por eu recorrer mais uma vez à comparação com um sistema elétrico.” (FREUD, 2006 [1893-95], p. 224). Assim, ele prossegue sobre o assunto com esses termos, utilizando tal linguagem, acrescentando, doravante, algo novo no que diz respeito à somatização na histeria. Para ele, paralelo ao aspecto do escoamento da tensão psíquica, costuma-se perceber uma vulnerabilidade nas pessoas que manifestam sintomas histéricos. A vulnerabilidade mencionada pode ocorrer em consequência de uma predisposição inata (constituição subjetiva), ou pela diminuição da resistência psíquica para lidar com as excitações, ou devido a estados de esgotamentos propiciados por uma doença ou enfraquecimento orgânico. Novamente uma tentativa de validar as suposições sobre a histeria para além das abstrações e impressões difíceis de serem provadas.